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Breve história das origens da imprensa escrita.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 132-136)

Capítulo 3. Discurso de imprensa

3.1 Escrita, representação e transmissão

3.1.2. Breve história das origens da imprensa escrita.

Para melhor compreensão dos aspectos relativos à interação entre o Homem – enquanto indivíduo e coletivo – e as tecnologias usadas para a informação, a partir da escrita, faremos uma breve passagem pelas origens da imprensa escrita, com maior enfoque na história do jornal na França.

A primeira publicação possível de ser considerada como um jornal data do Império Romano, os acta diurna (atos do dia), escritos à mão, distribuídos nos lugares públicos e em lojas da cidade, enviados para todos os cantos do Império. Eram publicados faits divers, fatos sensacionalistas, casamentos, mortes, notícias militares, crônicas esportivas e teatrais. Essas publicações eram redigidas pelos chamados diurnarii (ou os primeiros jornalistas). Herdeiros desses acta diurna, os avvisi, na Itália, ou os zeitungen, na Alemanha, se espalham pela Europa na Idade Média, sobretudo a partir do século XIII, com informações comerciais acima de tudo. A difusão das notícias à mão parte dos grandes centros como Veneza, Lyon ou Frankfurt, para logo tornar-se sistemática quando do nascimento dos correios modernos e a evolução da fabricação do papel.

Gutenberg cria a imprensa, aperfeiçoando um sistema já existente na China desde o ano 868. As conseqüências da invenção da imprensa são naturalmente enormes. Os chamados

occasionnels, que como o nome indica não possuíam periodicidade, aparecem pela Europa, tratando sobretudo de acontecimentos particulares. Nos séculos XV e XVI, as grandes descobertas sucitam curiosidade e aumentam as fronteiras do mundo. Os serviços postais começam a aparecer. Vários órgãos de informação aparecem sob vários nomes, “nouvelles à la main”, “avvisi”, “occasionnels”, “canards”, “libelles”, “almanachs”. É possível encontrar os chamados canards datados de 1529, mas não outros de datas anteriores. No entanto mais de 200 occasionnels foram impressos entre 1488 e 1529.

O que era o canard em sua concepção original? Era um documento impresso vendido por ocasião de um fait divers de atualidade, ou então relatando uma história apresentada como tal, nem sempre totalmente verdadeira. Pode-se perceber que no século XVI e início do século XVII havia um grande interesse pelos chamados faits divers, verdadeiros ou falsos. Embora consagrados em especial aos faits divers, é possível verificar laços estreitos com acontecimentos políticos e religiosos contemporâneos. O canard era um agente de difusão rápido, com uma clientela bastante grande e mais variada. Variavam normalmente entre 6 a 16 páginas. Normalmente eram utilizadas imagens para relatar fatos relacionados a milagres, monstros, inundações, fenômenos celestiais. Os crimes e fatos diabólicos não eram ilustrados. Raramente havia um comentário sobre a imagem, e algumas dessas imagens tinham como objetivo tornar o jornal mais agradável aos olhos, como nos relata J.P.Seguin (sem data), pois os canards possuíam a função de “distrair as massas dos assuntos mais sérios”. Muitas vezes as ilustrações eram cópias de outros canards, para ilustrar fatos diversos ocorridos em diferentes países, sobretudo os assuntos sensacionalistas, “para tocar fortemente as imaginações”. Até o final do século XIX o poder se utiliza dos canards para a propagação das piores insanidades, bem como de idéias consideradas perigosas.

O fato de os rumores, antes passados de boca em boca, serem publicados e, de certa forma, substituídos pelos chamados fait divers, pode ser revelador de alguns fenômenos. Primeiro, o homem daquele tempo se dá conta de uma nova tecnologia que pode lhe ser útil, preservando por mais tempo a novidade, que também pode ser repassada e lida por várias pessoas, em diversas cidades ou países; em seguida, o fato passa a ter uma versão que aparentemente não pode ser mudada por quem conta, mesmo que possa ser interpretada diferentemente por cada um que a lê; o uso de imagens para relatar os fatos, por mais inverossímeis que fossem, eram uma distração, e assim se criava a tradição da imprensa como veículo de diversão; finalmente, vemos como o poder facilmente se apropria da nova

possibilidade, trazida com a imprensa, da técnica usada pelo homem para se sobrepor a outros, manipulando ou não a informação.

Quanto à forma, todos estes canards, almanchs ou occasionels apresentavam características da imprensa escrita - folhas impressas que contavam com texto e imagem um fato extraordinário - exceto uma: a periodicidade. Somente em 30 de maio de 1630, ou seja, 200 anos depois da aparição da imprensa, Théophraste Renaudot funda La Gazette, com periodicidade regular. La Gazette marca o nascimento da imprensa periódica francesa (Guillauma, 1990). Por muitos anos, foi o que se pode considerar um órgão oficial do governo. Publicava essencialmente notícias do estrangeiro, e apenas em seu número 6, em 04 de julho, publica notícias da corte e de Paris. Quando Renaudot deixa Paris para St.Germain- en-Laye, um de seus adversários, o médico Guy Patin, escreveu: “Nossa cidade é cheia de pessoas curiosas e com fome de notícias... Parece que tudo está morto a partir do momento em que a Gazette não existe mais, vivem como bestas, sem saber o que se passa.”

Até o fim do século XVII a imprensa ainda se aparenta ao livro. Entre o final do século XVII e a metade do século XIX, a imprensa torna-se diversificada e politizada. A curiosidade dos leitores aumenta, as condições técnicas progridem, como por exemplo a uniformização dos caracteres, por François Didot. No século das Luzes, a imprensa é ainda um instrumento essencial da comunicação política.

Em 1789, com a Revolução francesa, tem início uma época de liberdade de escrever e imprimir. Entre maio de 1789 e dezembro de 1799, aparecem mais de 1500 periódicos de todas as formas e tendências (Guillauma, op.cit.). Faltava, no entanto uma revolução social, que acontecerá ao longo do século XIX e que será acelerada graças à evolução das técnicas. Com a Terreur, no entanto, surgem as restrições. Em 1811, só existem quatro jornais em Paris e 1 por Departamento.O processo de composição não evolui muito, até o século XIX.

Só no final do século XIX, por exemplo, tem-se a invenção da linotipo e da fotogravura em relevo sobre metal, permitindo misturar a ilustração ao texto. A mídia possui agora uma grande importância social e um grande interesse do poder em comunicar, inicialmente apenas com relação ao livro e em seguida para a imprensa. Com a revolução industrial e a invenção da fotografia, o livro evolui. E a impressão de imagens é cada vez mais necessária para os jornais, o que leva à criação de novas técnicas (Balle, 1999). Com a impressão realizada por meio de movimentos rotativos, as máquinas alcançam altas velocidades, o que torna possível a produção em massa e na hora. Com a produção em massa da imprensa, começa realmente o emprego de motores a vapor e sistemas integrados que recorrem a um sistema rotativo. Obras monumentais passam pouco a pouco a ter características das obras como as conhecemos hoje. Há uma multiplicação dos jornais, tornando acessível a um número cada vez maior de pessoas informação sobre assuntos de atualidade, política e geral. Os transportes melhoram, especialmente o trem. São criadas agências de imprensa, que alimentam os jornais com informações que seriam muito difíceis de conseguir e barateiam os custos. A imprensa francesa conhece o desenvolvimento que a leva à idade de ouro.

É também no século XIX que a idéia de nação, como é entendida hoje, surge, opondo- se à visão naturalista que se tinha dela anteriormente. E junto com a idéia de nação, surgem as noções de pátria e de língua associada à pátria – ou seja, no mesmo século conhecido como o século de ouro da imprensa. Fatos que se associam e se entrecruzam na história humana.

O nascimento do que se chamou informação e jornalismo modernos possui algumas datas simbólicas. Em 1830, Émile Girardin funda La Presse. Nos Estados Unidos, é fundado o New York Sun em 1833 e o New York Herald, em 1835. Em 1855, são fundados na Inglaterra o Sheffield Daily Telegraph, o Liverpool Daily Post e o London Evening News. Esses órgãos de imprensa rompem com a tradição de jornais feitos para um público

restrito e politizado. Pouco a pouco o preço dos jornais começa a cair. Em 1836, Moïse Millaud lança o Le Petit Journal a 5 centavos. Isso significa que o jornal não se dirige apenas a uma aristocracia de dinheiro e de instrução, mas a um público numeroso e heterogêneo. Nasce a grande imprensa, e com ela os impérios e os gigantes da imprensa, a informação como mercado, e os grandes ‘quotidiens’. A imprensa torna-se uma verdadeira indústria. Entre 1870 e 1920, o número de exemplares da imprensa parisiense passa de seus 1 milhão de exemplares para aproximadamente 5 milhões. Com a Segunda Guerra Mundial há uma grande virada na história da imprensa francesa, sem comparação.

É claro que cada época possui seus signos e símbolos, e, portanto, suas próprias representações. Os canards e os primeiros periódicos franceses, naturalmente, representavam as informações a partir de fatos que pareciam interessantes à sociedade da época. Com o correr do tempo, o aprimoramento das tecnologias e a possibilidade de distribuição cada vez mais precisa e rápida, com as transformações políticas e sociais, as necessidades mudam, o olhar sobre os fatos muda e, portanto, a relação da mídia com o público torna-se cada vez mais complexa. As reações são estudadas, o fluxo entre emissor e receptor é cada vez mais complexo. O turbilhão que orienta as invenções das técnicas, a partir das necessidades e desejos, existe em uma constante progressão, dentro de um âmbito mais largo que a invenção ela mesma.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 132-136)