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Muitos artigos e alguns livros foram e são escritos a respeito das relações entre Borges e a Física. Nestes textos, os escritores trabalham conceitos presentes na obra de Borges, relacionado-os a alguns conceitos da Física que só viriam a surgir, cronologicamente, após a elaboração borgiana. Percebemos nesses estudos, muitas vezes, um tom premonitório, como é o caso da afirmação de Weissert a respeito do ŖO jardim de veredas que se bifurcamŗ: Ŗdescobriu a essência da teoria da bifurcação trinta anos antes dos cientistas a formalizarem matematicamenteŗ (WEISSERT apud CORRY, 2003, p.27).159 Merrell, mais cauteloso, argumenta que seu livro tem o objetivo de apresentar paralelos entre Borges, a matemática, a física e o pensamento oriental. Quer indicar uma intertextualidade que ultrapasse os limites da literatura, encontrando-se com a filosofia e as ciências Ŗdurasŗ (MERREL, 1991) .

Nesse sentido, há uma diferença de fundo ao trabalharmos as relações entre Borges e a Matemática e entre Borges e a Física. Algumas ideias sugeridas nos textos que aproximam Borges e a Física Moderna inferem e encontram relações que não existiam a priori, apontando questões não pensadas anteriormente pelo escritor. Já na matemática, essas questões são conhecidas e trabalhadas conscientemente por Borges, apesar de sua limitação técnica. Esse argumento é importante e fundamental para que consideremos Borges um escritor oulipiano.

Logo, citações como a de Weissert há pouco reproduzida têm um tom diferente das citações e dos argumentos que temos apresentado ao longo desta tese:

Em seu ŖJardimŗ, Borges faz referência a Einstein e suas teorias encontram a construção dos vários níveis de realidade narrativa dentro de um universo relativista. Além disso, ele apresenta uma narrativa labiríntica que envolve uma infinidade de perspectivas relativas. Assim, vemos a influência dos físicos modernos em suas obras. Mas sua narrativa também envolve a não- linearidade e a teoria das bifurcações, similar a uma teoria formalizada e concebida pelos teóricos da Teoria do Caos trinta anos após a publicação do

ŖJardimŗ. Esta não-linearidade implica a derrota de uma teoria totalmente

abrangente a nível mundial (WEISSERT, 1990, p.225).160

in a mind-dependent world of his own making. On the other hand, Scharlachřs response reveals his confidence in his own mental game. ŘThe next time I kill you, … I promise you that labyrinth, consisting of a single line which is invisible and unceasingřŗ.

159 Ŗ[…] descubrió la esencia de la teoría de la bifurcación treinta años antes de que los científicos lo formalizaran matemáticamenteŗ.

160 ŖIn his ŘGardenř, Borges makes references to Einstein, and his theories locate his construction of several levels of narrative reality within a relativistic universe. Further, he presents a narrative labyrinth which involves an infinity of relative perspectives. Thus we see the influence of modern physicists in his works. But his

Nesta citação há, novamente, um vislumbre de teorias físicas que viriam a ser formalizadas trinta anos depois da publicação do conto de Borges. Podemos encontrar algumas pequenas informações da leitura de Borges acerca de Einstein, como em ŖUm resumo das doutrinas de Einsteinŗ (BORGES, 1999q), publicado em El Hogar. Aqui Borges faz referência à quarta dimensão, conceito utilizado por Einstein. Escreve também sobre esse assunto no ensaio sobre Lugones, em 1955:

Dos muitos livros que nos permitem soletrar (mesmo falsamente) as duas teorias de Albert Einstein, talvez o menos fatigante é intitulado Relatividade

e Robinson. Como é usual em publicações como essas, o capítulo mais

satisfatório é aquele que trata da quarta dimensão. Em 1921, Lugones retorna à astronomia e aos seus problemas na conferência intitulada ŖO tamanho do

espaçoŗ, que é uma exposição e defesa das doutrinas de Einstein.

Ninguém fala sobre Lugones sem mencionar suas muitas inconstâncias... Parece também, que em ŖLas Forzas Extraðasŗ (1906), errou ao não divulgar as duas teorias de Einstein, que ele próprio ajudou a divulgar no ano vinte quatro (CORRY, 2003, p.28).161

Assim, mesmo estando ciente da existência da Teoria da Relatividade e de alguns conceitos físicos, Borges não os utilizou da mesma forma com que utilizou a matemática e a lógica. O mesmo podemos verificar em relação à Computação ou à Inteligência Artificial, campos nos quais também parece abusiva a declaração de que Borges os vislumbrou ou tinha conhecimentos suficientes para discuti-los. Em ŖA Máquina de Pensar de Raimundo Lulioŗ, Borges dá indícios do que seria, para ele, a utilização de conceitos como os de inteligência artificial ou de física:

A máquina de pensar não funciona. O fato é secundário para nós. Tampouco funcionam os aparelhos de moto-contínuo cujos desenhos dão mistério às páginas das mais efusivas enciclopédias; tampouco funcionam as teorias metafísicas e teológicas que costumam declarar quem somos e o que é o mundo. Sua pública e famosa inutilidade não diminui seu interesse. Pode ser o caso (penso eu) da inútil máquina de pensar. [...] Como instrumento de narrative also involves nonlinearity and a theory of bifurcations remarkably similar to a formalized theory devised by chaos theorists some thirty years after the publication of ŘGardenř. This nonlinearity implies the defeat of an entirely comprehensive global theoryŗ.

161ŖDe las muchas cartillas que nos permiten deletrear (siquiera falsamente) las dos teorías de Albert Einstein, la menos fatigosa es acaso la intitulada Relativity and Robinson. La pública The Technical Press, y modestamente firma C. W. W. Según es el uso de publicaciones como ésta, el capítulo más satisfactorio es aquel que trata de la cuarta dimensión. En 1921, Lugones volverá a la astronomía y a sus problemas en la conferencia titulada ŘEl tamaño del espacioř que es una exposición y una apología de las doctrinas de Einstein.

Nadie habla de Lugones sin hablar de sus múltiples inconstancias… También parece que en Las Fuerzas Extrañas (1906) incurrió en la culpa de no prever las dos teorías de Einstein, que si embargo contribuyó a divulgar en el año veinticuatroŗ.

indagação filosófica, a máquina de pensar é absurda. Mas não o seria como instrumento literário e poético. (BORGES, 1999o, p.369 e 373).

Seu objetivo é criar ideias literárias e poéticas: se, de alguma forma, os conceitos da Física aparecem, eles aparecem como um recurso ficcional, e não como uma premonição do que viria a ser ou do que é hoje a Física Moderna.

No livro Borges científico: cuatro estúdios, encontram-se dois textos de doutores em Física. Num deles, ŖBorges y Einstein, en la fantasìa y en cienciaŗ, Mario Bunge traça um paralelo entre as inovações de Borges e Einstein, não com a intenção de atribuir a Borges características proféticas, mas sim de comparar o gênio matemático e lógico de Einstein com a criação rigorosa, coerente e bem estruturada de Borges:

Enquanto as invenções são fantásticas, as de Einstein são controladas pela matemática e pelo experimento. Enquanto Borges brinca com puzzles e escreve como se soubessem escrever os anjos, Einstein trabalha os problemas científicos mais graves do seu tempo. Enquanto um parece querer fugir do mundo, o outro procura compreendê-lo. Mas, enquanto existem diferenças tão claras como importantes, há também semelhanças igualmente importantes, embora menos evidentes. Ambos gozam da fantasia, inteligência, coerência e elegância. Fantasia, ou seja, a criação de imagens ou conceitos que vão além dos dados empíricos. Gênio, ou seja, a capacidade de propor novas soluções. Coerência, ou seja, sujeitos à lógica. E elegância, ou seja, a potência sugestiva ou dedutiva, a simplicidade resultante de longas revisões e a pureza formal, linguística em um caso e matemática em outro (BUNGE, 1999, p.10).162

Já no texto ŖEl jardìn de los mundos que se ramifican: Borges y la mecánica cuánticaŗ, Alberto Rojo traça um paralelo entre a Física Moderna e os contos metafóricos de Borges:

Desde aquele dia eu encontrei várias citações de Borges em textos científicos e de divulgação cientìfica: referências à ŖA biblioteca de Babelŗ para ilustrar os paradoxos de conjuntos infinitos e geometria fractal, referências à taxonomia fantástica do doutor Franz Kuhn em ŖO idioma analìtico de John

Wilkinsŗ (um favorito de neurocientistas e linguistas), referências à ŖFunes, o memoriosoŗ para introduzir sistemas de numeração e, recentemente,

162 ŖMientras las invenciones son fantásticas, las de Einstein están controladas por la matemática y el experimento. Mientras Borges juega con rompecabezas y escribe como escribirían los ángeles si supieran escribir, Einstein trabaja los problemas científicos más peliagudos de su tiempo. Mientras el uno parece querer huir del mundo, el otro procura entenderlo. Pero, si bien hay diferencias tan evidentes como importantes entre ambos hombres, también hay semejanzas no menos importantes aunque menos aparentes. Ambos hacen gala de fantasía, ingenio, coherencia y elegancia. Fantasía, o sea, la creación de imagenes o conceptos que rebasan los datos empíricos. Ingenio, o sea, la capacidad de proponer soluciones nuevas. Coherencia, o sea, sujeción a la lógica. Y elegancia, o sea, la potencia sugestiva o deductiva, la simplicidad que resulta de prolijas revisiones y la pureza formal, lingüística en un caso y matemática en el otroŗ.

surpreendeu-me uma citação de ŖO livro de areiaŗ, em um artigo sobre separação de misturas de grãos. Todos estes casos são exemplos de prosa metafórica que dão brilho à prosa maçante de explicações técnicas. No

entanto, uma exceção notável é ŖO jardim das veredas que se bifurcamŗ, em

que Borges propõe sem saber (não poderia sabê-lo) a solução para um problema ainda não resolvido da física quântica (ROJO, 1999, p.47).163

Aqui Rojo considera as referências científicas dos textos de Borges como metáforas e introduções a assuntos mais complexos e técnicos a fim de tornar o texto um pouco mais agradável ao leitor. Entretanto, o conto ŖO jardim de veredas que se bifurcamŗ teria proposto uma solução para um problema aberto da Física Quântica. Com uma abordagem mais plausível, já que não atribui a Borges uma descoberta na Física, Rojo discute mecânica quântica e processos probabilísticos.

É importante ressaltar que não podemos considerar Borges um Ŗprofetaŗ da Física, assim como não podemos considerar que sua matemática é utilizada tão somente como metáfora, já que, como procuramos apresentar anteriormente, Borges conhecia alguns paradoxos, estruturas, problemas e, sobretudo, o livro Matemática e imaginação. Assim, apesar das limitações técnicas e teóricas, Borges valeu-se mais dos problemas matemáticos que dos conceitos metafóricos da Física Moderna como recursos ficcionais.