• Nenhum resultado encontrado

Germanofobia: perigo latente ou fobia aos alemães?

A migração alemã foi enfaticamente discutida, tanto no cenário brasileiro como no alemão, na transposição entre os séculos XIX e XX. A questão referente à desejável influência eugênica era um fator bastante considerado entre a intelectualidade brasileira; já os políticos e cientistas alemães focavam a região sul do Brasil como sendo o destino ideal para a emigração alemã. Brasil e Alemanha apresentavam interesses específicos e opostos, relacionados à migração alemã (branqueamento da população e Deutschtum, respectivamente), e, com isso, culminaram diversos conflitos, entre os anos de 1889 e 1918.

A imigração estrangeira no Brasil era considerada necessária, devido à demanda por mão-de-obra, em especial com o fim da escravidão, ocorrida em 1888. Visando a amenizar a falta de trabalhadores, o país lançou, como uma de suas alternativas, um sistema de parceria com outros países, entre eles a Alemanha. Com a nova configuração política – o estado-nação - redesenhada pela Alemanha, que se tornara formalmente nação imperial em 1884, e pelo Brasil, que teve sua República proclamada em 1889, ambos os países passaram a discutir acerca das questões referentes à identidade nacional.

A partir de então, iniciou-se, com os intelectuais brasileiros, entre eles cientistas, historiadores e políticos, uma grande preocupação com fatores que, segundo eles, refletiriam diretamente na formação da identidade nacional, como a origem dos imigrantes e sua integração com a sociedade receptora.

Na Alemanha, porém, os destinos preferidos para a emigração, assim como as expansões coloniais, começaram a ser discutidos a partir do prisma imperialista, uma vez que os imigrantes aqui radicados passaram a ser vistos como mercado consumidor, em potencial, de produtos industrializados alemães.

Sobre o reflexo da corrida imperialista e a possível anexação dos territórios meridionais do Brasil, o jornal Germania se posiciona da seguinte maneira:

O Brasil e os alemães:

De uma anexação política de uma parte do Brasil só pode falar alguém que jamais viu esse país e que imagina que ele seja uma caricatura de Estado como os que são dominados pelos pequenos príncipes da Índia. Esquece-se aí que se está falando de um Estado completamente civilizado, com o qual seria preciso fazer uma guerra regular para poder arrancar-lhe algumas províncias. Para a conquista e manutenção de cada uma das 20 províncias precisar-se-iam não menos que 20.000 homens, o que resulta num exercito de 400.00 soldados. Mas quem andou acalentando essa idéia? Jornais franceses o fizeram, pondo-se advertir os brasileiros sobre as más intenções de Bismarck. Seguramente essa fonte não é insuspeita. Os franceses são os rivais comerciais dos alemães; em termos de comércio, nos últimos anos os franceses perderam algum terreno no Brasil, enquanto os alemães ganharam terreno. Só uma fantasia de faro infantil é que pode entregar-se seriamente a esses pensamentos pervertidos. 105.

Mediante o excerto mencionado, nota-se primeiramente que o autor buscava legitimar a impossibilidade de invasão do território brasileiro, sob o prisma militar e, em seguida, destacava a rivalidade entre a Alemanha e a França, sobretudo em decorrência da disputa por mercados consumidores de produtos industrializados. Ao se analisar a planilha de relações comerciais de importação e de exportação do período, compreende-se, de maneira mais segura, a posição do autor. Mircea Buescu106 apresenta os seguintes dados:

105 Jornal Germania, 19 de março de 1889. Matéria: O Brasil e os alemães, autor Carlos

Bolle.

Quadro 10.4

Distribuição das Exportações (Em % do valor total)

1903 1912 1919 1930 1938 Estados Unidos 41,2 39,1 40,7 40,5 34,3 Inglaterra 19,3 11,9 7,2 8,1 8,8 Alemanha 14,8 14,3 2,5 11,0 19,1 França 9,4 9,8 21,3 9,0 6,4 Argentina 2,1 3,9 8,0 7,1 4,5

Total dos 5 países 86,8 79 79,7 75,7 73,1

Fonte: Buescu, M. Evolução Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Apec, 1977. p. 161. Quadro 10.9

Distribuição das Importações (Em % do valor total)

1903 1914 1928 1938 1945 Estados Unidos 11,3 17,5 24,1 24,2 55,1 Inglaterra 28,3 23,8 19,4 10,4 4,0 Alemanha 12,3 16,1 11,4 25,0 - França 8,8 7,8 5,0 3,2 0,0 Portugal 7,2 5,1 1,9 1,6 3,0 Argentina 8,9 9,6 13,4 11,8 21,6

Total dos 6 países 76,8 79,9 75,2 76,2 83,7

Fonte: Buescu, M. Evolução Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Apec, 1977. p. 164. Ao se analisarem as tabelas acima, sobre as relações comerciais do Brasil, é evidente o predomínio das exportações para os E.U.A, e das importações da Inglaterra - ressaltando que o balizamento interessante ao estudo compreende o período entre 1903 e 1914 - , todavia no que tange as relações entre Brasil – Alemanha e Brasil – França, apresenta-se uma considerável diferença, em que se mostra o crescimento relativo nos valores das importações entre Brasil e Alemanha, crescendo percentualmente, aproximadamente, 4% durante o período, enquanto a França apresentou queda de 1%.

Essa concorrência mercadológica fez com que a França propagasse que os interesses da Alemanha, no Brasil, não se restringiam apenas aos setores comerciais, mas sim a uma possível incorporação da região meridional brasileira, corroborando a disseminação da ideia de “perigo alemão”. O mapa

abaixo foi extraído da obra francesa O Plano Pangermanista Desmascarado107

, de autoria de Andre Chéradame e que traz certa dimensão sobre a visão e as intenções do governo francês:

Por outro lado, existiam obras que buscavam desmistificar tais presunções, acrescentando que o “perigo alemão” nada mais era que o fruto de imaginações férteis, chegando até mesmo a se supor que, se havia um perigo iminente de ordem imperialista, esse seria Francês ou Inglês e não Alemão, Dunshee Abranches, faz a seguinte observação em sua obra a Ilusão Brasileira:

A Alemanha não somente não teria necessidade de taes anexações [...] cujo o principal objetivo é anexar territórios europeus, contíguos às suas principais fronteiras [...] Dos dois perigos [“perigo alemão” e

inglês] , com que desde já nos apavoram, o britânico é

o que, em uma rápida síntese, mais facilmente se pode entre nós demonstrar em suas raízes históricas. A Grã- Bretanha e a França foram sempre as nações, que

107

desde a nossa independência, mais nos tem oprimido e maltratado até hoje. Durante mais de meio século, pode se dizer que não houve um ano em que uma ou outra nação não nos infligisse as mai tristes humilhações.108

Essa citação traz uma observação interessante, além de desmistificar o “perigo alemão”, alude a novos ‘perigos’, no caso o britânico e o francês, demonstrando que o território brasileiro vivia sob constante risco de secessão de proporções territoriais.

Mediante as citações mencionadas anteriormente, nota-se que o contexto imperialista refletia-se diretamente na discussão do “perigo alemão” no Brasil, todavia países como a França e a Inglaterra buscavam justificar o “perigo alemão”, não sob a ótica comercial, mas sim sob as concepções de que os imigrantes alemães e seus descendentes mantinham-se culturalmente ligados à Alemanha, mostrando-se como ameaça aos interesses brasileiros.

O jornal Germania, no ano de 1904, abria espaço, em sua folha, para uma extensa discussão sobre assimilação, mensurando que não existia um “perigo alemão”, mas uma perseguição aos alemães a que o jornal intitula Germanofobia. O Germania abre sua série da seguinte maneira:

Germanofobia

Repetidas vezes nós já nos ocupamos com as manifestações nativistas, que são diretamente direcionadas contra o elemento germânico, e que periodicamente apareceram no jornal “O estado”, e que tem como autor um Sr. “P.P” que assina seu artigo anonimamente. O Sr. “P.P” vê a sua pátria diante de um grande perigo, ameaçado pelos alemães, e teme que os três estados do sul, nas quais os teuto-brasileiros formam uma acentuada parcela da população, sejam, mais cedo ou mais tarde, anexados pela Alemanha, ou que os luso- brasileiros venham a ser absorvidos pelas teuto- brasileiros. O Sr. “P.P” publicou novamente na edição de sábado do “O Estado”, sob o título “A Colonização alemã”, mais um artigo gerado pela sua excitada fantasia109.

108 Abranches, D. A ilusão brasileira. Rio de Janeiro: imprensa nacional, 1917. p. 362-365. 109 Jornal Germania, 18 de outubro de 1904, capa. Matéria: Germanofobia. Jornalista,

Este trecho é representativo, pois mostra uma exaustão relacionada à discussão da ameaça alemã, [Repetidas vezes], também há indagação pelo jornalista que assina a matéria, nos artigos seguintes, independentemente do conteúdo, que uma constante é finalizar a réplica ao jornal O Estado de São Paulo questionando: se os alemães representam uma ameaça, por que o senhor P.P não mostra sua face? Questionando a autoria das informações, Carlos Bolle, apresentava-se como fonte fidedigna e confiável ao público leitor.

Assim como no jornal O Estado de São Paulo, as matérias que tratavam sobre o “perigo alemão”, apresentavam notável importância, sempre expostas na primeira página, ocupando aproximadamente 70% da mesma, locada em colunas assinadas, sendo prioritariamente a primeira matéria à disposição do leitor. O periódico Germania tinha como fulcro nevrálgico ser o porta voz da comunidade alemã paulista, buscando responder às acusações dirigidas pelo Estado de São Paulo. Em continuação ao artigo anterior, o jornal Germania adentra em uma discussão melindrosa sobre assimilação:

Germanofobia

Os alemães não se deixam assimilar: os alemães querem formar um "Estado dentro do Estado" - O que e que Imaginam esses cavalheiros, para os quais a assimilação não transcorre com rapidez suficiente, ser o processo de assimilação? Os alemães estão muito longe de querer construir um Estado dentro do Estado ou sequer querer construir com a sua especificidade uma parte dentro do todo. Elementos humanos tão radicalmente diferenciados como os alemães e os brasileiros, naturalmente assimilam-se muito lentamente [...] Não existe uma base que possibilita o processo de fusão. No que tange aos costumes que os germano-brasileiros herdaram dos seus antepassados seria profundamente lamentável, se eles os abandonassem, pois abandonariam simultaneamente uma parte da sua própria personalidade. (Germania 27/10/1904). Uma mudança nesta condição seria possível através da melhoria do nível de escolaridade e da possibilidade da instalação de muitas escolas estaduais. É obvio que os mentores pedagógicos destas escolas devem ter plano conhecimento de ambos os idiomas alemão e português. (22/10/1904)

A condição de ocupantes de terras devolutas, e o descaso do governo federal, fizeram com que as comunidades alemãs se organizassem, para sanar algumas deficiências como, por exemplo, associações beneficentes e construção de escolas comunitárias110, em que as aulas e os conteúdos eram lecionados em alemão. Nesse excerto, Carlos Bolle (jornalista que redige todas as matérias sobre a Germanofobia), posicionava-se a favor da criação de escola estatuais que possibilitassem a fusão das culturas alemã e brasileira, mencionando, como ressalva, que o docente tivesse a fluência em ambos os idiomas.

Com relação ao idioma, são dignos de nota os embates entre os dois jornais, pois a preservação da língua alemã, segundo o jornal O Estado de São Paulo, seria justificativa primordial do não abrasileiramento dos alemães. Em reposta o Germania realça:

Germanofobia

Por outro lado é de se considerar que a vida social na Alemanha era radicalmente diferente da vida social no Brasil, que os hábitos e costumes dos povos da etnia germânica diferem grandemente dos povos oriundos das etnias romanas, e que os de menor nível cultural, do quais se compunha o grosso dos imigrantes, tinham grande dificuldade em assimilar um idioma estranho e até mesmo um idioma próximo. [...] É inconcebível que exista um numero tão grande de brasileiros cultos e instruídos que ainda vêem uma ameaça á sua pátria e aos seus costumes, quando nos três estados do sul uma expressiva parte da população se utiliza do idioma alemão no trato do dia-a-dia. É inimaginável que o idioma do país seja, algum dia suprimido em função do idioma alemão, como também nos Estados Unidos, onde em algumas partes do país o elemento germânico é predominante, o idioma inglês não foi suprimido. [...] Pode-se ser um bom brasileiro, amar realmente este belo e grande país, sem dominar o idioma português com a total perfeição como, por exemplo, pretendem o germanofobos autores brasileiros111.

110 Cabe lembrar que nessas escolas comunitárias a maioria dos professores tinha apenas

o domínio do idioma alemão, deste modo o ensino se dava a partir da língua alemã. SIRIANI, op. cit., p. 87.

111 Jornal Germania, 27 de outubro de 1904. Matéria: Germanofobia, capa. Matéria Carlos

Não é foco deste trabalho o aprofundamento no embate entre identidades distintas, entretanto, o tema assimilação e enquistamento étnico é uma constante na veiculação do “perigo alemão”, principalmente no que tange à preservação do idioma, fazendo-se de suma importância uma breve explanação acerca de tais temas.

Abordar a questão da assimilação dos teuto-brasileiros é algo complexo, devido à sua multiplicidade de interpretações. Segundo alguns autores112, as causas do embate étnico, entre assimilação e preservação cultural, no caso dos teuto-brasileiros, se dá principalmente pelo fato de cada grupo envolvido no debate interpretar especificidades como Nacionalidade e Cidadania de maneira dicotômica.

Pela ótica brasileira, a nacionalidade advém pelo principio de jus soli, ou seja, a nação é definida pelo local de nascimento. A concepção dos teuto- brasileiros não está vinculada ao local de nascimento, mas sim a uma ligação cultural, definida pelos termos Deutschtun e Volkstum, segundo Seyferth:

Deutschtun e Volkstum, portanto, trazem consigo a idéia de que a nacionalidade é herdada, produto de um desenvolvimento físico, espiritual e moral: um alemão é sempre alemão, ainda que tenha nascido em outro país. Nesse sentido, nacionalidade e cidadania não se misturam. A nação é um fenômeno étnico-cultural e, por isto mesmo não tem limites políticos; quanto à nacionalidade, significa basicamente a vinculação a

Volk (povo) e não a um Estado. É a cidadania que liga

um individuo a um Estado e, portanto, expressa sua identidade política.

112 Seyferth, G. Nacionalismo e identidade étnica: a ideologia germanista e o grupo étnico

teuto brasileiro numa comunidade do Vale do Itajaí. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. Dreher, M. N. Igreja e germanidade. São Leopoldo: Sinodal, 1984. Gertz, R. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. Magalhães, M. D. B. Alemanha mãe-pátria distante. Campinas: Unicamp, 1993. (Tese de Doutorado). Dickie, M. A. S. Afetos e circunstâncias; um estudo sobre os Mucker e seu tempo. USP: 1996. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1996. Grützmann, I. A mágica flor azul: a canção em língua alemã e o germanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, PUCRS, 1999. Tese (Doutorado), Faculdade de Letras, Curso de Pós-Graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica do RGS, 1999. Cem anos de germanidade – 1824- 1924. Trad. por Arthur Blasio Rambo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2000.

Todavia divergências nas concepções de nacionalidade e cidadania não são peculiaridades dos teuto-brasileiros, mas sim uma característica decorrente do processo migratório do século XIX, Eric Hobsbawm apresenta:

A identificação das nações como território exclusivo criou tais problemas e amplas áreas do mundo de imigração e massa [...] que foi preciso desenvolver uma definição alternativa da nacionalidade. A nacionalidade era considerada inerente, não ao um trecho especial do mapa ao qual estaria ligado um conjunto de habitantes, mas aos membros desses conjuntos, aos homens e mulheres que considerassem pertencentes a uma nacionalidade, onde quer que por acaso estivessem. Como tais, esses membros de uma nacionalidade, gozariam de “autonomia cultura113 ”.

Desse modo, os teuto-brasileiros reivindicavam a sua especificidade étnica, evidenciando que, falar alemão e preservar hábitos culturais, [Deutschtun] não impediria ninguém de ser um cidadão leal ao Brasil, como o jornal enfatizava “pode-se ser um bom brasileiro, amar realmente este belo e grande país, sem dominar o idioma português com a total perfeição como, por exemplo, pretendem o germanofobos autores brasileiros.114”

Ainda referente à questão do idioma, no dia 27 de outubro de 1904, o jornal Germania buscava justificar que a preocupação com a manutenção da língua não era cabível, uma vez que, em outros países, não existia apenas um idioma oficial:

Germanofobia

Tomemos por exemplo em primeiro plano a Suíça, onde francês, alemão e italiano tem os mesmos direitos. Adiante temos a Bélgica onde existe igualdade entra o francês e o flamengo, e até mesmo nas partes polonesas da Prússia o cidadão de língua polonesa pode se servir do seu idioma, como e onde lhe agrada. Pode-se, em face destes fatos, afirmar que o idioma do país seja substituído pelo alemão? – Porque então

113 Hobsbawm, E. J. A era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998,

p. 210.

114 Jornal Germania, 27 de outubro de 1904. Matéria: Germanofobia, capa. Matéria Carlos

parafrasear sobre um perigo que na realidade não existe? [...] Intolerância na área lingüística, principalmente nos países novos que necessitam de emigrantes tanto quanto a planta necessita de luz e ar para vicejar, é não menos perniciosa que a intolerância religiosa. Quanto mais tolerância se praticar para como o emigrante, quanto menos se interferir nos seus hábitos de vida, tanto mais rápida será sua adaptação às novas circunstancias, e tanto mais breve ele se tornará um membro útil na sociedade na qual terá de conviver. Além disso, o português nem é o idioma do país, é tido como tal por ser falado pela maioria da população e por ser o idioma oficial. O idioma dos verdadeiros brasileiros, ou seja, dos legítimos senhores do país é o Guarani ou Tupi, e fundamentalmente o português não tem maiores direitos que o alemão, o italiano ou qualquer outro idioma115.

Carlos Bolle, nessa publicação, norteia seus pressupostos, referindo-se a nações que buscam conviver naturalmente com a presença de outros idiomas, sem que os grupos minoritários representem algum tipo de ameaça à legitimidade territorial e nacional, questionando, de maneira contundente, a falta de discernimento do jornal O Estado de São Paulo, que insistentemente tecia comentários a respeito. Buscando, através de indagações plausíveis, refletir sobre quais eram os reais objetivos da imprensa paulista, em proferir acusações infundadas a um perigo que não existia, ou seja, o autor além de refutar as ideias de “perigo alemão”, constrói um argumento favorável aos imigrantes e revela seu pesar pelos acontecimentos.

Outro aspecto relevante da matéria é o contra-argumento construído pelo jornalista. Ora, da mesma maneira que o idioma alemão contrariava o oficial, o idioma português, não poderia ser visto como tal, pois, segundo o autor, a legitimidade do idioma deveria ser dos povos indígenas, que ocupam o território brasileiro anteriormente à chegada do europeu. Sendo assim, Carlos Bolle rebate as acusações com posicionamento pertinente e, polêmico.

Finalizando as discussões sobre assimilação e enquistamento, o Germania abriu espaço para outra análise, convicto de que o “perigo alemão”

115 Jornal Germania, 27 de outubro de 1904. Matéria: Germanofobia, capa. Matéria Carlos

não era uma criação dos jornais brasileiros, mas sim reflexo de uma conjunção política imperialista norte-americana, inglesa e francesa, aliado aos ideais fantasmagóricos116 proferidos pela Liga Pangermânica, abrindo espaço para uma série de artigos, questionando os intuitos da Liga e como os mesmos prejudicavam os alemães residentes em outros países.

Como afirmou-se anteriormente, na Introdução, os preceitos divulgados pela Liga Pangermânica ecoavam diretamente nas colônias alemãs, pelo lado econômico, com patrocínio de periódicos, igrejas, instituições e principialmente de escolas, investindo em construções, cedendo material didáticos e enviando professores para o Brasil117, com objetivo de preparar gerações vindouras para possíveis intuitos da Liga, sendo estes:

1) A Liga Pangermânica pretende a animação do caráter nacional alemão em todo o mundo, a conservação da índole e dos costumes alemães na Europa e além-mar e a união total do Deutschtum. Os grupos da Liga Pangermânica nos respectivos países decidem, por si, de acordo com a direção central... 2) Quando os meios adequados para alcançar esses

objetivos foram considerados pela Liga Pangermânica sem prejuízo para o parágrafo 1, os grupos preservarão sua autonomia: 1. Animação da consciência nacionalista na pátria e campanha contra todos os desenvolvimentos nacionais de direção contrária; 2. Solução das questões das constituições, educação e escola nos espírito do nacionalismo alemão; 3. Cuidado e proteção dos esforços nacionais alemães em todos os países onde existem afiliados do nosso POVO, e lutar pela manutenção da sua particularidade, e a concentração de todos os alemães do mundo para este objetivo; 4. Exigência de uma enérgica política de interesses alemães na Europa e além-mar, especialmente da continuação do movimento colonial alemão com resultados práticos. 3) Cada alemão integro pode ser membro da Liga

Pangermânica, sem levar em conta sua cidadania118.

Posicionamentos tão radicais adjuntos a um nacionalismo exacerbado levaram o jornal Germania a questionar os anseios e os objetivos da Liga,

116 Idem.

117 Magalhães, op. cit., p. 133, 1993. 118 Seyferth, op. cit., p. 45, 1976.

enfatizando que parte da repercussão sobre o “perigo alemão” era advinda das propagandas disseminadas pela Liga, transformando-se em um empecilho para os teuto-brasileiros. Vale lembrar que, nos jornais consultados, mediante balizamento temporal, apenas o Germania questionava essa instituição, descrevendo-a como:

Eles [Liga Pangermânica] não mais se limitavam em fazer propaganda pela incorporação de territórios sem