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O tamanho d' “A biblioteca de Babel”

3.1 Matemática e imaginação em Borges

3.1.1 O tamanho d' “A biblioteca de Babel”

Aplicando a combinatória, recurso bastante conhecido pelo OULIPO e por Perec, no conto ŖA biblioteca de Babelŗ, podemos mostrar matematicamente o tamanho gigantesco desta biblioteca. Assim escreve Borges: Ŗcada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitenta letras de cor preta. Também há letras no dorso de cada livro; essas letras não indicam ou prefiguram o que dirão as páginasŗ (BORGES, 1998o, p.517 ).

A partir dessas linhas, concluímos que cada livro contém 410x40x80 = 1.312.000 símbolos ortográficos e, a partir disso, podemos considerar um livro consistindo de 1.312.000 espaços para serem preenchidos por símbolos ortográficos:

O número de símbolos ortográficos é vinte e cinco. Esta comprovação

permitiu, depois de trezentos anos, formular uma teoria geral da Biblioteca e resolver satisfatoriamente o problema que nenhuma conjetura decifrara: a natureza disforme e caótica de quase todos os livros.[...] Há quinhentos anos, o chefe de um hexágono superior, deparou com um livro tão confuso como os outros, porém que possuía quase duas folhas de linhas homogêneas. Mostrou seu achado a um decifrador ambulante, que lhe disse que estavam redigidas em português; outros lhe afirmaram que em iídiche. Antes de um século pôde ser estabelecido o idioma: um dialeto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico. Também decifrou-se o conteúdo: noções de análise combinatória, ilustradas por exemplos de variantes com repetição ilimitada. Esses exemplos permitiram que um bibliotecário de gênio descobrisse a lei fundamental da Biblioteca. Esse pensador observou que todos os livros, por diversos que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula, as vinte e duas letras do alfabeto. Também alegou um fato que todos os viajantes confirmaram: ŖNão há, na vasta Biblioteca,

dois livros idênticosŗ. Dessas premissas incontrovertíveis deduziu que a

Biblioteca é total e que suas prateleiras registram todas as possíveis combinações dos vinte e tantos símbolos ortográficos (número, ainda que vastíssimo, não infinito), ou seja, tudo o que é dado expressar: em todos os idiomas. Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico de tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpelações de cada livro em todos os livros; o tratado que Beda pôde escrever (e não escreveu) sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito (BORGES, 1998o, p.518-519).

Quantos livros distintos estão presentes na biblioteca? Temos então que cada livro possui 1.312.000 espaços, cada um deles passível de ser preenchido por 25 símbolos

ortográficos variantes com repetição ilimitada, ou seja, há 25 maneiras de se preencher um espaço; 25x25 = 252 de preencher dois espaços; e assim por diante até 251312000, que é aproximadamente igual a 101834097 distintos livros na biblioteca.

Entender o tamanho dessa biblioteca requer algumas aproximações e especulações. Primeiramente, o universo comportaria essa biblioteca? As pesquisas mais atuais dizem que o tamanho do universo seria em torno de 1,5x1026. Para simplificar os cálculos, podemos considerá-lo aproximadamente com a ordem de grandeza de 1027, como sendo um cubo de aresta 1027 e, portanto, com volume (V3) 1081. Assumindo que podemos colocar 1000 livros num metro cúbico, teríamos um universo somente de livros da ordem de grandeza igual a 1081x103=1084. Logo, se compararmos o tamanho da biblioteca de Borges e um universo repleto de livros, a biblioteca de Borges seria ainda muito maior. Mesmo se considerarmos os livros tão pequenos quanto os grãos de areia, teríamos, aproximadamente, 109 (um bilhão) de grãos de areia por metro cúbico do universo e, multiplicando, 1081x109=1090, o que seria ainda muito pouco para a biblioteca de Borges.

Uma citação de Arquimedes presente em Matemática e imaginação mostra imagens que comparam grandezas, como fizemos com ŖA biblioteca de Babelŗ, e indica que, muitas vezes, por nossas limitações humanas (a mortalidade, por exemplo, assunto tratado por Borges), números muito grandes podem ser considerados infinitos:

Há pessoas, Rei Gélon, que pensam que o número de areia é infinito; e quando falo de areia, não me refiro à existência em Siracusa e no resto da Sicília, mas, também, à que se encontra em todas as regiões, habitadas ou não. E ainda há outros que, sem considerá-lo infinito, julgam que ainda não tem nome o número que seja bastante grande para exceder a quantidade de areia. E está claro que aqueles que mantêm este ponto de vista, se imaginassem uma massa feita de areia, e em todos os outros respeitos, tão grande quanto a massa Terra, cheia até uma altura igual à da mais alta das montanhas, ficariam muitas vezes longe de reconhecer que se pode expressar qualquer número que exceda a quantidade de areia assim empregada. Mas tentarei mostrar-lhe, por meio de provas geométricas, que poderá acompanhar, que, dos números mencionados por mim e constantes do trabalho que enviei a Zeuxipo, alguns excedam não só o número da massa de areia, igual em grandeza à Terra cheia do modo que descrevi, mas, também, o de uma massa igual, em grandeza, ao universo (ARQUIMEDES apud KASNER e NEWMAN, 1976, p.44).

O número aí sugerido, incrivelmente grande, é o GOOGOL 10100, um número maior que a quantidade de grãos de areia presentes no universo, mas que ainda é muito pequeno se comparado com a biblioteca imaginada de Borges. Porém, temos também o

101000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 , esse sim um número bem maior que o da biblioteca borgiana. É importante ressaltar que mesmo o GOOGOLPLEX é ainda um número finito, apesar de muito grande, e que não pode ser comparado com o Aleph.

Outra característica da biblioteca de Borges é a utilização do hexágono, um polígono regular de seis lados que está mais próximo do círculo (da perfeição) que, por exemplo, o triângulo ou o quadrado (JOLY, 2006). Um círculo pode ser considerado um polígono com infinitos lados, como podemos verificar em Matemática e imaginação (p.23), visão que é proposta por Borges, já que de qualquer hexágono poderíamos ver os outros hexágonos indefinidamente: ŖA Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessívelŗ (BORGES, 1998o, p.517).

Assim, ŖA biblioteca de Babelŗ é de um tamanho gigantesco e qualquer ser vivo poderia especular sua infinidade, já que nunca conseguirá percorrer todos os livros. Porém, no fim do conto, Borges especula a existência de um livro infinito no qual caberiam todos os livros da biblioteca, apresentando um conceito que pode ser comparado aos presentes nos contos ŖO livro de areiaŗ (BORGES, 1999i) e ŖO Alephŗ (BORGES, 1998x).