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BREVE ANÁLISE DE ÍNDICES DEMOCRÁTICOS NA HISTÓRIA BRASILEIRA

Apresentadas todas as constituições brasileiras e um breve contexto social de sua implementação, pode-se concentrar algumas informações importantes para a análise da construção da democracia brasileira.

Para fundamentar esta reflexão com dados, ter-se-á como base o artigo V-Dem, de Fernando Bizzarro e Michael Coppedge. O estudo se propôs a abraçar o desafio de medir e analisar as facetas múltiplas da democracia. A tarefa é certamente árdua, principalmente tendo em vista a existência de diversos fatores sociais, políticos, econômicos, governamentais e outros atores exercendo influência constantemente. Ademais, regimes políticos são como organismos vivos, estão em constante mutação, motivo pelo qual se torna ainda mais relevante a proposta do V-Dem.

Os dados da pesquisa foram coletados entre os anos de 1900 e 2015, em praticamente todos os países do mundo, por uma base de mais de 2.600 pesquisadores também de todos os países , que responderam indagações sobre os indicadores contidos no conceito democracia abordado pelo projeto.

Dada a complexidade envolvida em se analisar um mecanismo vivo e altamente mutável, a pesquisa considerou componentes abrangentes os quais democráticos discutidos pela literatura especializada: dimensão eleitoral, liberal, participativa, deliberativa e igualitár

indicadores, aqui denominados de índices, mais específicos. Os respond

Brasil, eram em sua maioria brasileiros (71%), residentes e formados em instituição superior de ensino brasileira (68%). Os demais eram estrangeiros e sua inclusão ao projeto visou adicionar uma perspectiva internacional sobre os acontecimentos nacionais.

A avaliação estruturou-se com base no conceito de Poliarquia exposto por Robert Dahl:

As poliarquias podem ser pensadas então como regimes relativamente (mas incompletamente) democratizados, ou, em outros termos, as poliarquias são regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública. (DAHL, 2005, p. 31).

Dahl (2005) explica que um regime com ampla contestação pública e forte inclusão social poderia ser considerado uma democracia, no entanto, para ele, nenhum grande sistema no mundo real é plenamente democratizado, então adota o

são, mais democrático pode ser considerado um regime.

Esta foi a visão adotada pelo V-Dem ao estabelecer como pré-requisito fundamental para que um regime esteja no grupo das democracias a presença dos fatores formadores de uma Poliarquia, quais sejam a participação e contestação.

Com estes dois fatores os cidadãos são chamados a participar da condução da gestão pública e, tão fundamental quanto isso, têm suas opiniões ouvidas e consideradas, de forma a redirecionar as decisões tomadas.

O conceito básico de Poliarquia, na perspectiva do V-Dem, se expande e abraça também:

Informações que dão conta da medida em que eleições são limpas e decisivas, que delimitam o alcance do sufrágio (medido pela porcentagem da população que tem garantido o direito ao voto) e medem a possibilidade de associação de grupos de oposição tentam medir a dimensão da participação eleitoral em uma democracia. Informações sobre liberdade de expressão individual inclusive separadas por gênero e de grupo como liberdade religiosa também foram coletadas. [...] A combinação dos componentes de participação eleitoral e contestação produz um índice agregado de democracia eleitoral. (BIZZARRO; COPPEDGE, 2017).

Quanto à análise do componente de democracia eleitoral, o resultado obtido pela pesquisa foi o seguinte:

Figura 1 Evolução do índice de democracia eleitoral (1900-2015) Fonte: Variedades da Democracia no Brasil (2017)

Segundo Bizzarro e Coppedge (2017), entre os anos de 1889 e 1930, o país presenciou uma democracia limitada, pois a participação e a contestação pelo povo não eram abrangentes. O sistema de eleições censitárias, aliado a fortes práticas de coerção e manipulação de votos resultou em um cenário de arranjos pré-concebidos e na consequente falta de questionamento a nível nacional.

Posteriormente, com a tomada do poder por Getúlio Vargas num ato de insurgência contra a política café com leite, o índice de Poliarquia teve uma súbita queda. Certa elevação é percebida após os confrontos entre o Estado de São Paulo

e o governo nacional, momento em que foi imposta a retomada de alguns institutos democráticos, consolidados na Constituição de 1934.

Logo após a leve retomada democrática houve o golpe do Estado Novo que, outra vez mais, reduziu o índice de Poliarquia ao suspender a ação do Congresso Nacional e o exercício de direitos políticos.

No momento em que o Estado Novo é superado, o Brasil, pela primeira vez, vive uma democracia de massas. A novidade foi possibilitada pelo sufrágio masculino e feminino para alfabetizados. Os movimentos de industrialização e urbanização colaboraram igualmente na formação de uma sociedade de massas, haja vista a demanda criada para o surgimento de uma mídia nacional independente do Estado, além de uma Justiça Eleitoral mais estruturada. Novamente, ao final do período autoritário do Estado Novo, o nível de Poliarquia se elevou (igualmente ao período de 1934), destaca-se que o índice assumiu posição maior do que na experiência democrática anterior.

A este ponto a história torna-se quase previsível dada a repetição entre períodos democráticos e autoritários. Logo, depois de um respiro da democracia surge outro período autoritário. Desta vez ocorreu a tomada do poder pelas forças militares e, não somente no Brasil, mas em todo o continente sul-americano ocorreu a ascensão de governos autoritários contemporâneos à Guerra Fria, liderados por militares. Destacadamente a partir de 1964, da posse de Humberto Castello Branco e após o Ato Institucional 5, os índices de Poliarquia tiveram considerável baixa.

No início dos anos 80, com a abertura à redemocratização, especialmente com a Lei da Anistia, os índices de Poliarquia voltaram a crescer gradualmente, tendo expressivo aumento após as eleições indiretas de 1985 e a promulgação da Constituição Federal de 1988. Por fim, os índices se estabilizaram a partir deste marco na história democrática brasileira.

Ao todo, a pesquisa V-Dem analisou, além da democracia eleitoral, outros componentes o componente liberal da democracia, o componente deliberativo, o componente igualitário e o componente participativo. Será dado enfoque ao componente participativo, devido a sua conexão com a proposta central deste trabalho a de aumentar a participação e fortalecer a democracia por meio da aplicação do conceito de dados abertos pela Administração Pública.

Antes de proceder à análise do componente participativo, cabe mencionar que os diferentes componentes podem apresentar jornadas singulares quando comparados, senão vejamos na próxima figura (o componente da democracia eleitoral está excluído):

Figura 2: Evolução dos demais componentes da democracia

Conforme se observa, cada um dos componentes reage de forma diferente ao longo do tempo, apesar de apresentarem movimentos semelhantes de acordo com as mudanças entre governos autoritários e democráticos. É perceptível que, com exceção do componente participativo, todos os outros apresentaram níveis altíssimos nos últimos anos, demonstrando algum sucesso na experiência democrática mais recente brasileira. Além disso, os componentes liberal e deliberativo sofrem quedas muito mais acentuadas durante os períodos autoritários em comparação com os outros dois componentes.

Quanto ao componente deliberativo, de acordo com Bizzarro e Coppedge (2017), este teria sido formulado com base em textos clássicos da literatura de teoria política e dentro dele estaria a concepção de um processo que não somente agrega interesses dos cidadãos, mas que também permite uma experiência deliberativa antes das decisões e leva em consideração o bem comum da população. Aqui, bem comum é entendido como o contrário de interesses particularistas.

Quando se olha com mais detalhe para dois indicadores específicos presentes dentro do componente deliberativo, quais sejam o bem comum e políticas justificadas, sendo o primeiro uma medida do quanto as elites políticas justificam suas ações baseadas no bem comum e a segunda, a medida em que as importantes decisões políticas são justificadas para o público tem-se que, mesmo em períodos ditatoriais, a noção de bem comum prevaleceu (Figura 3). Deste ponto se infere que os governos autoritários no Brasil se associaram fortemente à uma noção de facilitação do desenvolvimento nacional e aproximação do bem comum. Por outro lado, o índice de políticas justificadas sofreu maior queda em períodos autoritários, demonstrando a pouca ou insuficiente justificativa das políticas públicas adotadas, principalmente entre as décadas de 1960 e 1970.

Fonte: Variedades da Democracia no Brasil (2017).

De todos os indicadores presentes dentro do componente deliberativo, são os da participação e do respeito ao contraditório que demonstraram maiores alterações nas passagens de governos democráticos e autoritários. Sobre este comportamento, os autores do estudo apontam:

Novamente, não é surpresa que em um país que tenha experimentado regimes autoritários tais indicadores apresentem consistentemente resultados ruins, dado que esses indicadores tendem a sofrer mais quando da restrição das liberdades individuais e do insulamento dos formuladores da política pública das pressões populares, geralmente canalizadas por lideranças políticas eleitas. No período atual, contudo, esse indicador obtém valores dentro da categoria máxima. (BIZZARRO, COPPEDGE, 2017, p. 22).

De forma geral, depreende-se do estudo que o país conseguiu aumentar os índices ligados a democracia após cada experiência autoritária. Os índices mostraram especial elevação com a Constituição de 1988.