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Viu-se, no capítulo anterior, que o BO lavrado nas delegacias da PC trata- se de “[...] mera peça informativa, lavrada a partir da notícia de prática delituosa, levada unilateralmente pela parte ao conhecimento da autoridade policial”.147 Com isso, tira-se que o documento policial é redigido por uma simples declaração do cidadão, que procura a delegacia de polícia para informar sobre determinado fato criminoso.

O conceito de fato criminoso, no ordenamento jurídico brasileiro, ficou a cargo dos doutrinadores, pois o Código Penal e as diversas leis especiais não o conceituam.148

Crime, ou fato criminoso, ou delito, é a violação/transgressão ao ordenamento jurídico, legalmente punível, independentemente da violação ter ocorrido de maneira dolosa ou culposa.149

Acerca do tema, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci leciona que crime é:

[...] ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijurídica) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam

147 SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho (Segunda Região). Recurso Ordinário: RecOrd

2022200244402000 SP 02022-2002-444-02-00-0. Relator: Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros. São

Paulo, SÃO PAULO, 21 de janeiro de 2006. Disponível em: <http://trt-

2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7533475/recurso-ordinario-record-2022200244402000-sp-02022- 2002-444-02-00-0/inteiro-teor-13146409>. Acesso em: 20 set. 2015.

148 LUCAS, Caio de. Conceito de Crime: Estudos de Direito Penal. Disponível em:

<http://caiodeluca.jusbrasil.com.br/artigos/147591440/conceito-de-crime>. Acesso em 25 out. 2015. 149 MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em:

imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito.150

Nesse mesmo sentido, o pesquisador e doutrinador Manoel Pedro Pimentel esclarece que crime é uma ação e/ou omissão humana que vem a desrespeitar algum bem jurídico que o Estado protege por meio da lei. É quando a lei impõe a pena como a genuína consequência do ato humano praticado, seja ele por ação ou omissão.151

Mas voltando ao tema principal da pesquisa deste trabalho, geralmente é por conta do BO que a autoridade policial toma conhecimento da ocorrência de algum crime.

Quanto a esse documento, o sítio Universo Policial ensina que:

O boletim de ocorrência pode ser conceituado como sendo o registro ordenado e minucioso das ocorrências que exigem a intervenção policial. Ocorrência policial, por sua vez, é todo fato que, de qualquer forma, afete ou possa afetar a ordem pública e que exija a intervenção policial por meio de ações ou operações.152

Nessa senda, o Jurista Clóvis Mendes leciona que o BO “[...] é o documento utilizado pelos órgãos da Polícia Civil para o registro da notícia do crime, ou seja, aqueles fatos que devem ser apurados através do exercício da atividade de Polícia Judiciária”.153

Já quanto à sua natureza, o BO é um documento de uso interno da PC, que necessita de sigilo, pois tem como função primordial o registro da notitia criminis e a coleta de informações, que serão posteriormente verificadas e utilizadas para a instrução do Inquérito policial.154

150 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014. P. 120.

151 PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos tribunais, 1983. P 2.

152 UNIVERSO POLICIAL. Boletim de ocorrência policial: definição, orientações e modelos. 2009. Disponível em: <http://www.universopolicial.com/2009/09/boletim-de-ocorrencia-policial.html>. Acesso em: 17 Out. 2015.

153 MENDES, Clóvis. B.O. é desnecessário em casos não penais. Revista Consultor jurídico, São Paulo, 07 fev. 2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-fev-07/boletim-ocorrencia- desnecessario-casos-nao-penais>. Acesso em 17 out. 2015.

154 SABBÁ, Antonio Ailton Benone. Boletim de ocorrência não criminal. In: Delegado de Polícia

plantonista, Pará, 02 jun. 2011. Disponível em:

<http://delegadoplantonista.webnode.com.br/news/boletim%20de%20ocorr%C3%AAncia%20n%C3% A3o%20criminal/>. Acesso em: 06 out. 2015.

Visto se tratar de um documento confeccionado nas dependências de uma delegacia de polícia, faz-se do mesmo, logicamente, um documento oficial. Nesta senda, extrai-se do sítio eletrônico já referenciado que:

O boletim de ocorrência é um documento oficial. Portanto, deve seguir os princípios expressos e reconhecidos da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência [...]

A redação do BO deve caracterizar-se pela impessoalidade, uso do padrão culto da língua, clareza, concisão, coerência e objetividade. Na redação oficial, não há lugar para impressões pessoais, como as que, por exemplo, constam de uma carta a um amigo, de uma postagem de um blog ou mesmo de um texto literário. O BO deve ser isento da interferência da individualidade da pessoa que o elabora.155

Tendo então como base a exercício de levar ao conhecimento da autoridade policial o acontecimento de determinado crime, o BO tem o fito de que a PC, após a sua confecção, execute as atividades investigativas a fim de encontrar indícios da autoria criminal e, consequente, colaborar com o Ministério Público e com o Poder Judiciário na ação penal.156

Para facilitar a lavratura do BO e o prosseguimento que será dado a ele, isto é, a investigação policial em busca de provas da autoria do crime, ele é composto de campos específicos, onde serão inseridos os dados acerca do crime.157

Esses dados serão colocados de forma sistemática, iniciando pelo tipo de crime que ocorreu, a data, hora e local.Em seguida são inseridos os participantes (as pessoas que foram vítimas, testemunhas ou que de outra maneira tenham algum elo com o fato criminoso) com o relato individual respectivamente (cada envolvido conta a sua versão do fato). Após isso, cadastram-se os objetos envolvidos no delito (furtados/roubados e/ou utilizados na prática criminosa) e, por fim, a assinatura do policial, que redigiu o referido BO, e da autoridade policial. A assinatura da autoridade policial o faz ter conhecimento do crime ocorrido, e junto de sua

155 UNIVERSO POLICIAL. Boletim de ocorrência policial: definição, orientações e modelos. 2009. Disponível em: <http://www.universopolicial.com/2009/09/boletim-de-ocorrencia-policial.html>. Acesso em: 17 Out. 2015.

156 MEU ADVOGADO. Boletim de ocorrência, qual sua finalidade? 2012. Disponível em:

<http://www.meuadvogado.com.br/entenda/boletim-de-ocorrencia-qual-sua-finalidade.html>. Acesso em: 19 set. 2015.

157 UNIVERSO POLICIAL. Boletim de ocorrência policial: definição, orientações e modelos. 2009. Disponível em: <http://www.universopolicial.com/2009/09/boletim-de-ocorrencia-policial.html>. Acesso em: 17 Out. 2015.

assinatura acontece o seu despacho, isto é, a autoridade policial ao tomar ciência do fato criminoso, já determina os procedimentos cabíveis a serem realizados.158

Ainda acerca do BO, o Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais explana que:

Muito se discute sobre Inquérito Policial (IP) [...], mas praticamente nada sobre o Boletim de Ocorrência (BO). Na Legislação há pequenas referências ao mesmo na Lei 8069-90 (ECA, Boletim de Ocorrência Circunstanciado) e na Lei 5970-73 (Acidente de Trânsito) [...]159

Tratando de forma mais transparente o enunciado acima, em relação ao Estatuto da Criança de Adolescente (ECA), este não fala exatamente do BO de que trata o presente trabalho, mas do Boletim de Ocorrência Circunstanciado (BOC), conforme consagra o parágrafo único do art. 173 do ECA:

Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial [...] deverá:

I - lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente; II - apreender o produto e os instrumentos da infração;

III - requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração.

Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada.160

Nota-se, no próprio texto, que o BOC é uma peça elaborada após a prática criminosa, haja vista ser confeccionado quando há o estado de flagrância, diferente do BO que é objeto de estudo deste trabalho, que, como já visto, visa a comunicação à autoridade policial da prática de determinado crime, a fim de se iniciar a apuração dos fatos.

Em tempo, quanto ao BOC previsto no ECA, o Jurista e Pesquisador Tiago Lustosa Araujo assevera que:

158 UNIVERSO POLICIAL. Boletim de ocorrência policial: definição, orientações e modelos. 2009. Disponível em: <http://www.universopolicial.com/2009/09/boletim-de-ocorrencia-policial.html>. Acesso em: 17 Out. 2015.

159 MELO, André Luis. É preciso acabar com excesso de formalismo do B.O. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-fev-17/preciso-acabar-excesso-formalismo-boletim-ocorrencia>. Acesso em: 06 out. 2015.

160 BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 31 jul. 2015.

[...] o ato infracional cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa (parágrafo único), lavrar-se-á Boletim de Ocorrência Circunstanciado, procedimento bem mais simples que o auto de apreensão, mas que não prescinde de uma elaboração cautelosa e aprofundada, pois servirá de base para a manifestação do Ministério Público e providências do juízo. Note-se que a lei "faculta" a lavratura, podendo a autoridade policial, considerando a complexidade e gravidade do caso concreto, optar por realizar auto de apreensão.161

Novamente, nota-se que o BOC é uma peça pós-crime, confeccionada quando há o flagrante delito.

Já quanto a Lei nº 5.970/73, que trata de acidentes de trânsito, dispõe em seu art. 1º que:

Art 1º Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego.

Parágrafo único. Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim da ocorrência, nele consignado o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclarecimento da verdade.162

Observa-se, com esta lei, que se permitiu que o local de acidente de trânsito com vítima fosse desfeito (alterado), antes mesmo da chegada dos peritos, quando estiver prejudicando o tráfego veicular, mas que para isso deve ser lavrado um BO para informar as razões que ensejaram tal execução, ou seja, trata-se de uma simples justificativa pela alteração do local.163

Diante disso, é facilmente observado que o BO mencionado na Lei nº 5.970/73 não se trata do BO objeto de estudo desta pesquisa, mas de uma simples declaratória por não ter mantido o local do acidente preservado.

Voltando ao BO ora estudado, e recordando brevemente o capítulo anterior, tem-se que a PC desencadeia suas investigações, comumente, à partir da lavratura do BO, o qual enseja a abertura do inquérito policial. Este procedimento

161 ARAÚJO, Tiago Lustosa. A apreensão em flagrante do adolescente infrator pela ótica de quem lavra. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2627, 10 set. 2010. Disponível em:

<http://jus.com.br/artigos/17373>. Acesso em: 17 out. 2015.

162 BRASIL. Lei nº 5.970, de 11 de Dezembro de 1973. Exclui da aplicação do disposto nos artigos 6º, inciso I, 64 e 169, do Código de Processo Penal, os casos de acidente de trânsito, e, dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L5970.htm>. Acesso em: 17 out. 2015.

163 MOURA, Marcos Damião Zanetti de. A quem cabe aplicar as Leis nº 5.970/73 e 6.174/74 nos casos de acidentes de trânsito?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1420, 22 maio 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9903>. Acesso em: 16 out. 2015.

administrativo das delegacias de polícia tem um espaço totalmente dedicado no Livro I, Título II, do CPP, que se inicia no art. 5º., no entanto, em momento algum o código faz menção ao BO

No art. 5º do CPP encontra-se previsto que o inquérito policial será iniciado de ofício ou mediante requisição, quando se tratar de ação pública incondicionada, devendo possuir o histórico do fato e a identificação das pessoas envolvidas (vítimas, testemunhas e supostos autores). Caso a ação penal seja pública condicionada à representação, a autoridade policial não poderá instaurar o inquérito policial sem o devido requerimento.164

Fazendo uma breve diferenciação entre ação penal pública condicionada à representação e ação penal pública incondicionada, nesta “[...] o órgão do Ministério Público deverá promover a ação penal, sendo irrelevante a oposição por parte da vítima ou de qualquer outra pessoa. É a regra geral na moderna sistemática processual penal”.165 Ao passo que naquela, o Ministério Público, para que possa desenvolver a ação, depende da manifestação da vontade do ofendido (vítima ou representante legal), isto é, para que o Estado possa apurar a infração penal, está sujeito a autorização (chamada de representação) do prejudicado.166

Ainda em relação ao art 5º do CPP, ele traz em seu §5º que “nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”167, ou seja, o ofendido, por

meio de seu representante legal, deve manifestar sua vontade no processo (esta manifestação é conhecida por queixa). Em ação penal privada, é o ofendido quem detém a titularidade da ação, ou seja, é ele quem acusa, mas o poder de punir ainda permanece com o Estado.168

Ademais, o art. 5º do CPP, em seu §3º, preconiza que:

164 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 17 out. 2015.

165 CAVALCANTE, Karla Karênina Andrade Carlos. Ação penal pública condicionada e incondicionada. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, III, n. 11, nov 2002. Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4739>. Acesso em out 2015.

166 VASCONCELOS, Fernando Parente dos Santos. Ação penal de iniciativa pública condicionada.

Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2936, 16 jul. 2011. Disponível em:

<http://jus.com.br/artigos/19568>. Acesso em: 17 out. 2015.

167 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 17 out. 2015.

168 FARINELI, Jéssica Ramos. Ação Penal. In: Info Escola. Disponível em: <http://www.infoescola.com/direito/acao-penal/>. Acesso em: 18 out. 2015.

Art. 5º [...]

§ 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.169

Com isso, pode-se afirmar que, embora o BO seja um documento oficial, bastante comum e rotineiro nas dependências das delegacias de polícia, ele tem sido deslembrado pelo legislador e pelo meio jurídico, razão pela qual não há regulamentação alguma quanto à sua forma. Prova disso é a própria lei que, ao definir os critérios de abertura de inquérito policial, apenas informou os “requisitos” necessários, mas em momento algum estabeleceu nome ou forma ao documento que realize tal requisição.170

Ocorre ainda que, além do papel principal de registrar a ocorrência de prática criminosa, o BO é amplamente utilizado para se fazer registros de fatos atípicos, ou seja, que não incorram em tipicidade penal (não caracterizando infração penal), conhecidos, popularmente, pelo nome de BO de preservação de direitos ou BO de resguardo.171

Nesse sentido, visto que principal função atribuída ao BO consiste em comunicar a autoridade policial acerca da ocorrência de determinado crime, bem como servir de alicerce inicial às atividades investigatórias da PC, mas que também o utilizam com o fito de preservar direitos, na próxima seção chega-se ao objetivo específico da pesquisa, que é verificar se o uso indevido do BO compromete a eficiência das atividades realizadas pela PC.

4.2 A INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE QUANTO AO

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