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O Género Genealógico na Historiografia Portuguesa

3.2. De Braamcamp Freire aos nossos dias

Iniciado o ponto anterior com o Conde D.Pedro, escolha que, quanto a nós, não levantaria qualquer objecção, também nos parece pacífica, como "baliza" inicial deste ponto, a escolha do nome de Anselmo Braamcamp Freire (1849-1921)58. Digno herdeiro de Herculano, como acima dissemos, é justo que abra o espaço que dedicamos à análise da produção genealógica deste século, relativa à época medieval.

O rigor que imprimiu a todos os seus trabalhos, o seu imenso labor e a qualidade com que abordou diferentes matérias, fizeram da sua obra um marco de referência obrigatório para genealogistas, heraldistas e historiadores.

Com o seu trabalho mais importante, os conhecidos Brasões da Sala de Sintra ,

57 A.HERCULANO, 1854, p.4.

58 Os elementos essenciais para a sua biografia, foram recolhidos e publicados por Luís de Bivar Guerra na "Apresentação" da 38 ed dos Brasões da Sala de Sintra (cfr A.B.FREIRE, 1973, vol.L pp. VT1-LVI).

Braamcamp Freire mostrava como se podia fazer investigação histórica, rigorosa e séria, utilizando a genealogia e a heráldica60. Ou seja, Braamcamp Freire foi o primeiro autor a utilizar, de uma forma sistemática, a documentação "não genealógica" de cada época, para assim situar e datar os indivíduos referidos pelas fontes linhagísticas medievais e pelos nobiliários posteriores.

Em 1903, juntamente com D.José Pessanha, fundou o Archivo Histórico Portuguez (1903-1916), revista que marcou uma época da nossa historiografia, e onde publicou alguns dos seus trabalhos mais importantes do ponto de vista genealógico, como os que dedicou à Honra de Resende, ou a D.João de Aboim61 - este último como introdução ao Livro dos

Bens de D.João de Portel.

Nessa revista colaboraram alguns nomes bem conhecidos dos historiadores, e que aí deixaram alguns estudos importantes para a genealogia medieval, como é o caso de Pedro de Azevedo que, para além de publicar o cartulário acima referido, tratou os Vasconcelos e os Machados62, ou o de Luís de Figueiredo da Guerra, sobre os Limas63. Ainda do início do século são de referir os nomes de Ayres de Sá, em cujo trabalho sobre o descobridor dos Açores tratou da genealogia de várias famílias para a época medieval, aí publicando

60 Não sendo a Heráldica o tema desta breve análise, não podemos deixar de dar, ainda que numa breve nota, algumas referências sobre os estudos heráldicos durante o mesmo período. Para além dos "Brasões", onde a matéria heráldica é reduzida, Braamcamp Freire deixou um importante trabalho de recolha sobre brasões de armas, a Armaria Portuguesa, recentemente reeditado (AB.FREIRE, 1989). O final da década de 20 ficaria marcado pela fundação do Instituto Português de Heráldica, onde se destacaram, também como heraldistas, os nomes de Afonso de Dornelas (1914) e do Marquês de Sampaio (1932-36). As décadas de 30 e 40 ficaram sobretudo marcadas pelos trabalhos de Armando de Mattos (1934,1936,1939,1940 e 1947 - sobre a sua bibliografia, vg J. A S.PIZARRO, 1984), e António Machado de Faria, já aqui referido, e que nos deixou um interessante trabalho sobre as Origens da Heráldica Medieval Portuguesa (1944); Armando de Mattos deve ser recordado como autor de um dos primeiros manuais de heráldica e, também, como impulsionador da elaboração de um corpus heráldico que, infelizmente ainda não foi feito (salvem-se as excepções de Artur Vaz-Osório da Nóbrega que ao longo da década de 70 procedeu ao inventário das Pedras de Armas e Armas

Tumulares do Districto de Braga, ou de Manuel Artur Norton, que incansavelmente tem publicado centenas

de cartas de brasão de armas, mas sem interesse para o período medieval). De pouco interesse heráldico é o

Armoriai Lusitano, de 1961, década que ficaria marcada pelo estudo de Francisco Simas Alves de Azevedo

sobre o "Livro do Armeiro-mor (1966), mas, sobretudo, pelos estudos do Marquês de Abrantes, que nos deixou na sua obra o que de melhor se fez neste século para o conhecimento da heráldica e da sigilografia medievais, ao longo de vários e rigorosos trabalhos (ver toda a sua bibliografia indicada).

61 1906a e 1906b, respectivamente. Também publicou nessa revista os Inventários e Contas da Casa de

D.Denis (1278-1282), documento do maior interesse para o conhecimento da estrutura e composição da casa

senhorial de um príncipe herdeiro do trono em finais do séc. Xin, e que conta com alguns dados importantes para algumas famílias da nobreza (1916). Essa lista já tinha sido publ. parcialmente na A4L.V.304-305.

62 PA7F.VF.no 1904 e 1905, respectivamente. Os seus trabalhos sobre o trovador Martim Soares também contêm elementos de interesse (1897b e 1918). Sobre os Machados, veja-se também AR.CUNHA, 1961.

numerosos documentos64, ou do Abade de Baçal, que dedicou o volume VI das suas Memórias Arqueológico-Históricas do Districto de Bragança, aos "Fidalgos", e aonde

recolheu vários elementos com algum interesse .

Ainda deste período, não podemos deixar de citar o nome de Carolina Michaelis de Vasconcellos, que no seu estudo exemplar sobre O Cancioneiro da Ajuda, nos deixou inúmeros elementos relativos às genealogias de vários trovadores pertencentes à nobreza. De resto, os nossos cancioneiros têm-se apresentado aos olhos dos historiadores da sociedade medieval, como uma das fontes mais fecundas para o seu conhecimento, especialmente da sociedade nobre; na sequência dos estudos de Carolina Michaelis, há que mencionar toda a obra de outro ilustre filólogo, Manuel Rodrigues Lapa, e, mais recentemente, e para além dos trabalhos de alguns autores italianos, as investigações inovadoras de José Carlos Miranda e de António Resende de Oliveira67.

Voltemos aos genealogistas. Falecendo Braamcamp Freire em 1921, no final dessa década fundava-se o Instituto Português de Heráldica, por acção de Afonso de Dornelas, contando a partir de 1930 com a publicação da revista Armas e Troféus, ainda activa. A partir de então até aos nossos dias, e citando apenas os que, de uma forma mais ou menos regular, se dedicaram ao período mediévico, são de mencionar os nomes do Marquês de São Paio (D.António)68, de Eugénio de Andrea da Cunha e Freitas e de Luís de Mello Vaz de São Paio69, para além de Armando de Mattos, do Marquês de Abrantes, e de Vaz-Osório da Nóbrega, já mencionados a propósito da heráldica, área em que mais especialmente se notabilizaram.

Sem ser genealogista, A. de Almeida Fernandes produziu algumas genealogias relativas ao período medieval70. Ao longo da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

64 ASA, 1899-1900.