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Breve contexto da entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial

Perseguição a núcleos de imigrantes, nacionalização de escolas, proibição de circulação de jornais em outros idiomas, campos de confinamento no período de guerra: informações como estas podem ser facilmente ligadas ao período Varguista e à campanha nacionalista do Estado Novo; todavia, durante a Primeira Guerra Mundial, todas essas citações também ocorreram no Brasil, evidentemente não na mesma intensidade. Neste capítulo, será discutida a maneira como a imprensa paulista divulgou o “perigo alemão” e a vigilância policial sobre os alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Entretanto, se faz necessário um breve contexto da declaração de guerra do Brasil à Alemanha.

Em 4 de agosto de 1914, o Brasil declarou-se oficialmente neutro na Primeira Guerra Mundial. Com isso, houve somente um ataque a um navio brasileiro, o Rio Branco, que foi afundado no dia 3 de maio de 1916 por um submarino alemão; entretanto, o navio se encontrava em águas restritas, estando a serviço dos ingleses e com uma tripulação de maioria norueguesa. Devido a tais fatores, o fato gerou comoção nacional, mas não poderia ser considerado como um ato ilegal dos alemães.

A situação social e econômica do Brasil, mesmo sendo neutro, no início da guerra, era bastante complicada. Possuía sua economia fundamentada apenas na exportação de um produto, o café. Por este não ser um produto essencial, suas exportações, assim como as rendas alfandegárias, diminuíram consideravelmente com o conflito. O quadro se tornou ainda mais crítico com o bloqueio alemão, e, posteriormente, com a proibição à importação do café em 1917, realizada pela Inglaterra, uma vez que a mesma passou a considerar o espaço de carga nos navios somente aos produtos vitais, levando em conta as

grandes perdas causadas pelos afundamentos de navios mercantes pelos alemães123.

Com a decisão do Império Alemão de autorizar seus submarinos a atacarem qualquer navio que entrasse nas zonas de bloqueio, as relações entre o Brasil e a Alemanha foram abaladas. Assim, no dia 5 de abril de 1917, um dos maiores navios da marinha mercante, o vapor brasileiro Paraná, com 4.466 toneladas, carregado de café, foi torpedeado por um submarino alemão, na França, matando três brasileiros. O ataque ocorreu, mesmo o navio brasileiro estando de acordo com as exigências feitas a países neutros.

Decorridos seis meses do abatimento do navio Paraná, nas proximidades do Canal da Mancha, outra embarcação brasileira, o encouraçado Macau, foi atacada pelos alemães. A população se mostrava indignada e exigia das autoridades uma resposta contundente. Portanto, a participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial, se deu devido a uma série de episódios envolvendo embarcações brasileiras na Europa, como mencionado anteriormente124.

O então presidente, Venceslau Brás, firmou aliança com os países da Tríplice Entente (Estados Unidos, Inglaterra e França) opondo-se ao grupo da Tríplice Aliança, composta pelo Império Austro-Húngaro, Alemanha e Império Turco-Otomano. Por não possuir uma tecnologia bélica expressiva, o Brasil teve uma participação bastante tímida, na Primeira Guerra, tendo, entre algumas ações, o envio de pilotos de avião, o oferecimento de navios militares e o apoio médico.

A presença e apoio brasileiros foram muito mais significativos, com o envio de matéria-prima e suprimentos agrícolas, procurados pelas nações beligerantes. As implicações da Primeira Guerra, na economia do Brasil, foram de suma importância, haja vista que a retração econômica sofrida pelas

123 Bueno, C. Política externa da primeira república: os anos de apogeu – de 1902 a 1918.

São Paulo: Paz e terra, 2003, p. 115 e posteriores. 124

VINHOSA, F. L. T. O Brasil e a Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1990, p. 120.

grandes nações industriais europeias, possibilitou que a industrialização se desenvolvesse em nosso país.

Como se viu anteriormente, o Brasil entrou “efetivamente” no cenário da Primeira Guerra, em outubro de 1917, ao lado dos Aliados. No entanto, faz-se indispensável salientar que os interesses dos países Aliados, principalmente da Inglaterra, já permeavam o Brasil, nos primeiros meses da guerra, em 1914. Visando objetivamente à conquista completa dos mercados internacionais brasileiros, a Inglaterra, trazendo como subsídios a guerra contra a Alemanha, tentou implantar no mercado um boicote aos produtos alemães aqui comercializados. A “ideia” inglesa passou a ser divulgada nos jornais, boletins e circulares, buscando atingir a população brasileira, fazendo-a aderir firmemente a tal propósito. Em sua obra “A illusão brazileira”, Abranches menciona acerca do fato:

(...) Improvisaram-se meetings á sombra de boletins incendiarios em que se pregava o repudio a tudo que nos viera ou continuasse a vir da Allemanha. (...) Em uma palavra, espalharam-se milheiros de circulares, redigidas na linguagem altisonante dos manifestos civicos, convidando todos os brazileiros, empenhados

moralmente naquelle instante com as nações alliadas na defeza da civilização e da raça latina, a não

comprarem um só objecto nas casas allemães ou que fosse de fabricação germanica!(...)125

O plano inglês, a princípio, não obteve o êxito esperado; a população brasileira e o comércio interno não demonstraram a sensação de repúdio pretendida. Todavia, as tentativas da Inglaterra em incitar a opinião pública contra os alemães, a fim de afastá-los da concorrência aos mercados internos não cessaram, e quando menos se esperava os ingleses instituíram, até mesmo para os países neutros na guerra, a Black-List, ou Lista Negra.

125 ABRANCHES, op. cit., p. 246.

Segundo Abranches126, o ato inglês foi a mais séria violência praticada pelos ingleses, devendo ser denominado como monstruoso, uma afronta à soberania e à neutralidade, perturbando profundamente a economia interna desses países.

A Lista Negra consistia em um documento, no qual constava o nome de empresas e indivíduos “inimigos” alemães, que deveriam ser banidos do comércio e da sociedade dos países neutros e aliados, ou seja, estabelecimentos em que a população não poderia adquirir seus produtos ou realizar qualquer tipo de transação comercial. Havia uma intensa e rigorosa fiscalização realizada pelas embaixadas, legações e consulados ingleses e um efetivo sistema de espionagem política, militar e comercial que faziam valer as especificações contidas na Black-List. A respeito da fiscalização empreendida, Abranches nos aponta:

(...) A’s embaixadas e legações estão entregues a questões politicas e militares; aos consulados, foi confiada a tarefa commercial. Até ahi nada ha de censuravel nos methodos inglezes que são, aliás, identicos aos das outras potencias belligerantes. Mas, quando o gabinete inglez decidiu ampliar a Lista Negra, de modo a estender o caracter inimigo aos súbditos de nações neutras, a funcção dos cônsules britannicos, que até então havia sido apenas de informantes do seu governo, passou a ser judiciaria. (...) A differença que acontecia quando a Lista Negra apenas inclui os nomes de individuos e firmas inimigas e o que ocorre agora que o rigor britannico se applica tambem aos neutros, póde ser facilmente apprenhendida. (...)127

O impacto da Lista Negra no Brasil foi considerável, alguns comerciantes de estados como o Rio de Janeiro, não respeitaram as determinações impostas e mantiveram “clandestinamente” contatos comerciais e/ou pessoais com as empresas alemães, chegando a solicitarem intervenção do governo na delicada situação, uma vez que as empresas listadas eram primordiais para a nossa economia interna, Abranches cita:

126 Idem. 127

O commercio portuguez no Rio de Janeiro mostrava desta forma que não haviamos commetido um exagero quando, na nossa carta-official, endereçada ao Presidente da República, apontando os perigos que poderiam advir para a economia brazileira si amanhã a Allemanha resolvesse tambem organizar uma Lista

Negra para o Brazil nos mesmos termos da ingleza (...)

o elemento germanico, como tambem o chamado teuto-brazileiro, não representa hoje apenas o commercio intermediario; não é só o grande commisario da importação, o maior exportador, o mais habil banqueiro, o melhor cliente e o mais liberal dos credores mercantis (...) é industrial, é lavrador e, acima de tudo, em largas zonas, já chega a ser o pequeno, o precioso cultivador dos generos de primeira necessidade (...)128

3.2 Os jornais e o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e