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Le Nouvel Observateur – 20-26 sept 2001 Título: L’islam contre l’islam

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 176-182)

Capítulo 3. Discurso de imprensa

9) Le Nouvel Observateur – 20-26 sept 2001 Título: L’islam contre l’islam

Por: Jean Daniel

Neste artigo, Jean Daniel fala da posição americana e também européia em fazer a guerra, em vez de se pensar nos aspectos diplomáticos. Para o autor, várias personalidades americanas e européias se recusam a considerar os atentados do 11 de setembro como uma oposição entre islã e Ocidente. Essa tese seria uma expressão dos fanáticos terroristas islâmicos, que combatem em nome desse choque ou de uma incompatibilidade de civilizações.

Torna-se interessante notar como o autor do artigo consegue analisar aspectos psicológicos dos membros das redes terroristas, e como tais aspectos podem se assemelhar a teorias ocidentais de choque ou de fraturas civilizacionais.

O artigo traz também a questão de que os atentados são um “sinal” de uma primeira guerra do terceiro milênio, o que foi também expresso por vários outros artigos à época, e a questão do orgulho americano, idéia que depois foi sendo cada vez mais acentuada. No início tínhamos um ataque a toda a civilização ocidental, os europeus estavam órfãos e

emocionados, apavorados, etc, mas com o passar de poucos dias forjou-se a idéia de que o grande atacado foi o Estado americano.

Trecho:

I - Le spectre du choc des civilisations

La guerre, la guerre, la guerre... à force d’en parler, il faut bien finir par la faire. Redoutant que le lyrisme des promesses ne conduise à une irresponsabilité des comportements, de nombreuses personnalités américaines et européennes viennent de prendre une position claire. Elles refusent de considérer les attentats du 11 septembre contre les Etats-Unis comme le signe d’une première guerre du troisième millénaire qui opposerait l’Islam à l’Occident.

(...)

Ainsi, le geste des pilotes qui ont lancé leur avion contre les tours du World Trade Center et contre le Pentagone, provoquant plus de 5 000 morts civils et blessant la fierté américaine, s’inscrirait dans une stratégie antioccidentale. Les inspirateurs du terrorisme islamiste ne peuvent, quant à eux, être choqués par une thèse qui les exprime avec autant de compréhension. Après tout, la grande majorité des musulmans a sans doute condamné les attentats contre les civils, mais les partisans des guerres saintes combattent toujours au nom d’une incompatibilité de civilisations.

I – O espectro do choque de civilizações.

A guerra, a guerra, a guerra... por se falar tanto dela, é preciso acabar fazendo. Receando que o lirismo das promessas conduza a uma irresponsabilidade dos comportamentos, várias personalidades americanas e européias acabam de tomar uma posição clara. Elas se recusam a considerar os atentados do 11 de setembro contra os Estados Unidos como o sinal de uma primeira guerra do terceiro milênio que oporia o islão ao ocidente.

(...)

Assim, o gesto dos pilotos que lançaram seu avião contra as torres do World Trade Center e contra o Pentágono, provocando mais de 5000 mortos civis e ferindo o orgulho americano, se inscreveria em uma estragégia antiocidental. Os inspiradores do terrorismo islâmico não podem, quanto a eles, estar chocados por uma tese que os exprime com tanta compreensão. Após tudo, a grande maioria dos muçulmanos sem dúvida condenou os atentados contra os civis, mas os partidários das guerras santas combatem sempre em nome de uma incompatibilidade de civilizações.

M1) Ocidente / Islã

P1: ...qui opposerait l’Islam à l’Occident.

P2: Après tout, la grande majorité des musulmans a sans doute condamné les attentats contre les civils, mais les partisans des guerres saintes combattent toujours au nom d’une incompatibilité de civilisations.

Conclusões parciais

Nos textos de imprensa analisados, observamos na construção do acontecimento – a narração do 11 de setembro –, de um modo geral, o que se segue: A narração dos ataques terroristas às torres gêmeas em 2001 traz à tona, como a ponta de um iceberg, representações da identidade de uma sociedade. Essa narração do fato pode ser vista como uma narração heróica, em que temos a busca pela especificação de componentes da narração - como o Herói ou o mocinho (o Bem), o Bandido ou o culpado (o Mal) -, a trama, os detalhes – tais como local, horário, meios, número de vítimas no ar e nos prédios - o conflito, a inevitável busca pela justiça, o julgamento, a busca por um culpado com referências imutáveis e uma condenação prévia. Neste acontecimento não-fictício podemos verificar, explícita ou implicitamente, na relação entre texto e contexto, várias das chamadas entidades

mitoideológicas, especialmente o entendimento do choque de civilizações. Esses são os principais traços argumentativos utilizados nos textos jornalísticos em questão. Além disso, confunde-se o pressuposto líder e mandante dos ataques (que é muçulmano da ala radical) com a religião e os costumes islâmicos como um todo. Confunde-se islamismo, o islã fundamentalista, radical, com Islã, religião. Há uma valorização de Bem e de Mal, sem uma discussão ética dos valores. O ineditismo do acontecimento traz em si uma noção de atentado que passa pela ficção, quase como se contasse uma história cinematográfica.

Inicialmente, com o ineditismo do fato, se lida com uma memória imediata, sensorial – não se sabe exatamente como lidar com o fato em si e as imagens. Posteriormente, já é possível uma análise através da memória de curto termo, a memória de trabalho. Analisa-se, fazem-se comparações e julgamentos, mas os fatos estão ainda recentes. É preciso uma base cultural existente para que se compreenda e conviva com o fato. Num momento mais à frente, o acontecimento, já construído, passa a fazer parte da base de conhecimentos da sociedade, de sua cultura e ideologia. O acontecimento “11 de setembro” por si só já está inserido e

cristalizado e, aparentemente, sob a capa das entidades mitoideológicas explicadas pelo famoso choque de civilizações, aliado ao esquema terrorismo=fanáticos islamitas.

Os artigos analisados colocam a Europa em primeiro plano, ao relatar como as pessoas sentem a solidariedade para com os Estados Unidos e uma possível entrada na guerra contra o terrorismo. A França – uma vez que se trata de textos de imprensa francesa – aparece em um nível mais inferior na escala hierárquica do texto. Aparentemente, isso se deve ao fato de se querer impor um conjunto unido e hegemônico como representação da identidade das nações da União Européia.

Visto tratar-se de uma nação com fortes influências da civilização árabe, é surpreendente (ou não) notar como é percebido no texto o dualismo entre uma civilização Ocidental, dita Judaico-cristã, e o velho “rival”, o Islamismo. Em vários textos esses opostos aparecem, inclusive com abordagem e explicação de sua origem histórica. Mais interessante é que se toma como base analítica um paradigma religioso, em um país que se diz genuinamente laico.

Alguns artigos vinculam os atentados do 11 de setembro a Pearl Harbor. Entretanto, o ineditismo, a não procedência do acontecimento é um dos aspectos mais recorrentes e mais fortes em todos os textos.

É bastante claro que a linha jornalística de cada um dos jornais e revistas analisados pode ser dividida entre mais discreta e mais espetacular na construção da mensagem. De todo modo, entende-se que o jornal ou a revista possui um público receptor que se encaixa em um tipo de leitura e interpretação, e necessita de estruturas culturais conhecidas para compreender o inédito. Esses jornais e revistas apelam para o que o público receptor espera ler.

Podemos observar que o fundamentalismo islâmico, em sua oposição ao Ocidente, aparece como sendo um desestabilizador de uma civilização inteira, como se dentro desta mesma civilização não houvesse conflitos entre os próprios cristãos, e como se a civilização

árabo-muçulmana nunca tivesse tido contato pacífico e construtivo com o dito Ocidente. Devemos nos lembrar que para os árabes a palavra Maghreb (o “deitar”) é o Ocidente, e isso inclui, por exemplo, o Marrocos (Maghrb); e a palavra Machrek (o “levantar”) é o Oriente.

Podemos entender que de certo modo existe uma batalha entre a razão, ou tudo o que o Ocidente construiu, e a barbárie, a insanidade, o não-diálogo – mesmo que, assim como escreve Lattman-Weltman, o terror, à sua maneira, tenha um caráter expressivo, uma linguagem, sendo portador de uma mensagem que se traduz em atos: “é a linguagem do confronto absoluto”. Assim, podemos ainda entender que, se a razão é ocidental, logo a loucura é oriental, a não ser que, seguindo a idéia de pares, a razão não exista sem a loucura, e ambas as categorias estariam sempre juntas. Com esses exemplos podemos ver que o processo de evenemencialização passa obrigatoriamente pelo paradigma de um quase folhetinesco conflito entre Bem e Mal, Ocidente e Islamismo radical, razão e barbárie.

SETEMBRO DE 2002

Em setembro de 2002, temos como tópico geral o aniversário dos atentados do 11 de setembro, em especial o choque dos aviões às Torres do WTC, mais comentados do que os atentados ao Pentágono. É preciso levar em consideração os aspectos da passagem do tempo e sua relação com a narração do acontecimento. O distanciamento temporal nos leva ao trabalho da memória, e, de modo geral, não é mais necessário relatar o que aconteceu, com exceção de alguns poucos artigos. Nessa passagem do tempo, o antiamericanismo vem à tona entre os franceses, substituindo em grande medida o sentimento de compaixão, e o grande argumento é a invasão americana ao Iraque, anunciada pelo presidente George Bush. O uso da palavra

cruzada é novamente resgatado. A análise do apoio da direita religiosa e dos neoconservadores a Bush corrobora para que se comece a falar também de fundamentalismo cristão. Há um debate de idéias – religião versus laicidade.

Interessante observar alguns jornais com artigos que colocam em evidência as lições tiradas (ou não, como afirma Chomsky em artigo publicado no Le Monde de 11 de setembro de 2002) após os acontecimentos do 11 de setembro. Lições relativas a terrorismo, ameaças, imagem dos EUA no mundo, invasão do Iraque, ódio dos extremistas islâmicos em relação aos ocidentais.

Uma abundância enorme de produção editorial francesa e estrangeira também marcou o aniversário do 11 de setembro na França. Entre os lançamentos, temos: “Orient-Occident, la

fracture imaginaire” de Georges Corm, Editora La Découverte; “Pourquoi le monde déteste-

t-il l’Amérique” de Ziauddin Sardar et Merryl Wyn Davies, traduzido em francês por M.-F. Paloméra e J.-P. Mourlon, Fayard; “L’Islam à l’épreuve de l’Occident” de Jocelyne Cesari, La Découverte; “L’imposture du choc des civilisations” de Marc Crépon, Pleins Feux; “Lettres

démocratie à l’épreuve de l’islamisme”, de Frédéric Encel, Flammarion; “L’ennemi américain

– Généalogie de l’antiaméricanisme français”, de Philippe Roger, Seuil.

01) Le Monde – 10 septembre 2002

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 176-182)