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O avanço tecnológico observado destacadamente nas últimas décadas é notável. Com ele têm surgido novas discussões sobre dados, que se tornaram, no

mundo globalizado, algo como uma nova bússola para tomada de decisões, análises, obtenção e disseminação de conhecimento, enfim, uma nova forma de orientar decisões e movimentos no mundo todo. O alcance e inclusão da tecnologia no cotidiano de qualquer cidadão é algo sem precedentes.

Para mais do que os corriqueiros exemplos de redes sociais com milhões de usuários e da incalculável quantidade de conteúdo disponível online, tem-se as transações financeiras bem como os bancos totalmente digitais , novas moedas exclusivamente digitais, algoritmos e inteligência artificial tomando decisões desde qual rota percorrer para chegar a um destino até decisões em processos judiciais , e, por fim, a inclusão destes novos instrumentos no exercício democrático da sociedade.

Um forte exemplo da inserção das TICs no exercício da democracia e na tomada de decisão é o seu uso para influenciar votos em eleições. As eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos da América tiveram um forte armamento de dados e algoritmos trabalhando a favor de Donald Trump. Por meio de um inocente teste de personalidade realizado no Facebook, milhares de cidadãos estadunidenses deram detalhes de sua personalidade para uma equipe que, mais tarde, utilizou destas informações para personalizar informações acerca do candidato10.

Similarmente, no Brasil têm sido reveladas práticas realizadas através do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp durante a última eleição presidencial, na qual Jair Bolsonaro sagrou-se vencedor. O próprio aplicativo admitiu o envio ilegal de mensagens em massa na última corrida presidencial. A suspeita é de que tenha sido utilizado um mecanismo similar ao americano de 2016, mapeando perfis de eleitores e disparando notícias manipuladas em massa11, para atacar as convicções específicas dos eleitores.

Por seu turno, a atual conjuntura das Tecnologias da Informação e Comunicação alterou significantemente a forma de manifestação da opinião,

10

Cambridge Analytica, empresa cuja atuação é a prestação do serviço de análise de dados para fins comerciais ou políticos. Enquanto em plena operação, a empresa foi sediada nos Estados Unidos, na Malásia e no Brasil. Mais informações sobre o caso estão disponíveis em:

https://www.theguardian.com/news/series/cambridge-analytica-files e

https://www.nytimes.com/2018/03/17/us/politics/cambridge-analytica-trump-campaign.html.

11 Tem sido produzidos estudos sobre o envolvimento do aplicativo de mensagens na última eleição

Brasil Pós- cong19/240-oliveira-

do exercício da liberdade de associação e dos interesses em cena no jogo político. A popularização de formas de comunicação como a Internet proporciona novas experiências ao exercício da cidadania. (BEÇAK, LONGHI, 2011, p. 3352).

A este ponto, a existência e articulação no mundo digital torna-se mandatória para todos os setores empresas, instituições e governo. Ainda, parece que quanto mais as esferas do Poder Público demoram a se articular no plano virtual, mais se abre espaço para a existência desarticulada e por vezes tendenciosa de outras figuras. Quando a autoridade não se manifesta é mais fácil acreditar em qualquer outra.

Superado o ponto do acesso à participação na democracia explanado no capítulo anterior cabe agora tratar de outro tipo de acesso: o acesso às TICs no país, a fim de entender em qual medida utilizá-las como canal teria o potencial de aumentar o primeiro acesso mencionado o acesso da população a experiências participativas.

Uma pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil CGI.br no ano de 2019 apontou que o país já contava com 74% da população acima dos 10 anos de idade, um total de 134 milhões de pessoas, conectadas à internet. Quando se reconhece também o chamado indicador ampliado que inclui no índice de acesso àqueles que não reconhecem estar utilizando a internet, por exemplo, em aplicativos de mensagens instantâneas a porcentagem cresce ainda mais, atingindo os 79%.

É sabido, no entanto, que o acesso à internet não é proporcional em todo o território brasileiro. Existe uma dificuldade de conexão mais acentuada na região Nordeste do país espaço com o menor índice de acesso à internet, com 65% dos domicílios conectados.

Não se pretende, portanto, propor o esgotamento da dificuldade de acesso, na concepção de participação, através das TICs dado que o acesso à internet e às TICs igualmente sofre limitações. Muito pelo contrário, pretende-se demonstrar que, ao disseminar conhecimento e dados acerca da gestão pública e, consequentemente, chamar para o debate democrático a fração de 79% da população que está inserida no ambiente online, se poderia ao menos ampliar e facilitar o acesso à discussão democrática. Este tipo de iniciativa contribuiria para diversificar o predominante perfil de homens brancos, originais das regiões mais desenvolvidas economicamente no

país percebido nas conferências nacionais12, uma das formas participativas na atual democracia brasileira.

É claro, também, que a mera disponibilização de oportunidades de participação na rede não garante o imediato engajamento da população, no entanto, trata-se de um fundamental primeiro passo. Mais adiante serão mencionadas algumas das iniciativas já postas em prática pela sociedade civil, demonstrando a existência de certo interesse neste sentido.

A disponibilização de dados governamentais abertos só tem valor se houver interesse da sociedade civil em reutilizá-los, dando a eles novos significados segundo o seu interesse e conveniência. Por isso, fecha a cadeia de produção valor o agente reutilizador dos dados disponibilizados que pode ser qualquer pessoa ou instituição que tenha interesse neles e tenha habilidade em desenvolver aplicações baseadas na web que façam uso desses dados. (DINIZ, 2010, p. 8).

Conclui-se, quanto ao uso da internet e das TICs no âmbito da administração pública:

[...] a internet é uma realidade que oferece contributos para o aprimoramento do sistema democrático, seja na modernização das administrações, seja na aproximação entre representantes e representados promovendo uma abertura dos governos tradicionais para um modelo que opera sob a lógica de redes. (SANTOS; BERNARDES; ROVER, 2012).

Seguindo as discussões sobre as TICs e sua positiva integração à democracia, surgem diferentes conceitos e propostas de integração destes dois mundos, tais como: e-governo, governo aberto e dados governamentais abertos. O ponto convergente destas propostas é a ideia de digitalizar e, em medidas e estratégias diferentes, abrir para maior transparência a Administração Pública e as informações obtidas dentro dela.

4.1.1 Governo Aberto Cruz-

de governo aberto da seguinte forma:

O governo aberto é um paradigma ou modelo relacional que se corresponde com um modelo de democracia mais agregativo, que dá (busca dar) prioridade à representatividade e aos processos, e cuja orientação é a de criar um governo (mais) acessível, transparente e receptivo. (Cruz-Rubio, 2015, p.

12 Vide página 59, especificamente o seguinte trecho: a composição dos participantes em conselhos

nacionais tem-se resumido a pessoas do sexo masculino, de cor branca e de origem regional nos maiores polos econômicos do país, retratando o desafio de maior inclusão e diversidade social (AVRITZER, 2013).

131).

Vai além dizendo:

Governo aberto é a doutrina política que defende que as atividades do governo e da administração pública devem ser e estar abertas a todos os níveis possíveis para o escrutínio e supervisão eficaz dos cidadãos. Em seu sentido mais amplo, se opõe à justificativa do Estado de legitimar como secreto (de Estado) certas informações invocando a temas como segurança. (CRUZ-RUBIO, 2016, p. 136).

Depreende-se, então, que o Governo Aberto está relacionado a busca por transparência, na medida em que fornece informações sobre o que faz, de forma a incentivar o controle social. Também se conecta com a facilitação de espaços para participação dos cidadãos, buscando evolvê-los. Logo, é a busca de políticas públicas para abertura do que se passa no governo. O produto desta abertura e conexão com os cidadãos deve ainda provocar reflexão e reorganização das estruturas da administração pública.

4.1.2 Governo Eletrônico

Ao trabalhar a distinção do governo aberto em relação aos demais conceitos, Cruz-Rubio (2015, p. 132) apontou, sobre o governo eletrônico:

Com governo eletrônico (e-government) nos referimos ao uso e à aplicação das TICs e suas ferramentas no setor público e para a prestação de serviços públicos. O governo eletrônico é a aplicação da tecnologia para melhorar a capacidade de comunicação e lograr um governo mais eficiente.

Assim, entende-se por governo eletrônico a presença, principalmente dos serviços e funções do governo, no meio eletrônico, seja por meio de websites, aplicativos, conferências online ou qualquer outra forma. Não necessariamente este conceito está conectado com democracia e participação societal, conforme destacado pelo autor:

Uma questão-chave é que o uso do conceito de governo eletrônico não implica uma mudança nos valores nem nos princípios que regem o desempenho do setor público, mas que fundamentalmente destaca o uso das tecnologias com a finalidade de elevar o rendimento, a eficiência e eficácia dos processos governamentais e a prestação dos serviços públicos. (CRUZ- RUBIO, 2015, p. 133).

Governo eletrônico representa, portanto, a busca por maior eficiência e prestação de serviços no formato online.