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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP LEONARDO NUNES PEREIRA FERNANDES

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Academic year: 2018

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LEONARDO NUNES PEREIRA FERNANDES

“PERIGO ALEMÃO OU GERMANOFOBIA”? OS ALEMÃES

EM SÃO PAULO ENTRE 1889 E 1918

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

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LEONARDO NUNES PEREIRA FERNANDES

“PERIGO ALEMÃO OU GERMANOFOBIA”? OS ALEMÃES

EM SÃO PAULO ENTRE 1889 E 1918

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em História Social, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Estefânia Knotz Canguçu Fraga.

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Banca Examinadora

_________________________________________________

_________________________________________________

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Primeiramente ao Grande Arquiteto do Universo.

À Capes pela bolsa concedida no último ano de pesquisa.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pelo ambiente propício ao desenvolvimento acadêmico de Qualidade.

Aos professores que lecionaram as disciplinas do curso de mestrado, Antonio Rago, Maria Antonieta, Maria Odila, Maria do Rosário, aos professores da banca de qualificação Antonio Totta e Vera Lúcia muito obrigado. Ao professor Antonio ZIlmar, pelos conselhos, disponibilidade e sugestões durante este trabalho. À professora Célia, que revisou este trabalho com tanto critério e carinho. E, especialmente a Profª Drª Estefânia Knotz Canguçu Fraga, por toda atenção, incentivo, paciência e porque não pelas cobranças, fatores fundamentais para a conclusão desta dissertação de mestrado, professora, muito obrigado.

Aos amigos de sala de aula, Felipe, Luciano, Marcelo, Regis e Rafael.

Aos funcionários do Arquivo Público do Estado de São Paulo, a Michaela Stork, do Instituto Martius-Staden que contribuiu, não somente com a digitalização dos exemplares do Germania utilizado na pesquisa, como também com informações sobre a comunidade Alemã de São Paulo. Muito obrigado Michaela.

Ao meu referencial, José Luis Vasquinho, professor do ensino médio que fez despertar em mim a paixão pela História. Aos meus alunos do ensino médio do Colégio da Polícia Militar (Centro).

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À minha base, meus irmãos, Hernanda, Leandro e Ricardo pela inspiração e compreensão em muitos momentos de ausência.

Aos meus heróis de infância, meu pai (Hermes) e minha mãe (Josefa), que apesar de toda dificuldade empreendida pela vida, educaram a mim e aos meus irmãos. Absolutamente tudo que tenho hoje é exclusivamente advindo de um metalúrgico e de uma empregada doméstica. Mãe-Pai qualquer agradecimento não seria suficiente, as palavras não conseguem expressar minha veneração a vocês.

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Você não sabe o quanto eu caminhei, pra chegar até aqui, percorri milhas e milhas antes de dormir, eu nem cochilei. Os mais belos montes escalei...

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O que é o perigo alemão? Ele realmente existiu? Ou apenas perscrutava o imaginário da sociedade? Os franceses, diante da derrota na Guerra Franco-Prussiana, seguidos pelos americanos inspirados nos ideários da Doutrina Monroe, foram os principais divulgadores da tese do “perigo alemão” que consistia na probabilidade de as colônias do Sul do Brasil representarem o ponto de entrada para expansão imperialista alemã na América. Tão logo tais justificativas e argumentos ideológicos eclodiram em território nacional, acabaram influenciando as elites brasileiras e permitindo que se difundisse aqui a iminência do perigo estrangeiro, que acabou por afetar, diretamente, as colônias alemãs. Este trabalho tem como fulcro nevrálgico discutir o perigo alemão na cidade de São Paulo, no balizamento temporal entre 1889 a 1918. Busca enfatizar as perseguições e as vigilâncias empreendidas contra os alemães e teuto-brasileiros, através da análise dos periódicos Germania, O Estado de São Paulo e a Gazeta, assim como dos prontuários policiais, estabelecendo um paralelo entre as publicações feitas pelos jornais, condizentes co o “perigo alemão”, e o reflexo das mesmas, na sociedade paulistana, demonstrando que a ideia de “perigo alemão” foi, ainda mais, legitimada e disseminada entre a população, devido às veiculações por parte da imprensa.

Palavras-chave: Perigo alemão, Alemães em São Paulo, Periódicos, Prontuários Policias.

ABSTRACT

The danger is that German? He really exist? Or just prefaced the imagination of society? The French, before the defeat in the Franco-Prussian War, followed by Americans inspired by the ideals of the Monroe Doctrine, were the main promoters of the thesis of "German danger" which was the probability of the colonies in southern Brazil represent the entry point for expansion German imperialism in America.

As soon as such ideological justifications and arguments broke out in the country and in turn influenced the Brazilian elites and allowing here would spread abroad the impending danger, which eventually affect, directly, the German colonies. This work has the nerve to discuss the core German danger in the city of São Paulo, marking time between 1889 to 1918. Seeks to highlight the persecution and surveillance campaign against the German Teutonic-Brazilian and through periodic analysis of Germania, O

Estado de Sao Paulo and Gazeta, as well as

the police records. Performing a parallel between the publications made by the newspapers, consistent and reflect the danger of German society in the same venues, showing that the German idea of danger was even more legitimate and widespread among the population due to placements by the press.

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INTRODUÇÃO ... 8

CAPÍTULO I O PERIGO ALEMÃO SOB A ÓTICA DO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO... 28

1. 1 O imigrante alemão em São Paulo ... 28

1.2 O perigo alemão no jornal O Estado de São Paulo ... 36

CAPÍTULO II GERMANOFOBIA: PERIGO LATENTE OU FOBIA AOS ALEMÃES? A VISÃO DO PERIÓDICO GERMANIA... 62

2.1 A imprensa alemã em São Paulo ... 62

2.2 Germanofobia: perigo latente ou fobia aos alemães? ... 66

CAPÍTULO III A COMUNIDADE ALEMÃ EM SÃO PAULO DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL: PERSEGUIDA PELOS JORNAIS E VIGIADA PELA POLÍCIA ... 82

3.1 Breve contexto da entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial .. 82

3.2 Os jornais e o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha ... 86

3.3 “Boches” Malditos: os alemães em São Paulo durante a Primeira Guerra Mundial segundo o Jornal A Gazeta ... 97

3.4 A vigilância policial sobre os alemães durante a Primeira Guerra Mundial ... 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 118

FONTES ... 122

BIBLIOGRAFIA ... 124

ARTIGOS ... 129

(9)

INTRODUÇÃO

As relações entre Brasil e Alemanha, no decorrer dos séculos XIX e XX, deram-se de muitas formas. Contudo, este estudo focar-se-á em um processo ocorrido junto ao imigrante alemão, que aqui ingressara, por meio do processo de imigração, e que, dada uma junção de conjunturas nacionais e internacionais, passou a ser visto como ameaça à soberania da Nação.

A bibliografia sobre a imigração alemã para o Brasil, estudou a resistência dos alemães à integração na sociedade e à miscigenação, preservando suas características étnicas, os modos de vida e a língua, que se constituiu em forte símbolo de identidade germânica, sobretudo na região sul país. Segundo estudos, os imigrantes alemães mostraram-se resistentes ao processo de integração à sociedade receptora e à miscigenação, preservando suas características étnicas, nas regiões que ocupavam, cultivando muito dos modos de vida alemão e também a sua língua1.

Os alemães, tendo em vista a onda imigratória, recebida pelo Brasil, eram numericamente inferiores às demais nacionalidades que se aqui instalaram e se estabeleceram, em sua maior parte, na região sul do país, fazendo jus à política vigente, que tinha em conta a ocupação das terras devolutas.

Segundo Seyferth tem-se que:

A imigração alemã, numericamente, foi muito menos significativa do que a italiana, portuguesa, espanhola e japonesa. Também não apresentou período de maior afluxo, caracterizou-se por entradas mais ou menos constantes no período de 1850 a 1919, com aumento brusco na década de 1920, relacionados a dificuldade

do pós guerra na Alemanha2.

1 CAMPOS, C. M. A política da língua na era Vargas: proibição do falar alemão e resistência no sul do Brasil. Tese de doutorado. Campinas: Unicamp, 1998, p. 18.

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Percebe-se, por meio dessa afirmação que, mesmo sendo numericamente inferior, a população alemã e sua descendência alcançaram visibilidade, através, sobretudo, de notícias veiculadas em jornais de São Paulo, sobre a ameaça que representava a presença de alemães no país, especialmente em áreas onde se constituíram colônias pouco permeáveis aos contatos com a população brasileira

Dessa forma, o objetivo principal dessa pesquisa é o de estudar o “perigo alemão” e refletir sobre essa problemática a respeito da constituição da ideia de que os alemães representariam perigo para a nação brasileira, tendo, como temática central, as notícias, nos periódicos paulistanos sobre o perigo que os alemães poderiam representar para a segurança nacional. Assim, esta pesquisa intitula-se O “perigo alemão” ou Germanofobia? Os alemães em São

Paulo entre 1889 e 1918.

Muitas pesquisas foram desenvolvidas, tendo como foco os imigrantes no sul do país. No entanto, aqui será proposto um novo balizamento temporal (1889 - 1918), deslocando-se o olhar do eixo sul do Brasil, para voltá-lo à região sudeste, mais precisamente, para a cidade de São Paulo.

O recorte histórico selecionado -1889 a 1918 - abarca a Proclamação da República e o final da Primeira Guerra Mundial, e tem por intenção contribuir para os estudos historiográficos que envolvem o tema, dado que a maior parte dos principais estudos, até agora desenvolvidos, via de regra, ocupam-se da imigração alemã na região sul do país, fato compreensível, por ter sido nela que ocorreu a maior recepção de imigrantes de origem alemã e por ter sido o local em que se instauraram as maiores e mais representativas colônias de alemães.

(11)

associando-se a isto, o surgimento, na Alemanha, da Liga Pangermânica3 -

organização que incentivava os laços de pertencimento étnico – cujos ideais propostos ecoaram nas comunidades alemãs do Brasil e resultaram em debates entre os intelectuais. Tais questionamentos resultaram em contendas entre a intelectualidade e os políticos brasileiros, reproduzidas nas páginas de três jornais de grande circulação: O Estado de São Paulo, A Gazeta de São Paulo e o jornal da comunidade alemã Germania.

É oportuno lembrar que Nelson W. Sodré menciona, em sua obra

História da Imprensa no Brasil4, que a imprensa é, por muitas vezes, a

responsável pela difusão de ideias e de informações que refletem a sociedade à qual está inserida e, no período que compreende esta pesquisa, o jornal fazia-se muito presente entre as mais diversas camadas sociais; permitindo o acesso e a propagação de ideias dentre os seus leitores. Por fim, no que se refere ao período da Primeira Guerra, o foco recairá os prontuários policiais registrados na cidade de São Paulo, que possibilitarão um novo olhar sobre a questão.

Para que se possam aprofundar as questões propostas nesta pesquisa, é necessário fazer-se referência, tanto ao contexto político nacional quanto ao internacional, para se entender a temática que orienta a pesquisa sobre o potencial perigo representado pelos imigrantes alemães à unidade e segurança do território brasileiro.

É sabido que, no transcorrer do século XIX, os estados germânicos5 apresentavam estruturas organizacionais feudais, condições que seriam transpostas, a partir da derrota para o exército francês, que introduziu, nos territórios conquistados, os modelos de administração e economia fundamentados no código civil napoleônico. Tais conflitos exerceram influência

3 SEYFERTH, G. A Liga pangermânica e o “perigo alemão” no Brasil: Análise sobre dois Discursos Étnicos Irredutíveis. História. Questões e Debates, Curitiba, v. 5, n. 18/19, 1992. p. 113-156.

4 SODRÉ, N. W. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 96.

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na formação do nacionalismo alemão e posteriormente na consolidação do Estado alemão6.

O processo de unificação completou-se, na segunda metade do século XIX, quando os resquícios revolucionários de 1848, juntamente com o desenvolvimento industrial prussiano e a política de exaltação do espírito nacionalista, consolidaram a expansão dos territórios germânicos, confrontando, dessa forma, com os interesses de outros países e levando a Confederação Alemã a afrontar belicamente três países no período de sete anos, o que culminou na Guerra dos Ducados (1864), na Guerra Austro-Prussiana (1866) e, por fim, na Guerra Franco-Austro-Prussiana (1870 – 1871), sendo esta a responsável, efetivamente, por unificar os estados germânicos, a partir do Tratado de Frankfurt, que define Alsácia e parte da Lorena, como territórios do recém Império Alemão.

Posterior à Guerra Franco-Prussiana, de 1870/1871, e, mediante as indenizações de guerra que o lado derrotado concedeu em pagar, e a concentração de poder proporcionada pela fundação do Reich, retomou-se o

desenvolvimento industrial, que tinha como fulcro a formalização de um Império unificado territorialmente e próspero economicamente.

Deste modo, concomitantemente à expansão capitalista do século XIX, e com a entrada da Alemanha na corrida imperialista, em regiões africanas e asiáticas, cria-se nos países europeus o receio de que a Alemanha poderia anexar determinados territórios estratégicos na América. Os franceses, diante da derrota na Guerra Franco-Prussiana, seguidos pelos americanos inspirados nos ideários da Doutrina Monroe, foram os principais divulgadores7 da tese de ““perigo alemão””, que consistia na probabilidade de as colônias do Sul do Brasil representarem o ponto de entrada para a expansão imperialista alemã na

6 OLIVEIRA, R. S.“Colonização alemã e poder: a cidadania brasileira em construção”. Dissertação de Mestrado, UNB, Brasília 2008, p. 38.

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América. Tão logo tais justificativas e argumentos ideológicos eclodiram em território nacional, acabaram influenciando as elites brasileiras e permitindo que se difundisse aqui a iminência do perigo estrangeiro, que acabou por afetar, diretamente, as colônias alemãs, no Brasil.

Fato substancial para o fortalecimento da ideia de que os alemães eram representantes de um perigo que se instaurava em território nacional, é o pioneirismo desses imigrantes em território brasileiro, se comparados aos demais povos europeus não portugueses, uma vez que a imigração quantitativa dos mesmos só ocorreu por volta de 1870. A imigração alemã foi apoiada pelo governo brasileiro, a partir do decreto datado de 16 de março de 1820, que menciona:

Considerando a vontade de migrar que os diferentes povos da Alemanha e de outros países manifestam pelo excesso de suas populações e considerando oportuno o estabelecimento de colônias estrangeiras no seu Reino do Brasil, seja para bem deste mesmo Reino, seja para bem das famílias e pessoas que formarão as ditas colônias, Sua Fidelíssima Majestade Real se dignou determinar as condições sob as quais estes colonos deverão ser admitidos e as vantagens

que lhe serão outorgadas.8

Para Silvana Siriani, esse decreto pode ser associado a dois fatores incomuns: o primeiro relativo ao branqueamento da população, haja vista, que de 3.500.000 brasileiros havia 1.500.000 escravos9; o segundo, relativo á introdução e à ocupação de terras devolutas na região sul do Brasil, pois as tensões diplomáticas nas cisplatinas eram evidentes. Como contenção, o Brasil precaveu-se com a distribuição de terras para colonos10. Sendo assim, em 1824 chegaram as primeiras ondas migratórias para o povoamento dessas áreas.

8 SIRIANI, C. L. S. “Uma São Paulo Alemã: vida quotidiana dos imigrantes germânicos na região da capital (1827 – 1899)”. São Paulo: Ed imprensa oficial, 2003, p. 63.

9 Idem p. 46.

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Durante aproximadamente 50 anos, os alemães exerceram duplo papel no Brasil, pois, se de um lado, exerceram deliberadamente uma influência étnica desejada na formação do país, por outro, preservaram em suas colônias a identidade alemã. O “enquistamento étnico”, entendido aqui como a preservação de traços culturais típicos da nacionalidade de origem11, consolidaria, no imaginário brasileiro, as concepções de não assimilação e, por conseguinte, de ““perigo alemão”12”.

O sentimento de pertencimento identitário dos alemães é consequência, como afirma Giralda Seyfert, do próprio sistema de colonização empregado pelo Brasil.

Deve ser ressaltado, porém, que o isolamento étnico da maior parte da população de origem alemã estabelecida no Brasil, em parte, foi consequência do próprio sistema de colonização, através do qual os imigrantes europeus ocuparam terras devolutas, áreas pioneiras, sob controle direto ou indireto do Estado, sem qualquer preocupação com a integração destes à

sociedade brasileira13.

Pelo fato de estarem concentrados em determinados espaços geográficos relativamente isolados e por ocuparem áreas pioneiras e enfrentarem as dificuldades impostas pela situação, as colônias alemãs preservaram sua individualidade étnica, a partir dos casamentos endogâmicos, da criação de sociedades de ajuda mútua e da propagação dos ideários

Deutschtum14 (Germanidade ou Germanismo), que constituíam a valorização

dos costumes culturais, como a língua e a unidade étnica. A concepção

11 Não se diz que apenas os imigrantes alemães e seus descendentes mantiveram seus costumes e identidades ligados ao território de origem, muito pelo contrário, outros grupos como italianos, espanhóis e árabes também se mantiveram ligados às suas identidades, entretanto o que surge como indagação é: se os outros imigrantes também matinham seus laços étnicos, por que apenas os alemães eram vistos como perigo para nação?

13 SEYFERT, op. cit., p. 124, 1987.

14

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ideológica do Deutschtum advém do termo Volktum, tangenciado pelo

nacionalismo romântico – ufanista alemão do século XIX. Sendo assim, o prisma nacional era defendido por tradições culturais e não pela nacionalidade, desvinculando-o da eventual cidadania de outra nação.15

Em 1891, foi criada a Liga Pangermânica (“Alldeutscher Verband)16, que apoiava as associações, cujo intuito era preservar a nacionalidade alemã, tanto pelo lado financeiro quanto pelo ideológico, como destaca, em seu estudo, Marionilde Brepohl:

Divulgação e propagação dos planos expansionistas da germanidade, União integral da germanidade em todo mundo, Campanha em favor da germanidade no exterior17

Membros dessa instituição classificavam os colonos de origem alemã no Brasil como “alemães no exterior” (“Auslandsdeutsche”) e entendiam que a região das colônias de imigrantes alemães não poderia ser administrada como domínios ou protetorados coloniais, mas que, por representar o reino alemão e um potente mercado consumidor de produtos alemães, deveria ser beneficiada por uma política econômica sistemática, visando à obtenção de lucros com esse mercado em potencial. Dessa forma, as colônias existentes no Brasil eram vistas como possíveis fontes de renda para a Alemanha.

As ideias propagadas pela Liga Pangermânica incentivavam a conservação do Deutschtum18, sem ter em conta o local de nascimento do

alemão, pois a germanidade era uma questão herdada por laços culturais e permitia considerar alemão todo aquele que possuía “sangue alemão”. Tal condição permitia ser cidadão brasileiro (a cidadania), mas fiel à nacionalidade de seus antepassados de origem alemã (a origem). Portanto, duas concepções

15 Idem, p. 37.

16 MAGALHÃES, M. B. Pangermanismo e nazismo. A trajetória alemã rumo ao Brasil. Campinas: UNICAMP, 1998, p. 105.

17 Idem.

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de cidadania, uma brasileira, apoiada no jus solis, ligada ao território, e outra

apoiada no jus sanguinis19, fundamentam as concepções e valores étnicos.

Em tese que estuda o período - final do século XIX -, publicada em 1966, pelo historiador alemão Jurger Hell e intitulada A política do Império Alemão com vistas à transformação do sul do Brasil em uma Nova Alemanha

transatlântica (1890-1915), percebe-se que os ideais da Liga Pangermânica

não se faziam infundados, pois o interesse econômico pelas regiões brasileiras eram anteriores até mesmo, ao ingresso da Alemanha na corrida imperialista:

A ideia de uma ‘Nova Alemanha’ na América do Sul remonta a um memorando redigido... em 1826, e ela experimentou, na primeira metade do século XIX, formas as mais diversas, dentro do contexto de uma emigração em massa. Sua execução foi assumida, depois da criação do Império Alemão, pelos porta-vozes da indústria de exportação e pelos ‘entusiastas colonialistas’ provenientes dos setores sociais médios, os quais, entre outros, criaram o Zentralverein fur Handelsgeographie und Forderung Deutscher Interessen im Ausland [Sociedade Central de Geografia Comercial e de Fomento dos Interesses Alemães no Exterior], o Kolonialverein [Sociedade Colonial] (desde 1884), o Alldeutscher Verband [Liga Pangermânica] (desde 1891), orientando suas atividade para o sul do Brasil. Mesmo antes que a África entrasse no foco das atenções colonialistas, esses grupos concentraram sua atuação no sentido de transformar o sul do Brasil num território alemão, numa

Nova Alemanha Brasileira.20

Note-se que os setores econômicos ligados às associações de preservação dos costumes alemães enxergavam no sul do país a possibilidade de expansão de suas fronteiras, visto que, nessas terras, residiam alemães e, por isso, poderiam ser consideradas território alemão21.

19 Idem, p. 3 – 20. – Aspecto que será aprofundado nesta dissertação.

20 HELL, J. Die Politik des Deutschen Reiches zur Umwandlung Südbrasiliens in ein Überseeisches Neudeutschland (1890-1914). Rostock: Philosophische Fakultät der Universität Rostock, 1966 (tese de doutorado). APUD. GERTZ, R. E. Brasil e Alemanha: os brasileiros de origem alemã na construção de uma parceria histórica. Textos de história , v. 16, n°2, 2008.

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As ideias pregadas por todas as instituições, mencionadas no excerto em questão, se propagavam entre os alemães que aqui residiam e que buscavam cultivar seus costumes e que, por isso, passaram a ser vistos como resistentes a uma possível integração à sociedade brasileira.

Das instituições de fomento aos alemães no exterior, a Liga Pangermânica adquiriu maior destaque, pois, nos ideais difundidos por ela, via-se a propagação dos interesvia-ses das organizações e dos grupos privados alemães, pois, segundo René E. Gertz22, durante o período em pauta (1890-1915), as instâncias alemãs (Zentralverein fur Handelsgeographie und Forderung Deutscher Interessen im Ausland [Sociedade Central de Geografia Comercial e de Fomento dos Interesses Alemães no Exterior], o Kolonialverein [Sociedade Colonial] (desde 1884) e o Alldeutscher Verband [Liga Pangermânica] (desde 1891) voltavam sua atenção para o sul do Brasil e para a população de origem alemã que aqui residia, com intenção de aproveitar-se de tal fato, seja pela expectativa de que essa população se tornasse um mercado consumidor para produtos da indústria alemã, seja pela facilidade da obtenção de matérias-primas brasileiras.

Pelo que foi colocado, até o momento, em relação a essa questão, compreendem-se melhor os intentos de preservação cultural dos pangermanistas, que visavam por meio do pangermanismo, expandir o território alemão e manter a consciência nacionalista nos alemães que imigraram, pregando a necessidade de manterem seus costumes e auxiliando financeira e ideologicamente instituições como escolas, igrejas e demais instituições culturais·.

“absorvidos” pela sociedade receptora, fato esse que não ocorria no Brasil. A manutenção da identidade pelos imigrante alemães que migraram para o Brasil, suscitaria, segundo os intelectuais, a possibilidade dos mesmos de serem consumidores de produtos industrializados da Alemanha. MEYER, H. Die deutsche Auswanderung nach Südamerika, besonders nach Südbrasilien. Verhandlungen des Deutschen Kolonialkongresses 1902. Berlin 1903, p. 641. Apud, LORENZ, S. “Processos de purificação: expectativas ligadas à emigração alemã para o Brasil (1880 – 1918). Espaço Plural, ano IX, n° (19), 2008, p. 29 – 38.

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As características do Deutschtum ou germanismo são muito importantes para se entender a formação da ideia de “perigo alemão” no Brasil e, por consequência em São Paulo, pois a reação a esses preceitos étnicos culminou em desconfiança, em relação aos imigrantes alemães, pois estes representariam os interesses e objetivos da Alemanha em relação ao Brasil. Mesmo que a suspeita em relação aos alemães já houvesse ocorrido no início do processo de migração, no sul do país, foi nesse período, final do século XIX e início do XX, que ganhou força e divulgação a ideologia do “perigo alemão”, tornando-se tema de livros e colunas permanentes em jornais, como será visto mais detidamente, por exemplo, n’O Estado de São Paulo. Percebe-se, que as

características supracitadas contribuíram fortemente para a criação de um conceito que permitiria enxergar, no imigrante alemão, perigo à soberania nacional.

Dessa forma, observa-se que, durante as últimas duas décadas do século XIX, desencadeou-se um conflito em relação a proposta de integração junto à sociedade brasileira, pois, devido ao isolamento dos colonos, os alemães, de modo geral, mesmo aqueles estabelecidos no meio urbano, como São Paulo, onde era expressiva a presença de alemães dedicados ao comércio, à industria e a outras profissões, passaram a ser vistos como figuras representantes de um perigo estrangeiro por conservarem seus costumes, fator este que culminou em críticas advindas de diversas instâncias da sociedade brasileira que reforçavam a possibilidade de perigo de uma secessão do território brasileiro

Em 1906, conferindo força às ideias contraproducentes, em relação ao possível “perigo alemão”, ocorreu a publicação de “O allemanismo no Sul do Brasil: seus perigos e meios de os conjurar”. O autor da obra, Silvio Romero,

critica o enquistamento étnico alemão, defendendo maneiras de conter os avanços do Deutschtum:

(19)

núcleos de colonos nacionais ou nacionalidades diversas da alemã;

3º) vedar o uso da língua alemã nos atos públicos; 4º) forçar os colonos a aprenderem o português, multiplicando entre eles as escolas primárias e secundárias, munidas dos melhores mestres e dos mais seguros processos;

5º) ter o maior escrúpulo, o mais rigoroso cuidado em mandar para as colônias, como funcionários públicos de qualquer categoria, somente a indivíduos da mais esmerada moralidade e de segura instrução;

6º) desenvolver as relações brasileiras de toda a ordem com os colonos, protegendo o comércio nacional naquelas regiões, estimulando a navegação dos portos e dos rios por navios nossos, criando até alguma linha de vapores que trafeguem entre eles e o Rio de Janeiro;

7º) fazer estacionar sempre vasos de guerra nacionais naqueles portos;

8º) fundar nas zonas de Oeste, tolhendo a expansão germânica para o interior, fortes colônias militares de

gente escolhida no exercício.23

A posição de Silvio Romero diante da questão é nitidamente influenciada pela propaganda franco–americana, uma vez que, em diversos momentos, o intelectual busca a legitimidade de suas teorias, em recortes jornalísticos e teóricos franceses, criticando a imprudência das autoridades brasileiras em não atentarem ao “perigo alemão” 24.

O autor acreditava que, devido à Doutrina Monroe, não haveria o risco do estabelecimento de colônias alemãs no sul do país, no sentido político-imperialista, mas afirmava que o governo brasileiro deveria ter sempre em vista os alemães, por representarem, constantemente, a possibilidade de fragmentação do território.

É importante mencionar que, na obra em questão, Silvio Romero fazia menção a Tobias Barreto, intelectual que defendia o germanismo para o Brasil, por acreditar que os alemães difundiriam um grande legado científico, cultural e moral, que seria de grande proveito para a República em formação e que endossava tais ideias, acreditando também que os aspectos culturais alemães

23 ROMERO, S, O allemanismo no Sul do Brasil: seus perigos e meios de os conjurar. Rio de Janeiro: Typ. Heitor Ribeiro & C., 1906, p. 165-66.

(20)

enriqueceriam a cultura brasileira; porém, segundo Gertz25, a posição de Romero era contraditória, pois, para o autor, a parceria intelectual e cultural deveria ocorrer sem a presença dos alemães no Brasil.

Segundo Poutignat e Streif26, a assimilação considerada ideal, para Romero, deveria ser concebida como um processo de uniformização cultural, via transformação dos imigrantes e de seus descendentes. Tal processo resultaria na dissolução dos grupos étnicos e na absorção de seus membros na sociedade de acolhimento dos imigrantes. Não se tratava, portanto, de uma interpenetração e de uma fusão, que permitissem a integração de diferentes grupos em uma vida cultural comum.

Essa posição em relação aos alemães se fez presente também em outras obras, semelhantes à de Silvio Romero, a respeito do “perigo alemão”, por exemplo, O perigo prussiano no Brasil27, obra publicada durante a Primeira

Guerra e de autoria de Raimundo Bandeira, que afirmava que as instituições alemãs aqui existentes faziam parte de um projeto de concretização dos objetivos alemães em relação ao domínio de regiões brasileiras:

O Reichstag de Berlim vota anualmente uma verba

para as escolas públicas alemãs do Brasil; os médicos, dentistas e advogados diplomados pelas universidades de além-Reno exercem livremente as

suas profissões nas colônias teutônicas do sul28.

Raul Darcanchy, em O pangermanismo no sul do Brasil, também

apontou as instituições como propagadoras do germanismo:

Existe no Estado de Santa Catarina grande número de batalhões de atiradores alemães que, so seu conjunto, constituem um perfeito exército colonial prussiano, sob o disfarce de associações de tiro teuto-brasileiras.

25 GERTZ, op. cit., p. 16, 2008.

26

POUTIGNAT, P, STREIF. J. Teorias da etnicidade. São Paulo: UNESP, 1998, p. 65– 67.

27 ARBIVOHN. O perigo prussiano no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. do “Jornal do Comércio”, 1914, p. 35.

(21)

Esse modelo de organização militar, criada e mantida pelos alemães, é quiça, a mais audaciosa obra do pangermanismo levado a efeito naquela porção do território nacional. Nada falta para lhes dar o caráter que efetivamente têm de há muito tempo, tropas de

desembarque já desembarcadas29.

Ambas as obras criticam a fundação de instituições (escolas, associações) pelos alemães, pois estas representariam e difundiriam a manutenção da identidade cultural e religiosa dos imigrantes alemães.

Os efeitos da disseminação das ideias sobre os problemas que os alemães, influenciados pelo ideário do pangermanismo poderiam representar para o país em termos de segurança nacional, justificariam as reprovações em relação aos alemães, nas três últimas obras supracitadas, uma vez que o alastramento de instituições de caráter educacional, cultural, recreativo, esportivo, religioso, social e econômico era visto, se associado a toda conjuntura aqui exposta, como uma tentativa de “dominação” e não integração entre os alemães e a sociedade receptora.

A eclosão do conflito mundial, em junho de 1914, elevou acentuadamente o número de publicações anti–germânicas30, todavia não se intensificaram apenas no plano político e no aumento de publicações contra os mesmos, pois, segundo Gertz, em O aviador e o carroçeiro31, o panorama

nacional permite afirmar que as críticas aos imigrantes alemães transformaram-se em atos de violência contra bens materiais, culturais e também contra pessoas32.

29

DARCANCHY, R. O pangermanismo no sul do Brazil. Rio de Janeiro: s. e., 1915, p.

120.

30 ARBIVOHN. O perigo prussiano no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1914. DARCANCHY, R. O Pangermanismo no sul do Brasil. Rio de Janeiro: [s.n], 1915.

31 GERTZ, R. O aviador e o carroceiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

(22)

Dentre as obras produzidas no período de guerra, uma se faz digna de menção, O plano pangermanista desmascarado, do autor francês Andre

Cheradame, publicada em 1917. A obra baseou-se nas possíveis intenções do

Reich em anexar os territórios do Sul do Brasil, formalizando a conquista

territorial da Alemanha Austral ou Meridional33.

No prefácio, escrito por Graça Aranha, vê-se reproduzido o discurso da incredulidade estatal e dos perigos relacionados às comunidades teuto-brasileiras. Segundo ele se tem:

A massa de allemães aglomerados em zonas de territorio ocupadas exclusivamente por elles constitue um perigo imminente, pois a influencia de novos immigrantes, vindos da Allemanha e possuidos do espírito pangermanista, nos antigos colonos é uma ameaça permanente para o paiz, desapercebido de elementos de defesa. Ao lado dessa força latente, ha a atividade dos banqueiros, dos negociantes, verdadeiros agentes politicos, que pelos seus methodos, commerciaes se applicam infatigaveis ao trabalho da absorpção economica do Brasil pela Allemnaha; ha o zelo dos consules que se insinuam no interior do paiz; os professores de língua allemã nas colonias e nas zonas germanicas do territorio brasileiro; os viajantes e uma chusma de individuos que por toda parte zumbem apregoam, intrigam, remexem e esgaravatam na afanosa lida de preparar o terreno da Alemanha Austral.

Temos de resolver o povoamento do território dentro das forças da nossa nacionalidade, e de todas as raças que buscam o Brasil, a menos assimilável e a mais perigosa pelo seu poder de absorção é a raça allemã. [...]. O elemento allemão subsiste perigoso e repulsivo. O futuro da nacionalidade brasileira exige a parada dessa infiltração allemã [...]. Será uma medida de sabedoria prohibir no Brasil a invasão teutonica, que se prepara para se espalhar no mundo depois da guerra34.

Graça Aranha teceu esses comentários durante o período da Primeira Guerra, quando ocorreram os ataques às embarcações brasileiras. Em 1917, o Brasil declarou guerra às Potências Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria) e o

33 CHÉRADAME, A. “O plano pangermanista desmascarado”. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1917, p. 211.

(23)

discurso anti-germânico ganhou intensidade, afetando diretamente o cotidiano das colônias germânicas, ao proibir o uso do idioma e ao fechar os jornais e associações alemãs.

É necessário ressaltar que a obra, tendo sido prefaciada por Graça Aranha – autor de muito prestígio naquele momento - fez com que as teorias defendidas no livro ganhassem força. Tais teorias tinham por intuito denunciar e vulgarizar o plano pangermanista, isto é, a suposta união dos povos germânicos em um Estado único e as pretensões do Império de Guilherme II de conquistar territórios na América do Sul.

Segundo Chéradame, o plano pangermanista teria sido criado no ano de 1895 e se fundamentava no exato conhecimento que os alemães haviam adquirido dos problemas políticos, geográficos, econômicos, sociais, militares e navais, não só da Europa, mas do mundo inteiro.35

Esta pesquisa busca especificamente encontrar os elementos que constituíram aquele embate e, nessa direção, é expressiva a manchete do jornal paulista A Platéia que, opinando a respeito da comunidade

teuto-brasileira designa:

“Si bem que de longe venham as reclamações contra abuso do ensino do allemão em nosso paiz, trabalhando habilmente feito para a germanisação, do Brasil, só agora procuram dar um combate decisivo ao mal que até aqui apenas se pediam ou suggeriam providencias, contra o que se passava em Santa Catarina: mas agora já se sabe que a obra satânica dos allemães é ativíssima em toda parte (...) cantar diariamente treis hymnos em allemão, não há melhor nem mais suggestiva propaganda, de resultados duplos, ao mesmo tempo que se germanisam, tendo atravez desses hymnos apenas a imagem da pátria de seus paes, as crenças vão se desafeiçoando da

verdadeira patria” 36

35

CHERADAME, op. cit., p. 46.

(24)

Mesmo com o final da Primeira Guerra Mundial e a derrota do Império Alemão, ainda é possível encontrar manifestações que, comemorando a vitória dos aliados na guerra contra os alemães, deixam entrever que a derrota dos alemães no conflito representou a “salvação” do país de uma possível conquista de território pelos germânicos, especialmente nos estados onde era maior o número de colônias alemães.

O texto de Aranha é, nesse sentido, bastante expressivo:

Se ainda algum incrédulo duvidar das vantagens obtidas pelo Brasil em combater a Alemanha, se perguntar o que lucramos materialmente, a melhor resposta a esta indignação utilitária seria, aquela muito simples do obscuro, mas arguto jornal de província: Ganhamos São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio

Grande do Sul37.

Desta forma, é possível afirmar que, a partir da ideia de que as comunidades alemãs representavam perigo em território nacional, resultou, prioritariamente, em um profícuo debate entre os intelectuais que se dividiam em suas opiniões, acentuando-se durante a Primeira Guerra Mundial, um dos recortes temáticos do presente estudo38.

O estudo historiográfico, aqui proposto, privilegia o trabalho com jornais e dialoga com autores que escreveram textos em que defendem e divulgam a ideia de que os alemães aqui residentes poderiam representar um perigo para a nação, tendo em vista o contexto histórico mundial, nas duas primeiras décadas do século XX.

37 ARANHA, G. IN: GERTZ, op. cit., p. 12, 1991.

(25)

Fazem parte também da documentação consultada os jornais O Estado de São Paulo, Germania e A Gazeta no período entre 1889 e 1918 e os

prontuários policiais do período em questão. O trabalho com essas fontes permitiu traçar-se uma visão crítica de como o termo ““perigo alemão”” cunhou-se e expandiu-cunhou-se na cidade de São Paulo.

A dissertação está dividida em três capítulos, que têm como eixo temático de estudo as questões que envolvem produção e divulgação de notícias em periódicos impressos em São Paulo sobre o potencial perigo que a presença de alemães representaria para o país e a posição do jornal alemão Germania39 em resposta aquelas notícias

No primeiro capítulo, intitulado O “perigo alemão” sob a ótica do jornal O Estado de São Paulo, serão trabalhados dois aspectos: o primeiro deles visa a

abordar, de forma sintética, a imigração alemã para São Paulo40, para que se possa compreender a mudança espacial do eixo sul para o sudeste, além das particularidades que a presença de alemães em São Paulo apresenta, em contraposição à ocorrida no sul do país.

A segunda vertente tem por intuito a interpretação e a análise de artigos que tratam a questão dos alemães residentes no país, sob uma ótica acusatória e estereotipada.

O periódico O Estado de São Paulo pode ser considerado como um

representante da elite paulista e em seus textos, no tocante ao alemão residente em São Paulo, estuda-se como a propagação do termo ““perigo alemão”” ocorreu.

39 Os dois principais jornais da comunidade alemã durante o período de 1889 – 1917 é o Germania e o Deutsche Zeitung. Nesta pesquisa, o Deutsche Zeitung não aparece como fonte, pois o número de matérias relacionadas ao “perigo alemão” que encontramos foi muito

reduzida.

(26)

Para contrapor-se à visão do jornal O Estado de São Paulo, no segundo

capítulo, optou-se pela análise de um periódico produzido pela comunidade alemã, em São Paulo, denominado Germania41, fundado em 1878. A escolha por esse corpus se apresenta pelo fato de o periódico alemão rebater o posicionamento expresso pelo jornal O Estado de São Paulo, mencionando

que o ““perigo alemão”” era uma utopia desmedida, e o que ocorria, verdadeiramente, era uma Germanofobia (horror aos alemães).42 Sendo assim, o segundo capítulo traz como título: Germanofobia: perigo latente ou

fobia aos alemães? A visão do periódico Germania.

A intenção de se trabalhar com essas duas fontes, O Estado de São Paulo e o Germania, tem por intuito principal apontar visões díspares sobre a

mesma questão, que seja, germanofobia. O primeiro representa o ponto de vista das elites paulistas e seus respectivos interesses, e o segundo, um discurso que, se por um lado menciona que não existe um ““perigo alemão””, mas sim um processo de germanofobia, gerado por “interesses escusos”, na

ótica do próprio jornal, e que não é compreensível a demora no processo de assimilação de brasileiros e germânicos; por outro lado promove campanhas para a preservação da cultura alemã.

Por meio das notícias, dos comentários e dos demais textos publicados pelos periódicos, foi possível perceber como aqueles jornais se envolviam nos dois lados da questão, objeto deste estudo: o ““perigo alemão”” em São Paulo.

41 Outro grande jornal da comunidade alemã era o Deutsche Zeitung, todavia optamos pelo Germania por ser o periódico que mais trouxe notícias sobre essa questão e se envolveu na polêmica com o jornal O Estado de S. Paulo. Outros jornais paulistas também se envolveram na discussão do “perigo alemão”, porém estas discussões ocorreram apenas no período condizente a primeira guerra mundial. Dentre eles podemos citar: A nação e A Gazeta, este último será utilizado como fonte no terceiro capítulo, pois matérias sobre a polêmica envolvendo a discriminação dos alemães e representando-os como um perigo para o País, deixam de ser publicadas no jornal O Estado de São Paulo.  

(27)

Ademais, trabalhar com os jornais permitiu compreender a constituição de um discurso ideológico que envolve tanto o alemão aqui residente quanto a imagem que se criou dele por parte dos brasileiros.

Por fim, o terceiro capítulo A comunidade alemã em São Paulo durante a Primeira Guerra Mundial: perseguida pelos jornais e vigiada pela polícia será subdividido em: 3.1 Breve contexto da entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial, 3.2 Os jornais e rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha, 3.3 “Boches” Malditos: os alemães em São Paulo durante a Primeira Guerra Mundial segundo o Jornal A Gazeta e 3.4 A vigilância policial sobre os alemães durante a Primeira Guerra Mundial.

O enquadramento temporal deste capítulo refere-se exclusivamente ao período que abarca a Primeira Grande Guerra.

Neste capítulo, será demonstrado que os fatos mencionados e divulgados pelos periódicos analisados passaram do plano do discurso para o da prática, sobretudo como consequência da eclosão da Primeira Guerra Mundial, quando o alemão passou a ser visto como perigo real e iminente à integridade da Nação brasileira, levando as autoridades locais a cercearem os direitos da comunidade teuto-brasileira aqui situada.

Nessa etapa, será utilizado sobretudo o jornal A Gazeta de São Paulo,

pois o periódico O Estado de São Paulo deixa de veicular matérias sobre o

““perigo alemão””, fato que será discutido, com detalhes, no terceiro capítulo. Com a proibição da veiculação dos jornais alemães (Germania e Deutsche Zeitung) devido ao rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e

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Capítulo I

O “PERIGO ALEMÃO” SOB A ÓTICA DO JORNAL O ESTADO DE SÃO

PAULO

1.1 O imigrante alemão em São Paulo

A imigração alemã no Brasil iniciou-se pelo programa de incentivo a imigrantes, do governo brasileiro, em 1818, mas foi somente em 1824, que surgiria a formação da primeira colônia no Rio Grande do Sul, atual São Leopoldo. De 1824 a 1833, o fluxo imigratório era contínuo. Outras regiões, como o estado de São Paulo, também receberam alguns imigrantes nessa época. Os imigrantes que se dirigiam para a região Sul estavam relacionados ao processo de povoamento das terras e os que ficavam em São Paulo supriam a mão-de-obra nas lavouras de café.

Entre os anos de 1850 e 1871, ano em que se instituiu o Império Alemão, o processo imigratório intensificou-se, mesmo com algumas interrupções passageiras, que questionavam o não-cumprimento das condições divulgadas no estrangeiro, principal atrativo ao imigrante.

Segundo as autoras Claudia Mauch e Naira Vasconcelos43 o fluxo imigratório de alemães no Brasil apresenta a seguinte configuração:

Imigração alemã no Brasil

Período Total

1824 - 1847 8.176

1848 - 1872 19.523

1848 – 1872 14.325

1880 - 1889 18.901

1890 - 1899 17.084

1900 - 1909 13.848

1910 - 1919 25.902

(30)

Os dados apresentados na tabela demonstram o fluxo imigratório de alemães para o Brasil, no período correspondente à pesquisa, nota-se a entrada de aproximadamente 31.000 alemães, que, em sua maioria, foram direcionados para o Sul do Brasil. Na Província de São Paulo, segundo Sergio Buarque de Holanda, no ano de 1887 havia aproximadamente, entre 12.000 e 15.000 alemães44.

Em dezembro de 1827, chegou a Província de São Paulo o primeiro grupo de imigrantes alemães, composto por 226 imigrantes alemães de origens diversas, se estabelecendo em diferentes localidades da Província. Alguns se dirigiram para regiões como Santo Amaro, Itapecerica da Serra e regiões próximas, que foram classificadas como bairros rurais. Os imigrantes que vieram para a cidade de São Paulo se estabeleceram, na maior parte, na região da Sé e de Santa Ifigênia45.

No que se refere aos alemães alocados em Santo Amaro, percebe-se, pelos registros históricos, que passaram por uma série de provações. A vila em questão não possuía ligação adequada com a província de São Paulo e nenhum outro tipo de infra-estrutura capaz de receber e fornecer aos imigrantes o necessário para as condições básicas de vida. As terras eram montanhosas e pouco férteis, e toda produção agrícola e manufaturada era utilizada para consumo dos habitantes do local. Inicialmente a dificuldade em lidar com esse tipo de solo fez com que os imigrantes trabalhassem na lavoura apenas para a subsistência dos seus sem excedentes para se comercializar.

Por outro lado, as regiões centrais, como a freguesia da Sé, eram locais interessantes para os alemães, que buscavam manter seus ofícios de origem, que não agrícolas, pois neles havia uma abundância de casas comercias e prestadoras de serviços, que colaboravam para a criação e o desenvolvimento

44

HOLANDA apud DAVATZ , T. Memórias de um colono no Brasil – 1850. São Paulo:

Edusp, 1980, p. 43-44.

45

Ribeiro, E. M. H “Os Alemães dos Núcleos coloniais de Santo Amaro e Itapecerica da

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da capital, além da grande circulação de moedas e mercadorias, que advinham da movimentação desses comércios.

O bairro da Liberdade e Vergueiro eram outras duas localidades com um número expressivo de alemães. Neles, segundo os dados empregados por Marionilde Brepohl46, retirados de inventários e escrituras, encontrava-se uma grande quantidade de comerciantes e artesãos. É importante mencionar que nessa região estava a principal estrada de ligação entre a capital e a colônia de Santo Amaro, o que permite concluir que o núcleo imigrante habitante da capital mantinha contato frequente com a parte que optou por dedicar-se aos trabalhos agrícolas.

Penha, Brás e Tatuapé foram também regiões que receberam imigrantes alemães e nessas localidades coexistiam tanto pequenas chácaras, cujos proprietários trabalhavam em regime de subsistência, quanto pequenos comércios de casas de secos e molhados.

Ao chegarem aqui, o governo provincial não possuía um plano para recebê-los e alojá-los adequadamente. Consequentemente as condições de vida desses imigrantes eram muito precárias, como se percebe na seguinte afirmação:

Lindas descrições, relatos atraentes que a imaginação entreviu: quadros pintados de modo parcial e inexato, em que a realidade é às vezes deliberadamente falseada, cartas ou informes sedutores e fascinantes de amigos, de parentes; a eficácia de tantos prospectos de propaganda e também, sobretudo, a atividade infatigável dos agentes de emigração, mais empenhados em rechear os próprios bolsos do que em suavizar a existência do pobre [...] logo que se ofereça oportunidade, decidem-se com freqüência a realizar os seus projetos até o dia em que – quantas vezes! – nada restará senão confessar o triste engano. “Fui ludibriado!” 47

46 MAGALHÃES, op. cit., p. 100.

(32)

Nos anos iniciais do Império, a cidade de São Paulo era pequena, praticamente toda a movimentação ocorria em torno da Faculdade de Direito, no largo de São Francisco. A cidade, conseqüentemente, atraía estudantes do interior da Província e de outras regiões do Império. Contudo, a presença de um número expressivo de imigrantes, em relação à população da cidade, causava estranheza aos moradores.

Segundo Silvia Siriani48, os primeiros alemães que para cá foram enviados, instalaram-se, primeiramente, no Hospital Militar de São Paulo, estadia que durou cerca de dois anos, até que pudessem receber os lotes de terras prometidos pela política imigratória.

As promessas feitas aos imigrantes alemães, pelas propagandas imigrantistas, eram descabidas frente à realidade das condições econômicas e estruturais da cidade de São Paulo e, com a vinda de números significativos de imigrantes alemães para a cidade, o orçamento público ficou sobrecarregado, uma vez que era necessário garantir subsídios diários para os imigrantes alemães ($ 160 réis para os adultos e $ 80 réis para as crianças)49, assim como

arcar com os salários do funcionalismo público; entretanto, tais salários deixaram de ser pagos para que o governo pudesse honrar com os subsídios prometidos.

Neste ínterim, os imigrantes alemães passaram a ser vítimas de desafetos, os jornais estampavam artigos criticando duramente as atitudes governamentais e a população local enxergava os alemães como responsáveis pelas mazelas econômicas nas quais se encontravam os cofres provinciais.

Uma das possíveis causas para o descaso e à desorganização, nos assentamentos à disposição dos alemães em terras paulistas, seria uma contenda que se instaurou nos meios políticos da província de São Paulo, envolvendo a questão latifundiária sob dois vieses.

48 SIRIANI, op. cit., p. 40.

49

(33)

O primeiro deles, defendido pelos políticos capitalistas, entendia os imigrantes como aqueles que poderiam desmatar e preparar a terra para o cultivo, construindo estradas e infra-estrutura a baixo custo para os grandes proprietários; e o segundo, tendo sua representação maior na figura de Nicolau de Campos Vergueiro, defendia arduamente a não-inserção de colonos alemães em terras paulistas alegando que:

Chamar colonos para fazê-los proprietários a custas de grandes despesas é uma prodigalidade ostentosa, que não compadece com o apuro de nossas finanças. O meu parecer é, pois, que se acabe o quanto antes

com a enorme despesa que está fazendo com eles.50

É notória a contradição desse discurso, pois o Senador Vergueiro foi um dos incentivadores da imigração suíça/alemã, todavia defendia uma imigração sob o regime de parceria, em que os colonos deveriam arcar com metade dos custos da viagem Europa/São Paulo e ser inseridos em fazendas já existentes, quando, no final do mês, dividiriam os resultados da produção entre proprietário e colono. Desse modo, os imigrantes não deveriam receber pequenos lotes de terra, pois fariam concorrência com os grandes latifundiários.

É clara, por meio da fala do senador Vergueiro, a crítica acerca da vinda dos alemães para terras brasileiras, especificamente paulistas. Todavia, não se pode deixar de mencionar que tal crítica representava apenas um ponto de vista possível dentre as diversas posições em relação ao tema.

Em meio a uma política protecionista, os alemães adentraram a província paulista, e dados os interesses locais, apenas em 1829, foram encaminhados a Santo Amaro, Itapecerica da Serra e suas subdivisões de Embu e Parelheiros.

Para as regiões acima mencionadas, destinaram-se os alemães cuja intenção principal era o trabalho agrícola, porém, parte dos imigrantes

(34)

estabelecidos em São Paulo optou por manter-se junto aos centros urbanos e exercer atividades e ofícios artesanais.

Na capital permaneceram aqueles com ofícios urbanos que, dado ao lento desenvolvimento industrial da região, puderam exercer seus ofícios artesanais sem grandes entraves. Um grande número de ferreiros, carpinteiros, padeiros, entre outros, passou a conviver com a população local que pôde usufruir também das pequenas fábricas de cervejas, chapéus, alfaiatarias, oficinas de fundição, relojoarias, tipografias, farmácias

e inúmeros outros estabelecimentos comerciais.51

A inserção do trabalhador alemão, na então crescente economia da cidade estabeleceu, a essas regiões, uma nova dinamicidade local, até mesmo pelo fato de alguns desses imigrantes exercerem profissões liberais, como professores, mecânicos, advogados, entre outros, fator que contribuiu para o desenvolvimento da cidade de São Paulo.

Segundo Edmundo Zenha52, as colônias de imigrantes em São Paulo, depois de formadas, eram abandonadas ao descaso das autoridades, uma vez que nunca receberam professores ou pároco; com isso, a precariedade de vida dos primeiros imigrantes alemães nas colônias acabava por ocasionar o seu isolamento.

Outro fator que se tornava um empecilho na vida da comunidade alemã era a questão religiosa, uma vez que a liberdade de culto não era garantida pela Constituição brasileira, em que se institucionalizava o catolicismo como religião oficial do Estado brasileiro. Vale ressaltar que a dos imigrantes alemães era de fé protestante53 e os seus cultos não poderiam ser realizados em templos ou em qualquer outro lugar que indicasse a religiosidade protestante. Mesmo os enterros de imigrantes deveriam ser feitos em lugar separado no Cemitério do Araçá.

51

SIRIANI, op. cit., p. 96.

52 ZENHA, E. Revista do Arquivo v. CXXXI São Paulo, Departamento de Cultura, 1950.

53

Segundo Siriani, nas documentações por ela levantadas, os indivíduos alemães de

(35)

A situação de isolamento dava-se por fatores como os anteriormente citados, mas também por uma questão espacial, uma vez que não existiam estradas para São Paulo e os caminhos que permitiam acesso à capital eram tortuosos, a ponto de fazer com que o percurso Santo Amaro – São Paulo durasse alguns dias.

Posteriormente, em relação aos descendentes da segunda geração de imigrantes, ocorreu o que Emílio Willems54 nomeou de acaboclamento do imigrante, “uma relação de benefícios mútuos, de completude e

complementação entre o elemento teuto-brasileiro e a população nativa do

sertão de Santo Amaro”55. A relação entre o elemento imigrante e o nacional

tinha em conta os intercasamentos e, no que se refere à questão da terra, o trabalho associativo com o caboclo, que conhecia a região em que residiam os alemães e a tornava cultivável.

No entanto, é preciso ressaltar que esse processo de assimilação existente entre alemães e santo-amarenses não ocorreu junto à primeira geração de imigrantes que aqui se instalou, pois estes adentravam no países já adultos e, dados os problemas que aqui se mencionaram, e que culminaram no afastamento dos colonos alemães em relação aos centros urbanos, deparavam-se, ainda, com a barreira dos idiomas distintos.

Outra peculiaridade em relação à distribuição espacial dos colonos germânicos é que nem todos que foram para Santo Amaro trabalhar na lida com a terra; uma vez que uma parte deles estabeleceu-se em torno do Largo do Jogo da Bola, hoje, Largo 13 de Maio, pois nele configurava-se o centro social e econômico da vila, além de ser passagem obrigatória para os demais bairros da região. Assim, parte dos imigrantes instalou-se nessa localidade, exercendo ofícios dos quais pudesse melhor se beneficiar, dada a dinamicidade imposta pela localização estratégica do espaço.

(36)

A estrutura geográfica da distribuição dos colonos, que corresponde a um percentual em áreas urbanas, e a outro, em regiões agrárias; a tentativa de inserção dos mesmos na conjuntura tipicamente citadina da capital e a perspectiva que tinham de organização e trabalho na área campesina; associada, principalmente, ao “fechamento” e por que não dizer ao descaso da elite dirigente na inserção destes indivíduos na estrutura urbana e agrária, com o não-preenchimento das demandas públicas de que esses grupos necessitavam, permitiram que tais ajuntamentos humanos – estabelecidos seja na capital ou no campo – buscassem outras formas de resguardar a sua subsistência em terras paulistanas, permitindo, dessa forma, a criação de sociedades de ajuda mútua56.

Se essa era a conjuntura interna que se apresentava à estadia dos colonos em terras paulistanas, ou seja, de abandono estatal e de desorganização estrutural para sua permanência, obrigando-os às formas alternativas de fomento à sua subsistência; externamente, no decorrer do período, era possível se tanto com uma estrutura advinda da nova organização do Estado Alemão, Liga Pangermânica, com a propaganda e a ideologia por ela construída, da sempre identificação do alemão, independentemente do local em que se encontrasse, - jus sanguinis -, como também com a divulgação

franco-americana, constituída de um conjunto de ações que associavam a

Deutschtum (germanidade) a uma série de ressalvas que culminaram, como já

visto anteriormente, na ideia de que esses imigrantes representavam um perigo que ameaçava a soberania nacional.

Fica evidente que a situação do imigrante, que é devida à inserção na sociedade brasileira, não tem relação com a vontade de diferenciar-se do todo nacional, como aponta Silvia Siriani, que ao estudar como se dava a dinâmica espacial da população de imigrantes alemães na Província percebeu pelos registros em inventários, escrituras e hipotecas, que aqueles estavam de certa

56 Associações como a Sociedade Germania, fundada em 1868 com intuito de auxiliar os

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forma, bem distribuídos em toda a região de São Paulo, não se concentrando prioritariamente em bairros ou ruas específicos, deslegitimando qualquer possibilidade de se dizer que existiam bairros alemães o contrário, o que ocorreu, de fato, foi uma “pulverização germânica”, pois estes se encontravam nas mais diversas áreas da província.

1.2 O “perigo alemão” no jornal O Estado de São Paulo.

Parte-se aqui de uma citação de Heloísa de Faria Cruz, que afirma que “a importância crucial dos meios de comunicação faz da reflexão sobre a comunicação social um campo social interdisciplinar estratégico para a compreensão da vida” 57. Desta afirmação, afere-se que o estudo de fontes que estão diretamente inseridas no contexto social como, é o caso dos jornais trabalhados nesta pesquisa, permite analisar como se produziram e se divulgaram imagens sobre os imigrantes alemães e o suposto perigo que representavam para a unidade nacional.

Nesta parte, estudou-se o jornal O Estado de S. Paulo, no período entre

1889 e 1918, partindo-se de cuidados metodológicos que foram indicados por autoras como Heloisa Cruz.

Renée Zicman chama a atenção para o fato de que a “imprensa é rica em dados e elementos, e para alguns períodos é a única fonte de reconstituição histórica, permitindo um melhor conhecimento das sociedades ao nível de suas condições de vida, manifestações culturais e políticas” 58, ou seja, é uma fonte importante, no acesso à informação que se permite conhecer e esclarecer as mais diversas opiniões que se criavam e se divulgavam acerca do imigrante, mas sempre com atenção aos cuidados metodológicos que a natureza dessa fonte coloca. 

57 CRUZ, H. F. e PEIXOTO, M.R.C. Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. Projeto história, São Paulo, n. 35, p. 255-272, dez. 2007.

(38)

É preciso deixar claro que, como veículo de informação, os jornais, dadas as articulações históricas, agiram como força ativa na constituição de processos de “hegemonia” social, pois atuam e atuaram diretamente na articulação, na divulgação e na disseminação de projetos, valores, ideias e comportamentos, em um mesmo período histórico, na sua atividade de produção de informação de atualidade e, por consequência, na formação de uma visão imediata de realidade e de mundo. De acordo com Heloisa Faria Cruz:

Convém lembrar que não adianta simplesmente apontar que a imprensa e as mídias ‘têm uma opinião’, mas que sua atuação delimitam espaços, demarcam temas, mobilizam opiniões, constituem adesões e

consensos59.

Percebe-se, portanto, que a eleição de dois jornais, como objetos de estudo, torna-se justificável por se entender a imprensa como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção nas relações sociais, deixando claro que se trata de uma fonte que não deve ser entendida apenas como transmissor imparcial dos fatos ocorridos em determinado contexto, pois este se encontra inserido em uma realidade político-social que, evidentemente, é refletida em seus textos, que se tornam, por consequência, representantes de ideologias e posições defendidas pelos veículos de divulgação.

Cotejando as informações acima às questões inicialmente propostas nesta dissertação, nota-se, nos periódicos mencionados, uma fonte de extrema riqueza, uma vez que apresenta o ponto de vista de dois grandes jornais da época a respeito do imigrante alemão à sociedade paulista.

Viu-se anteriormente que a ideia de “perigo alemão” deu-se por uma junção de fatores com os quais se passou a entender o afastamento das comunidades teuto-brasileiras, como uma ameaça à nação brasileira, na Região Sul do país, onde os imigrantes alemães formaram colônias com pouca inserção na sociedade da região, conforme informam pesquisas realizadas

59

(39)

sobre o assunto60. Todavia, questiona-se aqui, como tal problemática se instaurou onde os imigrantes alemães não formavam grupos separados, relativamente isolados, mas, ao contrário, se integravam à economia e à sociedade local, como foi o caso da cidade de São Paulo

Para encontrar dados que permitam refletir sobre a questão acima colocada, trabalhou-se o periódico O Estado de São Paulo, como fonte

principal nesta parte da pesquisa. Percebeu-se, no decorrer da pesquisa, que este periódico constituiu-se como meio privilegiado para produzir e divulgar opiniões, atingindo diversas camadas sociais do Estado de São Paulo, como já foi pesquisado por autores que usaram como fonte esse jornal.61

Defensor de ideais abolicionistas e republicanos, surge no ano de 1875

A província de São Paulo, periódico que antecedeu O Estado de São Paulo.

Segundo Nelson Werneck Sodré o jornal surgiu em um momento histórico extremamente conturbado:

No momento em que vários acontecimentos políticos abalavam o país, tais como a Lei do Ventre Livre, o surgimento das idéias republicanas e o alastramento do abolicionismo, a imprensa do governo era ardorosa e disciplinada, sentia-se a necessidade de um jornal que, não sendo republicano extremado viesse a discutir com serenidade os absorventes problemas do momento. Para esse fim constitui-se uma sociedade em comandita, levantando 50 contos de réis de capital,

surgindo A Província de São Paulo, vivia de anúncios

comerciais, falecimentos, missas, espetáculos de teatro, negros fugidos, não havendo venda avulsa. A partir de 1884, o jornal assumia posição francamente republicana62.

60 WILLEMS, E. A Aculturação dos Alemães no Brasil. São Paulo: Ed. Brasiliana, 1980. Seyferth, G. Nacionalismo e identidade étnica: a ideologia germanista e o grupo étnico teuto brasileiro numa comunidade do Vale do Itajaí. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. Dreher, M. N. Igreja e germanidade. São Leopoldo: Sinodal, 1984. Gertz, R. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. Magalhães, M. D. B. Alemanha mãe-pátria distante. Campinas: Unicamp, 1993. (Tese de Doutorado).

61 Autores como: Nelson Werneck, Maria Ligia Prado e Maria Helena Capelato. SODRÉ, N. W. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Ligia. O Bravo Matutino. Imprensa e Ideologia no jornal “O Estado de S. Paulo”. São Paulo: Alfa-Omega, 1980.

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No entanto, no decorrer dos anos, o periódico transpôs o papel de mero anunciante de serviços e mercadorias que inicialmente constituíam a maior parte de suas publicações, para defender, com mais afinco, seus postulados liberais e, na maior parte das vezes, posicionar-se de maneira contrária aos governos constituídos.

Segundo Maria Ligia Prado em O bravo matutino, A Província de São Paulo63 manteve uma posição jornalística que ultrapassava os limites do

informar imparcialmente, mas representava e atuava como órgão formador da opinião pública.

Em suas primeiras décadas de existência, A Província de São Paulo

pode ser caracterizada como representante dos interesses dos latifundiários do café, pois, mesmo questionando os problemas existentes nas leis de imigração, segundo Mercedes G. Kothe64, era no interesse de que tais entraves fossem resolvidos que as publicações se faziam, pois visavam ao maior fluxo da imigração.

As notícias publicadas no jornal O Estado de São Paulo, a partir 1891,

data da fundação da Liga Pangermânica, são divulgadas, contendo alertas sobre a possibilidade da expansão imperialista da Alemanha na África e expondo os perigos que tal intenção poderia trazer para a nação brasileira, caso se estendesse ao país, com a ajuda e o apoio de imigrantes alemães radicados no Brasil.

Essa questão ganha ainda mais força ao associar-se à propaganda franco–americana que, no Brasil, obtinha o apoio de intelectuais como Silvio Romero, que publicou em 1906 -O allemanismo no Sul do Brasil: seus perigos

e meios de os conjurar” - com o objetivo de – na opinião do autor - esclarecer e

63 CAPELATO, M. H; PRADO, M. L. op. cit., p. 150.

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apontar os motivos que comprovam que o imigrante alemão representa um perigo à soberania nacional.

É nesse turbilhão de acontecimentos e de propaganda ideológica que o alemão é noticia quase diária no jornal O Estado de São Paulo, material

divulgado para todo o estado de São Paulo.

Aqui busca-se analisar detidamente notícias que ganharam as páginas do jornal em questão, para se poder compreender melhor como se deu a dinâmica da formação de uma opinião que produzia, em conjuntura internacional (a ameaça imperialista na África e a presença de alemães no país, sobretudo nas colônias do Sul que se mantinham relativamente isoladas da sociedade local ) a imagem do alemão como um elemento perigoso para a integridade territorial da nação.

Diferentemente do atual formato de diagramação assumido pelo O Estado de São Paulo que hoje se conhece, em que, na primeira página do

jornal, encontra-se as principais manchetes e seus respectivos lides – parágrafo introdutório que conduz o leitor para o restante da notícia, geralmente publicada em um caderno específico – a página inicial de O Estado de São Paulo, no período estudado, apresentava uma série de pequenas

colunas que tratavam dos mais diversos assuntos, que iam desde publicações e respostas a cartas de leitores a pequenos classificados e anúncios de serviços gerais.

Entretanto, mesmo possuindo diagramação diferenciada da atual, a primeira página de um periódico simbolizava, assim como nos dias de hoje: lugar de destaque. Como afirma Heloisa de Faria Cruz65 “a capa de um periódico funciona como uma espécie de vitrine da publicação que, por meio de

“chamadas” indica ênfase em determinado assunto”.

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