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História Genealógica ou Catálogo Prosopográfico?

O Tema e a Metodologia

1.1. História Genealógica ou Catálogo Prosopográfico?

Mais acima, referimos que o levantamento de dados efectuado conduziu a um total de cerca de 30.000 fichas, contendo informações sobre 3720 indivíduos, cronologicamente situados entre 1261 e 1350. Para a recolha daqueles dados recorremos ao método prosopográfico7. Já não será necessário, hoje em dia, enaltecer as virtudes de um método, que nos últimos anos se afirmou como um dos processos mais úteis para o conhecimento da composição social de vários grupos, nomeadamente o das élites políticas .

Assim, também nós recolhemos todo o tipo de informações relativas aos elementos que constituíam o grupo que previamente definíramos e que pretendíamos estudar. Como também já dissemos, acabámos por seleccionar um conjunto de 25 linhagens, número que, devido ao fenómeno de segmentação sofrido por algumas, atingiu 101 linhagens. A estas, corresponde um universo de 1435 indivíduos - documentados entre 1261 e 1350 - ao qual poderemos acrescentar perto de 250, também membros daquelas 101 linhagens, mas das

7 Sobre as incertezas ainda existentes quanto ao verdadeiro sentido da palavra Prosopografia, e mesmo quanto ao seu objectivo, vg. N.BULST, 1996, sobretudo pp.470-478. Nestas circunstâncias, seguimos a postura de Karl Ferdinand Werner, segundo o qual, aquela, como ciência auxiliar, se situa "entre

l'anthropologie, la généalogie, la démographie et l'histoire sociale, entre l'é\'ènement unique, l'individualité et la reconstructions sérielle de phénomènes sociaux et de processus de longue durée" (cit. por N.BULST, 1996, p.471). Desta forma - até porque "le médiéviste et prosopographe fera bien de ne pas oublier que la prosopographie ne représente qu'une approche parmi d'autres" (IDEM, ibidem, p.482) - se o método

prosopográfico nos foi útil para a sistematização dos dados obtidos, será através da genealogia interpretativa que tentaremos estudar e conhecer a nobreza dionisina.

8 Sobre Prosopografia e Método Prosopográfico, continuam a ser de leitura obrigatória os textos reunidos por H.MILLET, 1985, por F.AUTRAND, 1986, e, mais recentemente, por J.-P.GENET e G.LOTTES, 1996. Em Portugal, o método foi ensaiado pela primeira vez por José Mattoso no final da década de 60, aplicando-o quer aos meios monásticos quer aristocráticos (J.MATTOSO, 1968, 1968-69 e 1969), sendo depois utilizado por vários autores, relativamente à reconstituição e estudo: de várias casas senhoriais (H.BAQUERO MORENO, 1973; L.A.FONSECA, 1982; M.C.ACUNHA e M.C.G.PIMENTA, 1984; J.MARQUES, 1988; M.S.CUNHA, 1990 e J.S.SOUSA, 1991); de comunidades monásticas (M.RB.MORUJÃO, 1991 e RCMARTINS, 1992) ou monástico-militares (M.C.ACUNHA 1989; M.C.G.PIMENTA 1989; I.L.M.S.SILVA 1989; J.S.F.MATA, 1991; M.RS.CUNHA, 1991 e P.M.C.PCOSTA 1993); de várias linhagens (J.AS.PIZARRO, 1995 e B.V.SOUSA 1995), ou da nobreza de diferentes reinados (L.VENTURA 1992; AS.CRUZ, 1995, e F.RFERNANDES, 1996); dos trovadores (AROLIVEIRA

1994), ou dos "agentes do direito" (J.AAD.NOGUEIRA, 1994). Seríamos injusto, porém, se aqui não

destacássemos o esforço que o Professor Carvalho Homem, da nossa Faculdade, tem vindo a desenvolver nos últimos anos, dedicado-o ao estudo da oficialidade régia e das élites políticas dos sécs. XIV e XV, para o qual foi decisivo o contributo do seu estudo sobre a constituição do Desembargo Régio (AL.C. HOMEM 1990), esforço continuado pelo próprio e por um já significativo "corpo" de discípulos (E.P.MOTA 1989; AL.PM.COSTA 1989; J.AG.FREnAS, 1991; VRS.M.VAZ, 1995; AP.F.G.ALMEIDA 1996, e AP.CBORLIDO, 1996).

gerações anteriores ou posteriores àqueles limites, é para os quais foram recolhidos e sistematizados os dados trabalhados por outros autores. Ou seja, tínhamos pela frente um grupo de cerca de 1700 indivíduos. A questão que então se colocou foi a do seu tratamento, bem como a da apresentação dos respectivos dados9.

Pensarão alguns que, tendo sido utilizada a prosopografia, seria natural que depois se elaborasse o respectivo catálogo prosopográfico. Contudo, não só isso não era viável, como a sua utilidade seria muito relativa. Expliquemo-nos.

Quanto á viabilidade, convirá recordar que trabalhámos com um número de indivíduos muito superior ao que habitualmente é tratado em obras que apresentam aquele tipo de catálogos, pelo menos no âmbito da História Madieval10. Para termos uma ideia, bastará referir que O Desembargo Régio, para um período de mais de 100 anos, conta com 240 membros; que a Nobreza de Corte de Afonso III engloba 102 indivíduos; e que os actores do Espectáculo Trovadoresco são 16411. Ou seja, grupos francamente mais reduzidos, bem longe de um hipotético catálogo com perto de 1700 entradas, mesmo que distribuídas por

cento e uma famílias...12.

Quanto à utilidade, lembre-se que os catálogos prosopográficos, pelo menos aqueles que conhecemos, partiram de realidades com contornos muito mais bem definidos e delimitados do que o nosso, e daí o seu menor volume, bem como a possibilidade de se tornarem, digamos assim, operativos. Isto significa que, caso fizéssemos o estudo da nobreza de corte dionisina, não teríamos este problema, como estamos convencidos que um estudo sobre toda a nobreza do reinado de D.Afonso III não permitiria a elaboração de um catálogo prosopográfico. Quer isto dizer, que não basta apenas encontrar um qualquer denominador comum que defina o grupo a analisar13. É preciso que esse elemento seja minimamente "restrictivo" - por exemplo, os membros do desembargo, ou a nobreza de corte, ou os

9 Uma vez que se trata, na sua maioria, das linhagens mais importantes da nobreza da época, compreende- se que sejam aquelas para as quais existem mais dados. Assim, para essas 101 linhagens, foram utilizados perto de 50% das 30.000 fichas.

10 Sobre a prosopografia aplicada às sociedades de "Antigo Regime", e que abarcam micro-populações não raro bem mais elevadas, graças a uma alta sofistificação informática, vejam-se alguns artigos inseridos em J.P.GENET e G.LOTES, 1996 (nomeadamente o de António Manuel HESPANHA {et alii). o de Gerald AYLMER, e o de Wolfgang REINHARD e Wolfgang WEBER).

11 Reportamo-nos, como é óbvio, às dissertações de doutoramento de, respectivamente, AL.C.HOMEM, 1990, pp.261-394, L.VENTURA 1992, vol.H, pp.526-767, e A.ROLIVEIRA, 1994, pp.303-440.

12 Sobre os problemas levantados por números elevados de indivíduos, cfr. J.MORSEL, 1996, sobretudo pp.141-145.

indivíduos de uma linhagem, etc. - por forma a evitar o alargamento desmesurado do grupo. O que nós não podemos evitar, uma vez que "a qualquer coisa em comum"1* que une

aqueles 1700 indivíduos, é o facto de serem nobres.

Nobres, porém, de 25, ou de 101 linhagens diferentes, com origens variadas, quer no tempo quer no espaço, ocupando níveis distintos dentro da sua classe, que podiam ir dos Infantes ou ricos-homens até ao mais miserável dos escudeiros de província. No fundo, não pretendemos, com este trabalho, enquadrar funções, actividades, estatutos ou outras características específicas. Queremos, sim, e dentro das nossas várias limitações, reconstituir vidas, dar corpo a nomes perdidos na documentação e ligados por laços de sangue ou de afinidade. Os dados recolhidos sobre cada um deles permitem fazer uma ideia do estatuto e do comportamento social dos nobres, mas a sua lista está longe de ser exaustiva. Constituem apenas uma amostra representativa do conjunto.

Neste sentido, e na nossa perspectiva, continuamos a acreditar que a Genealogia se apresenta como uma das abordagens metodológicas mais frutuosas para o conhecimento da nobreza, como da sociedade em geral15, e para o qual este trabalho pretende, modestamente, contribuir.

Assim, o que constitui o núcleo central deste trabalho são as reconstituições genealógicas ou, homenageando um dos nomes maiores da genealogia portuguesa, as Histórias Genealógicas das linhagens previamente seleccionadas. Será a partir delas que, depois, na terceira e última parte, se procurará definir e caracterizar a nobreza dionisina, através da análise do património, das relações com a corte, e das alianças matrimoniais.

14 IDEM, ibidem.

15 Sobre a importância da Genealogia, vejam-se, entre muitos outros: G.DUBY, 1967; L.GENICOT, 1975; J.MATTOSO, 1976; B.GUENÉE, 1978; e, mais recentemente, R.SÁNCHEZ SÁUS, 1992 e E.GAUCHER,

1994. Não se deve, também, deixar de mencionar o desenvolvimento que os estudos sobre Heráldica e

Sigilografia têm demonstrado nos últimos anos, sobretudo para o período medieval, contribuindo para um mais perfeito conhecimento da nobreza, sendo de destacar os nomes, e alguns dos principais trabalhos, de M.PASTOUREAU (1977, 1979, 1981 e 1984) e de F.MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS (1982, 1984,