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Teoria de notícias de imprensa escrita.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 143-150)

Capítulo 3. Discurso de imprensa

4.1. Teoria de notícias de imprensa escrita.

Van Dijk (1988) nos faz um resumo de importantes estudos sobre a mídia. Muitos estudos de notícias têm uma natureza anedótica. São sempre escritos por ex-jornalistas, que contam sobre suas experiências. Nos Estados Unidos, por exemplo, em um estilo narrativo, Rosenblum descreve como correspondentes estrangeiros trabalham, como conseguem as notícias, que tipo de problemas possuem (tais como a censura em países do terceiro mundo) e o quanto de notícias podem ser caracterizadas como golpes e terremotos. A filosofia política de tal trabalho é usualmente liberal. A imprensa é levada a ter um papel crítico.

Mas, nem todos os estudos pré-teóricos são meramente anedóticos. Alguns deles são bem documentados e baseados em pesquisas extensas.

O grupo de estudos de notícias do MIT gravou em videotape e analisou mais de 600 horas de notícias de TV. Seu interesse permanece com o framework de como a imprensa cobriu os candidatos para as eleições presidenciais nos Estados Unidos, o papel dos âncoras ou como a audiência é seduzida pelo entretenimento na TV. O estudo enfatiza o papel do jornalismo responsável e a necessidade de observadores de imprensa críticos. Muitos desses estudos estão interessados em como as notícias podem distorcer e são guiadas pelos acontecimentos. O corpus é usualmente fragmento de entrevistas e quadros de figuras, mais que análises fechadas de dados de notícias. Quase nunca podem ser vistos fragmentos extensos de textos de notícias na maioria desses estudos.

Conceitualmente, a análise de produção de notícias enfocava os problemas de organização, notícias e valores jornalísticos, controle político ou corporativo. Como análise social, permanece superficial e num macronível; como análise de notícias é impressionista. Geralmente contam histórias, em vez de analisá-las.

É preciso uma microanálise do processo de produção das notícias. Como, por exemplo, o jornalista interpreta o ambiente de notícias e como tal interpretação modela sua reprodução de acontecimentos e discurso.

Tuchman (1978, apud van Dijk, 1988) entende que as notícias não são caracterizadas como uma pintura da realidade, que pode ser correta ou não, mas como uma moldura através da qual o mundo social é rotineiramente construído. Sua ênfase está nas dimensões sociais e ideológicas da construção de notícias. Revela que uma microanálise também requer descrições sistemáticas de notícias, como um produto de práticas, e pouco é feito em relação a isso.

Outro estudo é feito por Fishman (1980). Conclui que os métodos de produção de notícias e a dependência de fontes externas levam a uma representação uniforme, ideológica do mundo. Ideologia não é tida como enraizada nas condições socioeconômicas e cognitivas dos “fazedores” de notícias.

Os estudos britânicos diferem bastante dos americanos. Praticamente nenhum estudo britânico sobre notícias tem uma perspectiva puramente microssociológica (etnometodológica). Muitos estudos são formulados em uma tradição de sociologia política (ou ciência sócio-política). Muitos desses estudos têm uma orientação marxista relacionados a trabalhos feitos na França ou na Itália, tal como os de estruturalistas franceses: Barthes, Foucault, Derrida, Pêcheux ou Althusser. Essa orientação dá mais atenção à análise ideológica da mídia, especialmente em uma perspectiva histórica e socioeconômica. Há mais atenção ao

conteúdo sistemático ou análise do discurso, parcialmente sob influência do estruturalismo francês.

No geral, o estudo britânico é inspirado macrosociologicamente, mas com interesse na análise ideológica e por isso há mais exemplos concretos de descrição de notícias atuais. Nem todos os sociólogos da imprensa britânica, no entanto, são marxistas, e nem todos são influenciados pelos estruturalistas franceses. Nos anos 1960 e 1970 houve um desenvolvimento na pesquisa de mídia britânica.

O estudo de Cohen (1980, apud van Dijk, 1988) dá muita atenção ao papel das notícias. Sua maior tese foi que o pânico moral como formulado na imprensa popular (tablóides) definiu os vários grupos de jovens como “folk devils”. Ele mostrou que a mídia tomou conta de um problema inicial e contribuiu para aumentar e confirmar os estereótipos. A orientação desse estudo é principalmente sociológica, baseada no trabalho de campo e dados sociais, e não descreve sistematicamente os textos de imprensa.

Os estudos britânicos dão atenção à natureza basicamente ideológica de reconstrução da mídia da realidade social como forma de reprodução das forças dominantes e ideologias na sociedade. Há ainda a noção de que desvios e marginalidade são reproduzidos nas notícias. No geral os estudos permanecem sociológicos. A Análise do Discurso mais de perto permanece exceção ou é reduzida à análise ideológica como o caso do grupo do CCCS (Center for contemporary cultural studies, em Birmingham, dirigido por Stuart Hall). Há atenção crescente na linguagem de notícia pelo modo como ideologias dominantes são formuladas. O estudo lingüístico ou gramatical é bem ilustrado por Fowler, Hodge, Kress & Trew (1979, apud van Dijk 1988). Uma análise semiótica sistemática de notícia é formulada por Hartley (1981), que estuda a dimensão da linguagem e visual da notícia e da mídia. Esses estudos lingüísticos e semióticos são os primeiros passos para um estudo mais analítico do discurso conforme pretendido por van Dijk (1988).

Na França, o jornal Communications permanece um fórum central de várias linhas de estudo, de análise estrutural de histórias dos anos 60 a vários outros estudos semióticos (Gritti; Violette Morin). O clássico estudo de Barthes sobre os “fait divers” permanece um bom exemplo de análise ideológica de acontecimentos mundanos na imprensa.

O que van Dijk conclui é que estudos britânicos, alemães e franceses diferem dos americanos, sendo que os estudos europeus dão atenção sistemática a dimensões ideológicas e produção da notícia.

Entendemos, a partir de van Dijk (1998), que a análise do discurso realiza muito mais que apenas descrever estruturas textuais: a ação da pragmática está envolvida. Uma análise em total escala envolve uma integração de texto e contexto no sentido de que o uso de um discurso em uma situação social é ao mesmo tempo um ato social. Similarmente, a interpretação e produção de um texto envolve os processos mentais de interpretação e formulação, uso do conhecimento e outras estratégias da dimensão cognitiva do discurso. Os significados do discurso, portanto, são meramente uma abstração desses processos de interpretação cognitiva.

Para van Dijk, falta um estudo sistemático e uma teoria de discurso de notícia, bem como estudos sobre a relação de estruturas e produção de notícias e processos de recepção. Segundo ele, um estudo total do discurso de notícias requer 1) descrição de estruturas textuais e 2) descrição de processos de produção e recepção do discurso de notícias em situações comunicativas e contextos socioculturais. Um dos objetivos da AD é entender como estruturas do discurso influenciam e são influenciadas pela situação social.

Estruturas temáticas

Mais do que em outros tipos de discurso, a organização temática do discurso de notícias tem um papel crucial. A análise sistemática de estruturas textuais de notícias começa

com uma explicação de noções como tema/tópico. Tópico é sobre o que o discurso é; o mais importante, o aspecto dominante, central de uma leitura.

Existe um primeiro nível chamado Macroestrutura, com uma macropoposição para cada parágrafo. Como significados em um nível local, as macroestruturas são caracterizadas em termos de proposição. As proposições são as menores, mais independentes construções de significado da linguagem e do pensamento. Numa dimensão referencial, proposições são também a menor unidade semântica que pode ser verdadeira ou falsa. Os tópicos do discurso de notícia formam uma estrutura hierárquica, com derivações de níveis mais baixos. Isso causa certo problema para a lógica da relevância dos textos de notícias, uma vez que nem sempre os tópicos principais vêm na lógica de acontecimento. Os antecedentes dos acontecimentos das notícias podem muito bem ser expressos depois, comparando sua posição semântica em relação ao acontecimento principal da notícia.

Discursos mais longos contêm vários tópicos, portanto, têm uma macroestrutura que consiste de várias macroproposições. Alguns tópicos são mais gerais ou abstratos que outros – portanto, a macroestrutura total tem uma organização hierárquica, na qual cada seqüência de macroproposições pode ser submetida a um nível mais alto de macroproposição. Essa relação hierárquica pode ser definida por macroregras, que representam e que intuitivamente entendemos por sumário. Macroregras são regras de mapeamento semântico ou transformações, que ligam proposições de níveis mais baixos com macroproposições de nível mais alto. Os tópicos são derivados do significado de um texto por essas macroregras de sumário.

As macroregras deduzem informação. Primeiro, deletamos toda informação que não é relevante, como pequenos detalhes; segundo, podemos pegar uma seqüência de proposições e substituí-las por uma generalização; e terceiro, substituir uma seqüência de proposições que denotam um ato ou acontecimento por uma macroproposição que denota o ato como um todo.

Para Charaudeau (2005), informação e comunicação são noções que remetem a fenômenos sociais. A mídia constitui um suporte organizacional que se ampara nessas noções (informação/comunicação) para integrá-las em suas diversas lógicas: econômica (fazer viver uma imprensa), tecnológica (qualidade e quantidade de sua difusão) e simbólica (servir a democracia cidadã).

A lógica econômica e a tecnológica são imprescindíveis, mas é a lógica simbólica que nos interessa: trata da maneira pela qual os indivíduos regulam as trocas sociais, constroem as representações que eles se dão dos valores que sustentam suas práticas, e isso criando e manipulando signos. Produzem assim sentido, e não é um paradoxo que essa seja a lógica que governa as outras.

É característico de uma comunidade social produzir discursos para justificar seus atos. Ora não é dito que esses discursos revelem o verdadeiro teor simbólico: às vezes eles mascaram, ou o pervertem, ou ainda revelam apenas uma parte.

A informação é essencialmente negócio da linguagem e a linguagem não é transparente ao mundo: ela apresenta sua própria opacidade através da qual se constrói uma visão, um sentido particular do mundo (Charaudeau, 2005). Todo texto produzido é portador de efeitos de sentidos possíveis.

Segundo Charaudeau, ainda, as mídias são espelhos que, deformando, testemunham, apesar de tudo, cada um a seu modo, uma parcela amplificada, simplificada, estereotipada do mundo.53

O universo da informação midiática, segundo Charaudeau, é um universo construído (Charaudeau, 2005:122). Não é, como se diz sempre, o reflexo do que se passa no espaço público mas sim o fato de uma construção. Segundo o autor, o acontecimento jamais é transmitido em seu estado bruto. A instância midiática impõe ao cidadão uma visão do mundo

que é ordenada por ela mesma e apresentada como se fosse natural ao mundo. Não nos esqueçamos, entretanto, da caracerística observada durante os ataques às torres do WTC, em que inicialmente tínhamos as imagens brutas, com uma narração confusa e perplexa pelo inusitado do acontecimento.

Tentaremos, metodologicamente, compreender o que aconteceu, no discurso, com o 11 de setembro, os temas e as perspectivas, o dito e o não dito, o que girou em torno da narração do acontecimento. Trataremos, como foi dito anteriormente, do acontecimento como construção; das dicotomias: Eu versus Outro, Mal versus Bem, religião versus laicidade; do ineditismo e do inusitado do acontecimento; das identidades reveladas no discurso; as representações; as construções mito-históricas da nação; a construção coletiva da imagem do Outro; a modificação da narração do acontecimento para a justificativa de entrada em guerra (Estados Unidos e Iraque); algumas linhas de pensamento e também os tópicos temáticos. Faremos uma passagem pela linha do tempo: 0 - 1 e 2, ou seja, no ano de 2001, de 2002 e finalmente de 2003, para compreendermos as modificações na construção do discurso e nas representações narradas.

Segundo van Dijk, as pessoas lembram muito pouco das notícias da imprensa ou da televisão. Veremos como o 11 de setembro se tornou um marco, em que não mais é preciso relembrar os fatos para fazer referência a qualquer outro fato a seu redor. Mas, ficou na memória ou no imaginário? Ou nos dois?

4.2. Corpus: Textos de imprensa escrita francesa após os

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 143-150)