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3. O JAPÃO NO BRASIL OU OS JAPONESES NO BRASIL

3.1 A IDENTIDADE DOS JAPONESES NO BRASIL

3.1.2 Brasil: breves palavras sobre “ser brasileiro”

Analisamos no item anterior (3.1.1) o estereótipo dos japoneses no Brasil, ou seja, quais estereótipos estão relacionados a esta etnia. Ao final, questionamos se os

nikkeis das gerações atuais são “mais brasileiros” do que os da geração anterior.

Cabe aqui, portanto, considerarmos um outro aspecto, ou melhor, o outro lado, que é o lado brasileiro.

Mas com isso, não pretendemos aqui entrar na seara a respeito da brasilidade ou o que é ser brasileiro, pois entendemos que este tema é vasto o suficiente para desenvolver diversas teses. Porém, consideramos importante citar alguns pontos, algumas características que podem ser relacionadas aos brasileiros, ao seu jeito de ser, que servirão de norte para posterior análise do corpus deste trabalho.

DaMatta foi um dos primeiros antropólogos a analisar questões referentes à identidade do brasileiro por um viés diferenciado, trabalhando aspectos ignorados até então, como temas do cotidiano. É por ele que vamos pontuar algumas das características do brasileiro para que possamos referenciar as discussões. Conhecer as características que fazem deste povo algo único, pois

trata-se sempre da questão da identidade. De saber quem somos e como somos; de saber por que somos. Sobretudo quando damos conta de que o homem se distingue dos animais por ter capacidade de se identificar, justificar e singularizar”. (DAMATTA, 1986, p.15).

Como, então, podemos compreender a sociedade brasileira e defini-la, ou melhor, definir o seu povo com suas idiossincrasias. Segundo o autor, uma das características é o estabelecimento de uma relação entre a casa e a rua. A primeira como um espaço social da família, do conhecido, e não somente um espaço físico, mas um “lugar moral” (DAMATTA, 1986, p.25) onde cada qual que habita este lugar é um ser único. É onde se aprendem as primeiras noções de respeito e relação familiar, onde cada um dá o seu toque pessoal para diferenciar das outras casas, um toque individual e personalizado, e é também onde recebemos com orgulho pessoas com as quais temos um relacionamento amistoso. Quem vive e convive na casa tem um nome, se reconhece e se relaciona, dentro de um tempo próprio, que não é o tempo histórico.

Por outro lado, temos o espaço da rua, onde as pessoas são seres desprovidos de suas individualidades, que fazem parte de uma “massa”. Relacionamos a rua como um lugar onde temos medo, por desconhecermos todos os seus espaços, o que nos causa insegurança. É onde trabalhamos, onde nos relacionamos com estranhos que nem sempre apreciamos, mas temos que conviver. Tanto assim que o trabalho é visto como algo necessário, porém, um fardo que temos que carregar, legado da tradição católica e de anos de escravidão. Comportamo-nos de forma diferente na rua, de forma impessoal, uma vez que se difere da “casa” pela falta de intimidade com o desconhecido. Tudo que se refere à casa é positivo, é bonito, é melhor, em relação à rua, onde tudo é negativo, é ruim, é feio. “Pois, para nós, brasileiros, a rua forma uma espécie de perspectiva pela qual o mundo pode ser lido e interpretado, uma perspectiva, repito, oposta – mas complementar – à da casa, e onde predominam a desconfiança e a insegurança” (DAMATTA, 1986, p.30).

Um outro aspecto que devemos buscar compreender referente às características dos brasileiros é o famoso “jeitinho brasileiro”. Barbosa (1992) considera esta como uma das expressões que mais se relacionam à definição do Brasil e de seu povo. É um elemento que traduz a identidade do brasileiro, pois já faz parte do dia-a-dia de todos nós de alguma forma. O “jeitinho” entraria em uma relação em que haveria o envolvimento pessoal em uma situação impessoal. É também um “elemento de identidade social. Isto é, utilizamo-nos dessa situação para definir o nosso ‘estilo’ de lidar com determinadas situações” (BARBOSA, 1992, p.16), ou seja, uma forma de nos adaptarmos aos imprevistos e às surpresas que podem surgir à nossa frente, conseguindo soluções inesperadas. Apesar de considerarmos esse aspecto parte importante na caracterização do “ser brasileiro”, existem diversos outros que também se relacionam ao nosso povo, como a musicalidade, a bossa, a “democracia racial” que, apesar de controversa, encontramos enquanto característica brasileira, principalmente nos períodos de Copa do Mundo, como demonstra Rial (1998) Gastaldo (2000 e 2001) em suas análises sobre a publicidade nesse momento específico. O “jeito” se mostra também em propagandas que reforçam o “jeito de ser brasileiro” em contraposição a alguns estrangeiros como nas campanhas de cerveja citadas por Rial (1998, p.7), nas quais defende a necessidade de um “jeitinho especial” para se fazer uma feijoada que uma estrangeira não tem, mas que pode ser

compensada por uma cerveja Antárctica que oferece tudo isso que o Brasil tem. Ou artistas negros que têm a “brasilidade na pele” pelos talentos que possuem ou a musicalidade de um Ray Charles, da qual se referiu anteriormente. Portanto, esta análise sobre o “jeitinho brasileiro” não se trata de reduzir o “ser brasileiro” a uma característica única nem ao menos hierarquizar essas características de modo a afirmar que se é “mais ou ser menos brasileiro” a partir delas. Trata-se somente de um ponto considerado relevante na análise do corpus deste trabalho.

Todos os brasileiros, em alguma instância, já fizeram uso do recurso do “jeitinho”, independente de sua posição social, idade, credo ou posicionamento político. Mesmo porque todos, em algum momento, já passaram por situações em que somente o “jeitinho” poderia resolver, situações na qual “... é necessário uma maneira especial, isto é, eficiente e rápida para tratar do ‘problema’. Não serve qualquer estratégia. A que foi adotada tem que produzir os resultados desejados a curtíssimo prazo” (BARBOSA, 1992, p.32-33).

O “jeitinho” faz parte do “ser brasileiro” e está institucionalizado enquanto ferramenta que sintetiza a esperteza do povo, sua ginga, seu jogo de cintura e a forma de lidar com situações inesperadas. Quem não faz uso deste recurso, o que se mantém dentro das regras, é considerado otário. Além disso, a maleabilidade inerente ao jeito ajuda a quebrar a frieza de relações impessoais, tornando-as tão próximas e humanizadas o que faz com que o brasileiro seja diretamente relacionado a ele, até como uma necessidade de afirmar-se enquanto membro desta sociedade. Barbosa atribui o jeitinho como parte da “construção da nossa identidade (BARBOSA, 1986, p.51). E podemos encontrar tanto uma identidade social negativa quanto positiva. “Sempre que o valor englobante da análise for o individualismo, elaboraremos uma identidade social negativa. Sempre que ele não for o valor englobante da situação, elaboraremos uma identidade social positiva”. (op.cit., p.131-132). Ou seja, o jeitinho não trata somente do aspecto positivo, como poderíamos supor a partir do que foi escrito anteriormente, mas pode variar de acordo com a conveniência.

De um lado, o aspecto positivo da identidade social engloba a forma como lidamos com determinadas situações.

[...] o jeitinho brasileiro surge como o vetor através do qual a sociedade brasileira estabelece uma igualdade e uma justiça social que se consubstanciam, não através de um acesso justo de todos aos bens materiais e nem mesmo pelo tratamento igualitário dispensado a todos por parte das diferentes instituições sociais e do Estado brasileiro” .(BARBOSA, 1986, p.134).

Ignora-se totalmente qualquer regra e justiça e tudo fica a mercê daquele momento em que o indivíduo se torna um ser supra-legal, dotado de capacidade de superar quaisquer obstáculos, que possam surgir à sua frente. Dentro desta positividade relacionada ao jeitinho, este “encarna o nosso espírito cordial, conciliador, alegre, simpático, caloroso, humano, etc, de um país tropical, bonito, sensual, jovem e cheio de possibilidades” (op.cit., p.134). Tudo que o brasileiro tem de bom vem deste argumento que permite a todos, em algum momento de suas vidas, a participação em um grande grupo de iguais, sem qualquer distinção.

Por outro lado, a identidade negativa surge “justamente, da utilização de um modelo individualista na análise da prática social brasileira. Pelos padrões desse credo, a sociedade brasileira apresenta um grande desvio em relação a uma série de premissas sobre as quais ele se fundamenta” (op.cit., p.5).

Quem faz uso do jeitinho é o indivíduo egoísta, que busca somente sua própria satisfação, mas também o faz para encontrar formas de sobrevivência dentro de uma sociedade tão desigual e injusta. A relação da identidade negativa e a positiva se dá de forma oposta. Assim, o jeitinho

promove [...] homogeneizações positivas e negativas de nosso universo social, sem nunca impor escolhas excludentes e definitivas. [...] ele sempre promove opções parciais, definições específicas. Usamo-lo tanto como símbolo de nossa desordem institucional, incompetência, ineficiência e da pouca presença do cidadão no nosso universo social, louvando, assim, o nosso ‘atual, moderno e irreversível’ compromisso com a ideologia individualista, ou como emblema de nossa cordialidade, espírito matreiro, conciliador, criativo, caloroso, reafirmando nosso eterno casamento com a visão de mundo relacional”. (BARBOSA, 1986, p.136).

Dentro dos comerciais analisados neste trabalho, encontramos ambas as formas do uso do jeitinho, tanto o lado positivo quanto o negativo. Uma esposa que se imaginava abandonada pelo marido, grávida, se vê diante dele, explicando a existência de um

filho loirinho. A explicação fornecida por ela pode ser vista como um aspecto do jeitinho. Na longa ausência do marido, sem saber se este voltaria ou não, a esposa não perde tempo e tem um caso extra-conjugal com o “Ricardão”, símbolo do amante, cujo fruto é o “Ricardinho”, um japonesinho loirinho, que aparece no comercial. Ou seja, deu um jeito na solidão e no suposto abandono72. Outro comercial, também analisado aqui, mostra mais um aspecto do jeitinho, neste caso mais negativo. Em “Caçapa Digital”73, o presidente da empresa concorrente da Semp Toshiba se mostra incomodado com as diversas invenções atribuídas a ela, e se diz inventor de um sistema intitulado “caçapa digital”. Nada mais é do que um buraco, que se abre abaixo da pessoa indesejada em uma mesa de reuniões, que é acionado com o aperto de um botão na mesa do presidente. Ou seja, não se trata de nenhuma invenção de tecnológica, mas pode ser visto como um lado do jeitinho, porém um lado negativo. Isto porque, diante da impossibilidade de contra-atacar o concorrente de alta tecnologia, inventou-se algo que não é exatamente tecnológico, mas serve para se livrar de pessoas incômodas.

Um outro aspecto do “ser brasileiro” que encontramos em campanhas publicitárias, pode ser visto em um anúncio da Standard Electric de 1982 o qual faz uso de um papagaio em página inteira onde se lê sob a imagem “Que 1982 seja brasileiro, alegre, colorido e muito comunicativo” e assinado “Standard Electric S.A. No seu primeiro ano 100% nacional” (PINTO, 1992, p.71). Uma empresa de equipamentos de telecomunicações relacionada ao papagaio, tendo por pontos em comuns o fato de ambos serem alegres, coloridos e comunicativos, como diz o texto. A empresa, que passa a ser S.A. e com isso se torna “mais brasileira” quis reforçar esta nacionalidade usando pássaro que mais representa o país.

Os afetos positivos são claramente atribuídos ao papagaio, que domina o leitor, animal carismático para o brasileiro, pelas cores, alegria, pela “fala”, personagem de inúmeras anedotas em que se caracteriza pela astúcia que o brasileiro se atribui, inspirador do personagem disneyano do Zé Carioca, paradigma do carioca e do brasileiro. (PINTO, 1992, p.80).

72

Comercial intitulado “O Regresso”, analisado no item 4.1.2.1.

73

“Ser brasileiro” dentro do contexto no qual o anúncio foi veiculado em 198274 e o seu vínculo com um papagaio, era altamente positivo para a empresa, pois os leitores do anúncio se sentiram atraídos pela figura simpática que é o papagaio.

Conota [...] alegria de viver, astúcia, apetite sexual inesgotável, irresponsabilidade, brasileiro típico (o papagaio das anedotas); alegria, empatia, simpatia, brasilidade, comunicabilidade, boca-suja, domesticidade (o familiar papagaio caseiro, colorido com as cores da bandeira, falante, principalmente pelos palavrões). (op.cit., p.84).

Ou seja, o Brasil, em sua ave símbolo, pelo menos no conceito popular, reflete muito do que os brasileiros gostariam de ter como representação, até mesmo, o que gostariam de ser e, principalmente o que todos gostariam de falar, retomando a citação de Pinto sobre as anedotas que usam o papagaio.

O brasileiro, portanto, possui características positivas e negativas que são reforçadas, negadas ou omitidas de acordo com a conveniência e com a necessidade, tanto dos indivíduos quando das representações simbólicas das peças publicitárias.