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3. O JAPÃO NO BRASIL OU OS JAPONESES NO BRASIL

3.1 A IDENTIDADE DOS JAPONESES NO BRASIL

3.1.1 Japão: Estereotipia dos Japoneses

O que poderia ser considerado como estereótipo majoritário dos japoneses? Na busca de termos que se relacionem a essa questão, surgiram associações como agricultura, inteligência, tecnologia, tradição. O que fez com que estas palavras e não outras fossem associadas a esse estereótipo?

Segundo estudos de Lesser, citado no início deste capítulo, no período de adaptação à sociedade brasileira (anos de 1950, 1960, 1970), os japoneses se dedicaram firmemente aos estudos. Assim, muitos conseguiram ascender socialmente, galgando posições de destaque em empresas brasileiras de diversos segmentos. A facilidade com que eram aprovados nos exames vestibulares das melhores universidades do Brasil, principalmente em São Paulo, pela concentração maior de nikkeis, marcou de tal forma a imagem dos japoneses que a associação entre eles e os estudos se tornou comum. Mas antes deste período, eles passaram por diversas fases e adaptações. Segundo Lesser,

Conforme os nikkeis trocavam as zonas rurais de seus pais imigrantes por profissões urbanas, eles se tornaram os ‘melhores brasileiros’, em termos de sua capacidade de modernizar o país, e os ‘piores brasileiros’, porque se acreditava que eles eram os que menos provavelmente realizariam o sonho cultural de embranquecimento. As suposições essencialistas da maioria sobre a identidade nipo-brasileira eram reproduzidas nos discursos da minoria nikkei. Como resultado, os estereótipos internos e externos sobre os nikkeis freqüentemente coincidiam. Os nipo-brasileiros eram tratados pela maioria, e também por si próprios, como insuperavelmente produtivos, como agricultores, quitandeiros e donos de lavanderias, nas décadas de 1940 e 1950; como inovadores tecnológicos ou ativistas políticos, nas décadas de 1960 e 1970; e como profissionais liberais, nos anos de 1980 e 1990. (LESSER, 2008, p.32).

Os primeiros japoneses que chegaram no Brasil viviam da agricultura nas zonas rurais, e à medida em que foram se fixando nas terras brasileiras, começaram a trazer diversos aprimoramentos ao trabalho agrícola. Uma das principais contribuições foi a criação da Cooperativa Agrícola de Cotia, fundada em 1927 com o nome de Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada dos Produtores de Batata em Cotia - Sociedade Anônima. Inicialmente, era formada somente por produtores de batatas, mais precisamente 83 produtores da região de paulista de Cotia que, aos poucos, foram diversificando seus produtos. O sistema de latifúndio que era muito utilizado na agricultura até então, sofre modificações com o surgimento da cooperativa.

Uma das contribuições de maior destaque da CAC está relacionada ao tamanho da propriedade agrícola e seu estilo de exploração. A CAC provocou uma ruptura da dependência do minifúndio em relação ao latifúndio. Gradativamente, a Cooperativa estabeleceu e difundiu a viabilidade da pequena propriedade explorada intensivamente,

através da rotação e diversificação de culturas. Com isso, trouxe uma nova realidade para a agricultura brasileira. Mostrou que a pequena área agrícola poderia ser rentável quando explorada de forma racional e sistemática, não estava vinculada somente à agricultura de subsistência e muito menos estava subordinada à grande propriedade. (HIRATA, 1997, p.6).

Segundo o mesmo autor, a Cooperativa tinha como objetivo principal juntar um grande número de produtores para a aquisição de insumos para, com isso, conseguir uma boa barganha de preços em função da quantidade a ser adquirida. Além disso, vendia os resultados da produção de todos os produtores de uma só vez a fim de reduzir os custos de transportar as mercadorias e também financiava agricultores com dificuldades de produção. Aos poucos, a CAC, como ficou conhecida a Cooperativa, passou a desenvolver técnicas agrícolas tão bem sucedidas que, no período pós Segunda Guerra Mundial, começou a exportar sua produção. Muito do desenvolvimento da agricultura nacional se deve às pesquisas desenvolvidas pela CAC.

Um outro aspecto a ser levado em conta em relação à influência da Cooperativa é o papel de auxiliar na inserção dos japoneses na comunidade brasileira através dos trabalhos desenvolvidos. A troca de informações referentes às técnicas agrícolas junto à comunidade com a qual convivia os nikkeis facilitou o relacionamento entre eles, criando uma imagem positiva dos japoneses junto aos brasileiros. Podemos encontrar colônias japonesas nas cidades interioranas de São Paulo como Mogi das Cruzes, Cotia, Suzano, mas também no norte do Paraná, em Campo Grande, no Estado do Mato Grosso do Sul, além de colônias no norte do país, Maués e Paratins no Amazonas e Tomé-Açu no Pará. Mais recentemente, algumas regiões onde não haviam japoneses como a Bahia passa a contar com colônias em Uma, Itaberaba e em Mata de São João, no núcleo colonial Juscelino Kubitcheck (IMIGRAÇÃO, 2006, p.23-24).

Sem a CAC, muito provavelmente as tradições, os hábitos e costumes dos japoneses não se manteriam tão fortemente enraizados. Além disso, o próprio desempenho da comunidade nipônica no Brasil poderia ser prejudicado, visto que a agricultura foi praticamente a base da economia de todos os imigrantes japoneses. Ademais, é possível supor que o sucesso da CAC “contaminou” positivamente a imagem do imigrante japonês na sociedade brasileira. (HIRATA, 1997, p.8).

Ou seja, por um lado, o sistema de trabalho da Cooperativa auxiliou na manutenção de tradições japonesas dentro desta comunidade, além de dar a subsistência necessária aos agricultores. Essa manutenção das tradições pode ser comprovada pela organização das festas tradicionais japonesas, o que passou também a atrair não-descendentes, por se tratar de eventos grandiosos e “exóticos”67. Por outro lado, o sucesso desta associação fez com que os japoneses passassem a ser vistos como trabalhadores, empreendedores e bem sucedidos profissional e financeiramente. Podemos afirmar que, a partir do sucesso das cooperativas agrícolas na região, reforçou-se a imagem do japonês relacionada à agricultura, auxiliando na formação do estereótipo que vincula os japoneses com o trabalho agrícola, e em seguida, com a tecnologia que foi trazida em decorrência do desenvolvimento deste trabalho. Na cidade de São Paulo, onde há uma grande concentração de nikkeis, temos ainda, nas feiras livres, um grande número de japoneses que vendem em suas barracas, hortifrutis, mas também pastéis68, que, apesar de não ser uma produção agrícola, passou a ser relacionado também aos japoneses, pelo menos nas regiões de maior concentração como São Paulo e Paraná.

Os japoneses das zonas rurais organizavam também diversas associações recreativas, culturais e esportivas. Algumas delas podem ser encontradas hoje em dia também nas zonas urbanas em cidades de grande concentração de nikkeis, como São Paulo, Bastos, Marília, Curitiba, Londrina, Maringá, entre outras. Associações nipônicas (Nihonjin-kai, literalmente Associação de Japoneses) tinham e têm japoneses e descendentes como participantes sob pretexto de organizar eventos voltados à comunidade. Há também suas sub-divisões como as Seinen-kai (Associação de Jovens), Joshi Seinen-kai ou Shojo-kai (Associação das Moças,

Fujin-kai (Associação das Senhoras), entre outros. Dentre as atividades

desenvolvidas pela Associação, podemos usar como exemplo a pesquisa de Vieira (1973, p.175-178) sobre os japoneses da cidade de Marília, interior de São Paulo. A associação da cidade organizava no início de cada ano, uma grande festa de ano

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Como exemplo podemos citar a festa de finados em agosto (Obon) na qual dançam e cantam canções típicas, ou o Undokai, uma gincana esportiva que ocorre geralmente no outono, quando o clima está mais ameno, onde pais e filhos participam de uma série de atividades esportivas durante um dia inteiro.

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Massa recheada frita, os pastéis podem ser encontrados em todo o Brasil, mas em São Paulo, particularmente, começou a ser vendida casualmente pelos nikkeis nas feiras livres e tornando-se uma “comida típica”.

novo, com a presença de autoridades da região, além de lideranças políticas da comunidade. Comemoravam também, em 29 de abril, o aniversário do Imperador Hiroito69 com uma exposição agropecuária quando se juntavam nikkeis do município e das redondezas, com mostras de ikebana70, apresentações de hai-kai (poesias), exposições artísticas, entre outras. Em agosto, era a época do undo-kai (festa poliesportiva) com competições para todos. Mensalmente, a associação exibia filmes japoneses e algumas palestras à comunidade, no decorrer de todo ano.

Estas associações serviam como mantenedoras das tradições japonesas para que os

nikkeis não se afastassem de suas raízes. Tanto que no período da Segunda Guerra,

elas foram proibidas, mas retornaram na década de 1950. Exemplo que podemos encontrar hoje na cidade de São Paulo, que abriga a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo, situado no bairro da Liberdade. É onde encontramos o Museu da Imigração Japonesa, bem com escola de língua japonesa, dentre 30 comissões temáticas, todas relacionadas à cultura japonesa. É a tradição sendo mantida pelos seus descendentes. Pelo menos é o que podemos apontar enquanto resquícios do que pode ser considerado tradicional. Embora o que se mantém aqui e é chamado de “tradição” entre os nipo-brasileiros, não são exatamente o que encontramos hoje em dia no Japão. Muito do que vemos aqui vêm de costumes que os imigrantes japoneses trouxeram no início do século XX. Podemos até mesmo afirmar que o que encontramos nestas associações é muito “mais tradicional” do que o existe no Japão na atualidade. Esta manutenção de grupos organizados pode ser considerada uma característica da tradição que os japoneses procuram manter aqui no Brasil, para preservação, como também ocorre com outros imigrantes.

De um lado, esta tradição. E de outro a tecnologia, as ciências exatas. O que fez com que isto também fosse associado aos japoneses? A tecnologia pode ser encontrada no desenvolvimento agrícola citado anteriormente, uma vez que a agricultura só pôde crescer com o acompanhamento tecnológico e o implemento de maquinários que

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Governou o Japão de 1926 a 1989, período conhecido como Era Showa (昭和 – “Paz auspiciosa”). Com sua morte, o dia 29 de abril passou a ser o Dia do Verde, feriado nacional que dá início à Golden

Week (Semana de Ouro) quando, em uma semana, se juntam quatro feriados até o dia 5 de maio (3 de

maio – Dia da Constituição, 5 de maio, Dia dos Meninos. O dia 4, por ser entre dois feriados, é também considerado feriado.

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possibilitaram este crescimento. Além disso, não podemos descartar o desenvolvimento do país Japão como outro aspecto a ser levado em conta quando relacionamos aos nikkeis. Na verdade, muito dos estereótipos relacionados aos descendentes vêm do estereótipo do país de origem de seus ancestrais. O desenvolvimento tecnológico japonês não pode ser negado ou mesmo ignorado nesta relação. Temos as tecnologias de ponta, os carros modernos, os equipamentos eletro-eletrônicos, todos estes itens e mais alguns, com empresas japonesas encabeçando a lista dos melhores. Mesmo os japoneses daqui já sem a proximidade tão grande com o Japão (temos no Brasil agora até a sexta geração de nikkeis), sofrem as conseqüências de manter o fenótipo oriental.

Sternheim, citado por Lesser (2008) em seu filme Isei, Nisei, Sansei71 de 1970

explica como as transformações verificadas entre as gerações mudaram tudo, da língua à religião, do sexo ao trabalho. Por exemplo, o filme propõe que a geração isei (imigrantes) era rural, e que a nisei (segunda geração, a primeira nascida no Brasil) era tecnológica, ambos os setores sendo vistos como particularmente ‘japoneses’. No entanto, os sansei (terceira geração, crianças com pais brasileiros e avós japoneses) conseguiram se libertar do trabalho etnicamente determinado e se tornar brasileiros, expandindo seus horizontes de emprego, principalmente nas profissões liberais. Imagens de agricultores vestidos de quimonos e de jovens ‘descolados’ sugerem transformações aos espectadores, e a narração direta faz o mesmo. (LESSER, 2008, p.78-79).

Questionamos a simplificação desta análise com embasamento somente nas gerações, fixando categorias pré-estabelecidas para cada uma delas. Concordamos com estas categorizações, mas não cremos ser possível a generalização. Isto porque o “se tornar brasileiros” não vemos exatamente como uma relação direta com o mercado profissional, quer dizer, não acreditamos que esta relação se dê exclusivamente no mercado profissional. O fato de termos hoje sanseis em diversos segmentos profissionais faz deles “mais brasileiros” do que os da segunda geração?

Deixaremos para discutir este assunto no último tópico deste trabalho que se refere à relação entre identidade e estereótipo.

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Dir. Alfredo David Sternheim, 35mm, documentário, 10 min., produzido com o apoio da Comissão Estadual de Cinema da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo (LESSER, 2008, p.221).