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Para Thomas Hobbes (2019) também o soberano era a personificação encarnada do próprio Deus. Ao tratar das formas de injustiça que se podem operar contra o soberano, o autor deixa clara a sua visão. Qualquer ataque ou tentativa de substituição do soberano seria injusta, até mesmo uma aliança com o Deus, a divindade, seria injusta:

E quando alguns homens, desobedecendo a seu soberano, pretendem ter celebrado um novo pacto, não com homens, mas com Deus, também isto é injusto, pois não há pacto com Deus a não ser através da mediação de alguém que represente a pessoa de Deus, e ninguém o faz a não ser o lugar- tenente de Deus, o detentor da soberania abaixo de Deus. E esta pretensão de um pacto com Deus é uma mentira tão evidente, mesmo perante a própria consciência de quem tal pretende, que não constitui apenas um ato injusto, mas também um ato próprio de um caráter vil e inumano. (Hobbes, 2019, p. 62).

Hobbes ainda defende que:

Em segundo lugar, dado que o direito de representar a pessoa de todos é conferido ao que é tornado soberano mediante um pacto celebrado apenas entre cada um e cada um, e não entre o soberano e cada um dos outros, não pode haver quebra do pacto da parte do soberano, portanto nenhum dos súditos pode libetar-se da sujeição, sob qualquer pretexto de infração. (Hobbes, 2019, p. 62).

O iluminismo descobriu que promover o uso da razão e jogar luz sobre as estruturas de poder limitaria o abuso do poder pela vontade do soberano e diminuiria a trágica opressão perpetrada por ele.

Os fundamentos do que viria a ser a democracia moderna surgiram da ideia de impor limites ao poder absoluto e das prerrogativas aventadas pelo iluminismo, incluindo a publicidade como um elemento importantíssimo.

Com efeito, Fonseca (1999, p. 3) ressalta o pensamento de Foucault (1971), e concorda que, a partir da segunda metade do século XVIII a população deverá se tornar o centro em torno do qual o governo deve concentrar suas observações, para governar efetivamente.

Os direitos firmados na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789 garantiram certas liberdades ao indivíduo, como a manifestação do pensamento, o livre exercício religioso (importante após a sangrenta perseguição católica aos seus oponentes) e a propriedade privada. Não obstante, foram estabelecidos igualmente direitos a serem exercidos coletivamente, quais sejam os de associação, o de pedir contas à administração pública, a proteção contra ordens arbitrárias, e faculdade de verificar a necessidade de contribuição pública, dentre outros.

Foi visível a inserção de mecanismos de controle por parte dos governados e de uma abertura para sua liberdade de expressão, bem como a proteção destes mecanismos contra algumas das principais manifestações do controle absolutista instituição arbitrária de impostos e a cega imposição de prisão e penas para indivíduos, conforme o gosto do rei absoluto. Nascem, portanto, mecanismos de controle do governo basilares para o que viria a ser a democracia.

O movimento de Revolução Francesa teve, sem dúvida, muitos reflexos na história das formas de governo e é neste ponto que se dará o enfoque deste trabalho. Não será aprofundada a discussão sobre o quão democráticos foram estes movimentos, pois é sabido que se desenvolveram no seio de organizações burguesas, logo, excluíam boa parte da população à época. Para o trabalho, no entanto, importa saber quais foram os mecanismos surgidos e quais foram as suas consequências.

Merecem destaque, ainda, a livre manifestação do pensamento e a liberdade de opinião. A partir deste exercício é permitido ao indivíduo desenvolver livremente seu pensamento e manifestá-lo da forma desejada, desde que esta não fira a liberdade de outrem. Para se operacionalizar tal direito, faz-se necessário, em primeiro lugar, o acesso à informação que não passou despercebido pelo movimento da Ilustração. Criaram-se, assim, as fontes de um direito à informação e do direito a formar, por si mesmo (e não pelo mandamento da igreja ou do tirano) um pensamento. De forma breve, este foi aproximadamente o plano de fundo para o entendimento da prejudicialidade do segredo e da preferência à publicidade e ao

acesso às informações pelo público para possibilitar um governo menos tirano e opressor.

Bobbio analisa o fenômeno de transformação do estado absoluto para o Estado de direito e ressalta o papel da publicidade nesta transição:

O que distingue o poder democrático do poder autocrático é que apenas o primeiro, por meio da livre crítica e da liceidade de expressão dos diversos pontos de vista, pode desenvolver em si mesmo os anticorpos e consentir realmente colocar à prova a capacidade do poder visível de debater o poder invisível, é o da publicidade dos atos do poder que, como vimos, representa o verdadeiro momento de reviravolta na transformação do estado moderno que passa de estado absoluto a estado de direito. (Bobbio, 1997, p. 22) Para Bobbio, dentre todas as críticas à democracia, a que menos recebe atenção é a crítica à opacidade do poder, ou ao governo invisível, aquele que se

diferença entre autocracia e democracia, já que naquela o segredo de estado é uma regra e nesta uma exceção regulada por leis que não lhe permitem uma extensão indébita. (Bobbio, 1997).

Bobbio reforça o obstáculo constituído pelo segredo de Estado na instituição de uma democracia, o qual Cademartori e Cademartori explanam da seguinte forma: Parte ele da ideia de que atualmente o Estado apresenta aspectos de representatividade ampliada que superam a concepção original do Estado representativo clássico, moldado na ideia britânica da existência de um parlamento que corporificaria os interesses da sociedade. Tome-se, para exemplificar, o seguinte trecho: Aqui que nós, para resumir, chamamos de estado representativo teve sempre que se confrontar com o Estado administrativo, que é um estado que obedece a uma lógica de poder completamente diferente, descendente e não ascendente, secreta e não pública [...] (Cademartori e Cademartori, 2011, p. 8)

Para Bobbio (1997), a democracia é o governo do poder visível:

Como regime do poder visível, a democracia nos faz imediatamente vir à mente a imagem, a nós transmitida pelos escritores políticos de todos os tempos que se inspiraram no grande exemplo da Atenas de Péricles, da público como o objetivo de apresentar e ouvir propostas, denunciar abusos ou pronunciar acusações [...] (Bobbio, 1997, p. 4)

O autor reforça sua visão ao citar o bispo de Viço, Michele Natale:

Não existe nada de segredo no Governo Democrático? Todas as operações dos governantes devem ser conhecidas pelo Povo Soberano, exceto algumas medidas de segurança pública, que ele deve conhecer apenas quando cessar o perigo. (Bobbio, 1997, p. 6)

Este trecho é exemplar porque enuncia em poucas linhas um dos princípios fundamentais do estado constitucional: o caráter público é a regra, o segredo a exceção, e mesmo assim é uma exceção que não deve fazer a regra valer menos, já que o segredo é justificável apenas se limitado no tempo [...] (Bobbio, 1997, p. 6).

O governo democrático tem como ponto fulcral o controle e a participação do povo, e tal premissa jamais poderia se firmar caso os acontecimentos se mantivessem escondidos do povo.

Resta claro, pela forma que a necessidade de publicidade se desenvolveu e pelos apontamentos teóricos trazidos que, quanto mais democrático um governo, menor o espaço para o segredo. No mesmo sentido, quanto mais absoluto, menor o espaço para a publicidade. E, de forma geral, a partir da transformação dos Estados absolutos em Estados de direito, a primeira hipótese passou a predominar.

3 A EVOLUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO E DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Passando às democracias modernas, caberá novamente um recorte para indicar que a análise do presente trabalho se dará em relação ao Brasil. Far-se-á uma exposição da democracia brasileira para, em seguida, passar a conectá-la com as problemáticas trazidas pelas novas Tecnologias de Informação e Comunicação TIC num contexto de participação popular, elemento que se apresentará como fundamental para o fortalecimento da democracia.

A abordagem das TIC nesta discussão revela-se fundamental:

[...] a atual conjuntura das Tecnologias da Informação e Comunicação alterou significantemente a forma de manifestação da opinião, do exercício da liberdade de associação e dos interesses em cena no jogo político. A popularização de formas de comunicação como a Internet proporciona novas experiências ao exercício da cidadania. (BEÇAK, 2011, p. 3552).

Ainda, será feita uma passagem pela história das constituições brasileiras a fim de apontar seu reflexo na sociedade e entender quais os passos dados pelo país a

Para cumprir com o objetivo de propor o conceito de dados abertos como facilitador de uma maior inclusão e controle social sobre o Estado e o governo, é essencial demonstrar quão pouco inclusiva foi a história e a evolução das

constituições brasileiras. Além disso, é importante destacar a conexão entre sigilo, censura e concentração de informações no governo e as práticas autoritárias e ditatoriais experenciadas no Brasil.

Segundo a colaboração de Walter Costa Porto na obra de Caio Tácito: O conhecimento de nossa trajetória constitucional, de como se moldaram, nesses dois séculos, nossas instituições políticas, é, então, indispensável para que o cidadão exerça seu novo direito, o de alargar, depois do voto, seu poder de caucionar e orientar o mandato outorgado a seus representantes. (TÁCITO, 2010, p. 6).

No mesmo sentido, para Bobbio, por democracia se entende um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) que consentem a mais ampla e segura participação da maior parte dos cidadãos, em forma direta ou indireta, nas decisões que interessam a toda a coletividade. (Bobbio, 1983, p. 56)

Assim, tentar-se-á entender quais foram as regras do jogo para participação dos cidadãos brasileiros ao longo da breve história democrática do país.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a República Federativa do Brasil, constituída em um Estado Democrático de Direito, conforme seu preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Os objetivos do Estado Democrático brasileiro são a garantia de exercício dos direitos sociais e individuais, estes últimos remontam às batalhas iluministas francesas contra o absolutismo explanadas anteriormente.

No entanto, antes de esta ainda tão nova Constituição se firmar, o Brasil foi palco de momentos autoritários e regimes ditatoriais, com breves períodos democráticos, ou de tentativas democráticas, entre eles.

Apesar de a jornada democrática ter sido turbulenta, o país conquistou importantes feitos no que diz respeito à participação dos cidadãos tanto nas eleições quanto em discussões de aspectos importantes para a inclusão social e estratégias públicas como assistência social, direitos humanos, política para mulheres, cultura, dentre outros. Esta participação popular na discussão será aprofundada mais adiante.

Por ora, nos deteremos a desenvolver brevemente alguns dos caminhos percorridos pela nação até se encontrar sob a guarda da Carta Magna de 1988 e da democracia.