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COMUNIDADE COM A SALA DE AULA

A ESCOLA COMO ESPAÇO DO CONTAR

Como espaço criado para divulgar a cultura e do conhecimento, a escola arvora- -se o direito de ditar regras e eleger textos a serem veiculados ou não no âmbito da sala de aula. A escola que reafirma pautar suas escolhas na vivência do aluno, muitas vezes alheia-se aos interesses da comunidade na qual deve estar integrada e não con- sidera expressões da cultura que estão vivas nesse ambiente. As famílias dos alunos, por vezes, guardam artistas da palavra, como poetas populares, contadores de histó- rias, cantadores, brincantes que a escola não toma conhecimento nem acolhe, dei- xando de estabelecer uma rica integração de saberes que circulam entre os alunos.

Esses contadores de histórias, oriundos das famílias dos alunos, poderiam am- pliar a convivência da escola com a comunidade através das performances contado- ras. Detentores de repertórios de textos oriundos da tradição oral, por exemplo, fun- cionariam como ponto de interação comunidade/escola, tão necessário para a boa convivência da escola com a casa dos alunos. Permitir a presença da palavra contada e muitas vezes cantada da comunidade na escola é favorecer aprendizagens da fala, possibilidades de escuta, tão importantes nos projetos que visam ao desenvolvimen- to das aptidões de comunicação.

Em muitas salas de aula, no Brasil, ainda acontece faltar material impresso para se utilizar nas atividades de leitura. A presença ativa de um contador de histórias, de repertório variado e boa capacidade de comunicação favorece igualmente a escrita

e a leitura, uma vez que “fornece material” importante para a discussão de temáti- cas que interessam aos participantes e componentes da comunidade dentro e fora da escola. Os textos apresentados oralmente podem, até facilmente, transformar-se em textos escritos, reescritos, dando origem a outros textos, recriados pelos alunos. Favorecem também performances teatrais, representações em forma de outros gê- neros, a partir de outros suportes textuais que tiveram, nesse caso, seu nascimento na voz do contador.

Nesse universo de ensinar e aprender a falar, ouvir, ler e escrever muitas lingua- gens se entrelaçam e assim definem formas de expressão linguística. Contar histórias, dizer textos outros, proclamar notícias, publicar (no sentido de tornar público) poe- mas, podem constituir oportunidade ímpar de intercambiar conhecimentos. A ação do contador de histórias se expressa através da performance. A sua comunicação realiza-se através da fala expressiva. Mesmo sem dominar as convenções linguísticas, o seu repertório lhe confere autoridade no falar e o seu discurso passa a ser autoriza- do, por apresentar coerência no sentido do texto.

Observe-se como exemplo desse encontro com a palavra de um contador de histórias tradicional, Manoel Domingos, oriundo do meio onde as crianças habitavam, detentor de um vasto repertório de textos orais. Pela sua condição de só ter frequen- tado a escola por três anos, não dominava as regras gramaticais e cometia deslizes linguísticos de pronúncia e concordância no falar (SILVEIRA, 1998). No entanto, essa condição de pouca escolaridade não tirava de “Seu Manoel” a capacidade de envolver seus ouvintes com os textos a que dava vida durante as performances que coordena- va. Assim, a sua presença na escola, durante um semestre letivo, em uma sala de aula, valeu àquelas crianças momentos prazerosos de envolvimento com os textos apre- sentados, com as formas de contar que eram imitadas pelos alunos participantes, considerando a sua segurança em vivenciar os textos, a variedade do seu repertório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se, neste caso, que a escola tende a não considerar as expressões da memória e o saber de contadores que não dominam as normas linguísticas, deixando- -os fora da sala de aula, rejeitando a sua presença, em nome de uma linguagem culta que, no cotidiano, não habita a sala de aula, em uma clara demonstração de que a fala oriunda da comunidade não é valorizada pela escola. Esse contador de histórias que é reconhecido pela comunidade, em muitos casos, não o é pela escola frequentada pelas crianças da mesma comunidade. Esse posicionamento leva essas crianças a interpretar que àquele saber não é dado o devido valor, concluindo que aqueles repertórios não têm valor, o que concorre para silenciar vozes na comunidade que poderiam fortalecer não só o grupo comunitário mas também a própria escola como instituição cultural, cuja função é, também, fortalecer culturalmente a comunidade na qual está inserida.

Ouvir falar, contar, dizer os textos são formas de ensinar/aprender. No ensino e aprendizagem da fala, da leitura, da expressão oral, o exemplo é determinante, daí a importância de o(a) professor(a) ler com expressividade para que seus alunos ouçam. O contador de histórias, com sua fala sem amarras e ao mesmo tempo presa a um enredo, a um texto armazenado na memória, demonstra a sua capacidade de falar ao cérebro e ao coração. Enquanto o contador interage com os ouvintes através dos tex- tos que diz, apoiado na sua memória, os seus ouvintes interagem também com suas vivências, com suas possibilidades de também atuar, de mostrar seu saber ou mesmo de unicamente ouvir e divertir-se, aprender.

Diferentes são as concepções de performances entre os contadores tradicionais e os “novos contadores” no que se refere aos ouvintes, às fontes de alimentação dos seus repertórios, aos modos de se relacionarem com o ambiente, aos objetivos das reuniões com os ouvintes, ao tempo de duração de cada sessão, entre outros fatores que possibilitam acontecer a atividade de ouvir/contar histórias. Tantas diferenças se equiparam em um ponto comum: o fato que, mesmo mudando as motivações, sempre haverá interessados em uma boa conversa, passíveis de se voltar para uma atividade fundadora como a de ouvir e/ou de contar histórias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. (1994) O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia, técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história da cultura. Tra- dução de Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense. (Obras Escolhidas, v. 1). GÖRÖG-KARADY. (1982). Qui conte en France aujourd’hui? In: CAHIERS DE LITTÉRA- TURE ORALE – Conteurs n° 11, Paris: Langues’O, p. 95-122.

SÉBILLOT, Paul. (1978 [1880]). Littérature orale de la Haute Bretagne. (Les Littératures

Populaires de Toutes les Nations – traditions, legends, contes, chansons, proverbs, devinettes, superstitions). Paris: Maisonneuve e Larose, t. I.

SILVEIRA, Maria Claurênia A. A. (1998). O carretel da memória – histórias fabulosas de

um contador paraibano. João Pessoa: Universitária UFPB.

ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. (1997). Tradução de Jerusa Pires Ferreira, Maria Lúcia D. Pochat e Maria Inês de Almeida. São Paulo: Hucitec. (Linguagem e Cul- tura nº 28).

______. A letra e a voz: a “literatura” medieval. (1993). Tradução de Jerusa Pires Fer- reira e Amálio Pinheiro. São Paulo: Companhia das Letras.

Robéria Nádia Araújo Nascimento1

Universidade Estadual da Paraíba/Brasil

RESUMO

Este texto articula as simbologias da religiosidade afro-brasileira, especialmente o Candomblé, na minissérie da Rede Globo Tenda dos Milagres, adaptação da obra homônima de Jorge Amado. Os fragmentos dos capítulos e as descrições das cenas contextualizam tradições e rituais que configuram essa mitologia uma expressão cul- tural brasileira e uma representação da identidade étnica do contexto nordestino.

PALAVRAS-CHAVE: ficção televisiva; cultura; identidade étnica; candomblé.

ABSTRACT

This text articulates the symbols of african-Brazilian religion, especially Candomblé, in the miniseries of Rede Globo Tent of Miracles, adapted from the eponymous work of Jorge Amado. The fragments of chapters and descriptions of scenes contextualize traditions and rituals that shape this mythology a Brazilian cultural expression and a representation of the ethnic identity of the northeastern context.

KEYWORDS: fiction television; culture; ethnic identity; candomblé.

1 Professora Titular da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB/Brasil). Doutora em Educação. E-mail:

rnadia@terra.com.br