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Com a queda do regime Imperial Monárquico em 1889 chegou ao fim, também, a política indigenista vigente. Dos anos que sucederam sua queda até a criação do então Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPITLN) em 1910, pouca informação se tem a respeito das políticas indigenistas.

O militarismo nacional, grande responsável pela instauração da República, sofria fortes influências do positivismo francês, que tinha em Augusto Comte o seu mentor principal. Fruto da ideologia positivista, a inferiorização étnica e cultural enraizou-se na cultura republicana e serviu como mola propulsora às atividades de dominação dos povos indígenas, tendo por detrás, também, o interesse pela apropriação territorial para a expansão das fronteiras capitalistas.

O positivismo, surgido na França na primeira metade do século XIX, baseava-se na teoria dos três estados da evolução humana, a saber: o Teológico, o Metafísico e o Positivo, sendo o último, atribuído às populações que alcançaram o estágio mais elevado de desenvolvimento científico, como as da Europa Ocidental. Segundo essa teoria, o estado Teológico era divido em três etapas sucessivas: o fetichismo, onde se encontravam as

populações autóctones; o politeísmo e o monoteísmo. Era, portanto, atribuído às populações fetichistas um alto grau de irracionalismo e imaturidade que levavam os homens a apoiarem- se em crenças sobrenaturais, devido à sua incapacidade de compreender e explicar os fenômenos naturais. (GAGLIARDI, 1989).

O artigo 6º do antigo Código Civil Brasileiro (BRASIL, 1916), que permaneceu vigente até Janeiro de 2003, declarava os indígenas como “relativamente incapazes” de exercer certos atos da vida civil, juntamente com os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 21(vinte e um) anos e os pródigos. Por considerá-los dessa forma justificou-se, então, o estabelecimento de um regime tutelar, com leis e regulamentos especiais, o qual, cessaria à medida que se fossem “adaptando à civilização do país”. A influência da Teoria Positivista veio se configurar na criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN) em 1910, renomeado logo em seguida como Serviço de Proteção aos Índios (SPI).

A criação do SPILTN foi inspirada no êxito dos serviços do Tenente-Coronel Cândido Rondon, ao fazer a travessia do Brasil Central estendendo a linha telegráfica de Mato Grosso ao Amazonas, sem que tivesse, necessariamente, que utilizar métodos violentos no contato com as populações indígenas que se colocavam em seu caminho. Segundo Lima (1995, p- 124), “Rondon conseguiu ganhar a guerra através da paz, abrindo territórios à administração, transformando inimigos em aliados sem usar de violência aberta, por técnicas que remetia a Barbosa Rodrigues, para não reconhecer sua ancestralidade nas fórmulas jesuíticas”.

Dessa maneira, suas ações serviram de exemplo às práticas do primeiro órgão oficial indigenista, que visava à “pacificação” dos povos autóctones, considerados por seus membros como em um estágio de transitoriedade na evolução humana. As ações do SPI partiam do pressuposto que os povos indígenas deveriam ser integrados à sociedade nacional, deixando de lado as suas terras e as suas culturas para transformarem-se em trabalhadores rurais.

Garnelo, Macedo e Brandão (2003, p.37) assinalam que “neste contexto, o grau de sucesso da política indigenista seria avaliado por sua capacidade de suprimir a diferença étnica, de promover a desintegração da cultura desses povos e de viabilizar a sua completa assimilação à sociedade brasileira”.

O órgão era vinculado ao Ministério da Agricultura e tinha como objetivo principal, estabelecer um diálogo entre as frentes expansionistas e os grupos indígenas que se apresentavam como obstáculo ao crescimento da nação e ocupavam áreas que interessavam às oligarquias agrárias e aos projetos de expansão econômica. A tarefa do SPI era a de promover a passagem do estado fetichista ao positivo, abreviando os longos processos da evolução humana, através da aplicação da educação racional positiva no desenvolvimento mental dos índios criando assim, as condições propícias para sua integração à sociedade civilizada, na forma de trabalhadores rurais. Seus líderes acreditavam na antecipação do que a história indubitavelmente faria, ou seja, a integração paulatina das populações autóctones à classe trabalhadora nacional e a conseqüente desobstrução das áreas tradicionalmente ocupadas, conforme é retratado por Barbosa (1923, p.11):

Acabamos assim de citar os nomes de diversas tribus guerreiras que o Serviço de Índios, affrontando e vencendo innumeros perigos, difficuldades e privações, foi procurar nos mais recônditos sertões do paiz para trazer a relações de amisade com a massa geral do povo Brazileiro, na qual em breve ellas desapparecerão, definitivamente assimiladas.

O SPI desvinculou a “proteção” das populações indígenas das ações desenvolvidas pelas missões religiosas, todavia, sem intervir no processo da catequese missionária e proporcionou a criação de uma legislação específica que assegurava aos povos indígenas o direito às terras em que viviam, o que, no entanto, não era observado quando as áreas em questão interessavam aos projetos econômicos do Estado. Quanto ao conflito entre os métodos utilizados pelos missionários e aqueles a que se dedicava o SPI, discorre Farias (1919, p.73):

A principal obrigação da assistencia que o Serviço de Proteção deve ao índio é a defesa do seu tutelado contra a opressão dos civilizados. Como, pois, admitir que essa opressão se exerça pelo simples facto de ser feita por homens de batina? Prova completa de tolerância é já o permitir que se tome o tempo ao índio para encher-lhe a cabeça de phantasias que elle não entende nem póde claramente entender, dada a falta de abstração a que está sujeito. Prova incontestável de intolerância é sofrer que se queiram fazer mudanças instantâneas de crenças e de hábitos, que só com muito tempo e avanço gradual seriam possíveis. O Serviço de Proteção apanha a irracionalidade do processo, mas não intervem, nem protesta, desde que o ensino seja ministrado sem imposição. Os seus methodos , pois, são outros. Elle sabe que a alma do índio é a mesma alma do homem civilizado, apenas com as diferenças resultantes da situação fetichista em que aquelle se encontra.

Na classificação administrativa proposta pelo SPI aparece, porém, um outro modo de tratar as populações nativas, construído a partir do tipo de relação (de aliança ou guerra) estabelecida com o colonizador. O decreto nº 5.484 de 27 de junho de 1928 em seu artigo segundo classificou os índios do Brasil nas seguintes categorias: nômades, aldeados, pertencentes à povoações indígenas e pertencentes a centros agrícolas ou que vivem promiscuamente com os civilizados. Os índios selvagens constituíam o foco principal das ações do SPI não só por obstaculizarem as frentes de expansão para o interior ou se acharem em guerra, mas também por comportarem as características ideais para o trabalho de civilização, pois, segundo a filosofia institucional, se encontravam em um estágio primitivo da escalada da humanidade para o progresso. Sem sombra de dúvidas ocupavam uma posição inferior neste processo, portanto, a aplicação de métodos educativos ideais os impediria de se transformarem em indivíduos cheios de defeitos.(LIMA, 1995, grifos nossos).

A discussão sobre a política indigenista, na época, polarizava-se entre aqueles que viam os índios como obstáculo ao desenvolvimento nacional e passíveis, portanto, de serem exterminados e aqueles que se horrorizavam com os massacres impetrados a esses povos e combatiam as teorias racistas que apontavam para o extermínio como a solução para a resolução dos conflitos sociais. (COSTA, 1987). No entanto, as violências, muitas vezes, eram mascaradas pela guerra pacífica de aculturação desses povos, que passavam a viver

privados de suas referências de vida e, consequentemente, condenados à dependência da boa- vontade do poder estatal para garantir-lhes as condições mínimas de qualidade de vida e saúde.