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Corpus: Textos de imprensa escrita francesa após os atentados de 11 de setembro de 2001.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 150-156)

Capítulo 3. Discurso de imprensa

4.2. Corpus: Textos de imprensa escrita francesa após os atentados de 11 de setembro de 2001.

Foram analisados artigos do jornal Le Monde on line, Le Libération on line, e dos semanários Le Point, L’Express International, Le Nouvel Observateur e L’Expansion dos anos de 2001 (logo após os fatos ocorridos). Em seguida, alguns desses jornais e revistas no aniversário do 11 de setembro, em 2002 e em 2003. Não houve análise de artigos dos mesmos jornais e revistas utilizados em 2001, tanto pela impossibilidade de se conseguirem esses mídiuns, ou então porque nem todos tiveram artigos publicados sobre o 11 de setembro nos anos subseqüentes.

A escolha dos jornais e das revistas se deu por um lado pela disponibilidade, à época, e por outro pelo fato de se poder dividi-los entre mais ou menos discretos, mais ou menos eruditos; finalmente, o fato de termos essa diversidade de estilos, tanto semanários sensacionalistas, que exploram as imagens dos ataques em toda sua tragédia, como revista de peso na análise de aspectos da economia.

Vários outros textos de outros jornais franceses, brasileiros, americanos e italianos foram lidos, com o único objetivo de uma comparação e maior descrição/informação. Mesmo que apenas de modo superficial, é interessante relatar que, em um mundo de informação globalizada, que muda minuto a minuto, nos textos de imprensa francesa é possível notar aspectos particulares não observados nos demais jornais ou revistas de outros países.

Com a análise dos artigos de imprensa, pretende-se responder a questões sobre a lógica da informação (especialmente em acontecimento inédito); o processo de evenemencialização; a organização temática e narrativa sistemática na construção do

acontecimento no discurso de informação; e as intenções do discurso como justificativa das práticas organizacionais.

A reposta, aparentemente, está no sistema de relação entre texto e contexto, através das representações e das ideologias a elas subjacentes. Não se pode tratar de um tema, não se pode narrar um fato da atualidade sem estabelecer uma relação estreita com um contexto e, obviamente, com o público receptor da notícia – notícia que tanto pode ser repetida por vários anos e em vários artigos, ou ser esquecida rapidamente.

Façamos inicialmente uma análise geral de alguns jornais e revistas. Tomemos por exemplo os títulos de duas publicações francesas da época do ataque às torres gêmeas em Nova York. No L’Express de 13 de setembro de 2001 o título era “Les ‘Islamistes’ déclarent Guerre contre l’Occident” e no Le Point temos “Comment en finir avec les fous d’Allah”. As insinuações de uma necessária batalha contra o terror, com referências religiosas e comparações às antigas Cruzadas foram justificadas pelo caráter santo e justo da guerra que se travaria entre o Bem e o Mal. Na edição de 19 de setembro de 2001 do International Herald

Tribune, um pequeno artigo faz referência ao comentário sobre a cruzada contra o terrorismo do Presidente Bush, que provocara condenação no mundo árabe, onde o termo é interpretado como a guerra santa cristã contra Muçulmanos. No La Repubblica de 13 de outubro de 2001, Umberto Eco aborda a questão do confronto de civilização ou cultura, de uma guerra entre Oriente e Ocidente, e inclui entre os cristãos todos os ocidentais, mesmo os ateus e agnósticos. No New York Times de 11 de março de 2003, já durante o conflito EUA x Iraque, o artigo de Jackson Lears tem como título “How a war became a crusade”. Dois dias antes, Jimmy Carter, ex-presidente dos EUA, havia publicado um outro artigo: “Just war – or a Just War?”. Para Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique de Maio de 2003, o neo- imperialismo dos EUA renova a concepção romana de uma dominação moral – fundada na

concepção de que a livre-troca, a mundialização e a difusão da civilização ocidental são boas para todo mundo – mas também militar e midiática, exercida sobre povos considerados mais ou menos inferiores.

Conseqüentemente ao ato de terror, iniciaram-se ameaças e uma preparação (ou guerra) psicológica, antecedendo, inicialmente, o que se chamou Guerra ao terror, caça a seu provável patrocinador, Bin Laden, e, posteriormente, o ataque americano ao Iraque, país que, junto com seu líder, Saddam Hussein, passa a ser o alvo justificado tanto pelo terrorismo como pelo fato de deter armas de destruição em massa – algo não comprovado na época e nem atualmente, aliás. É a busca pelo culpado, pelo antagonista, numa narração heróica; a busca pelo Outro, necessariamente mau, o oposto ao Bem, do outro lado da fronteira. Em sua crônica em O Globo (29/09/2001), Affonso Romano de Sant’Anna analisa a guerra em torno de Bin Laden – “uma guerra espirrando sangue, estilhaçando corpos e aleijando consciências” – como, antes de mais nada, uma batalha de rituais e símbolos, quando os Estados Unidos começam a mobilizar o imaginário da população através de rituais cuja função era aglutinar os cidadãos e servir de catarsis para a perplexidade, rituais como o culto à bandeira, canto de hinos de fé na América ou visita às ruínas do World Trade Center, reativando símbolos e imagens estocadas no imaginário americano. A catarsis é extremamente essencial nas narrações heróicas, na busca por um culpado. E, para se buscar um culpado, é preciso um herói, moralmente amparado.

A maneira como a mídia, de modo geral, se colocou diante do evento do 11 de setembro e do ataque americano ao Iraque chama a atenção quanto aos aspectos argumentativos do discurso, em que se percebe a necessidade de envolver subjetiva e sentimentalmente os leitores, buscando adesões, transmitindo alguma ideologia ao mesmo tempo em que anula outra – e aqui cabe ressaltar, percebe-se tanto a intenção de hegemonia

americana quanto a posição anti-americanista, na tentativa de explicar um ato terrorista como revanchismo ao neo-liberalismo e a tudo o que representa.

Como todo discurso, o discurso jornalístico também quer convencer o leitor de sua legitimidade, persuadindo-o a se identificar com o que lê. O narrador pode se colocar de maneira mais ou menos distante do fato e sua narração, mas, de um modo geral, há apenas traços do enunciador. No entanto, para representar o mundo, é preciso que de algum modo sua presença seja marcada. A imprensa emprega abundantemente o modo de discurso indireto chamado résumé avec citations. Tem pretensão documentária, e repousa sobre uma ética da palavra exata, da objetividade, que leva a voz do discurso a se fazer o mais discreta possível.

Análise de artigos franceses

Consideremos, a seguir, com exemplos específicos, extratos de textos jornalísticos da imprensa escrita francesa na semana de 11 de setembro de 2001. Em seguida, tomaremos textos de setembro de 2002 e 2003, no sentido de visualizarmos uma possibilidade de mudança na construção da narração. A escolha do corpus deu-se na perspectiva da passagem temporal. Precisamos, ao mesmo tempo, de uma visão regressiva e progressiva do fato, e deste modo optou-se por uma comparação entre textos veiculados pela imprensa no decorrer de três anos do acontecimento.

Foi possível observar, além disso, uma mudança de estilo entre os jornais e revistas. No entanto, entre os suportes, imprensa escrita – papel – e imprensa escrita – virtual, não há mudanças consideráveis a serem relatadas.

Análise estrutural

A mídia, como vimos, precisa de sua própria análise estrutural, além de uma análise ideológica, cultural, semiótica e lingüística dos textos e da retórica de imprensa. O objeto central da notícia de imprensa são as mensagens em si mesmas.

Van Dijk estabelece uma análise baseada em tópicos e macroproposições e macroestruturas. As macroproposições, ou proposições, são expressas através de sentenças e por sua vez são parte de macroestruturas, ou tópicos. As macroestruturas são expressas indiretamente por longas partes de textos; não são palavras ou sentenças, mas fazem a descrição do discurso em um macronível. As macroestruturas estabelecem um link com as estruturas do discurso. Podemos resumi-las com a frase: «A informação mais importante é...».

Cada tópico de um texto é representado por uma macroproposição. A macroestrutura é o conjunto de proposições ou macroproposições.

Ex: Tópico M2

P1 P2 P3 M1 P1 P2 P3

Tópico: macroproposição subjetiva estrategicamente derivada, ligada a seqüências de proposições por macroprocessos (regras, estratégias) numa base de conhecimento de mundo, crenças e interesses pessoais. No uso da língua há uma dimensão social: os modelos são estocados na memória episódica e dão a informação que falta na interpretação de atos ou ações do discurso.

Macroproposição é uma estrutura hierárquica tópica ou temática.

Vejamos os seguintes extratos de textos do Le Monde, Le Libération, L’Express e Le Point na semana imediatamente após os atentados de 11 de setembro de 2001. Em seguida, veremos extratos dos anos de 2002 e 2003, na busca de superestruturas e macroproposições:

S1 (ou Superestrutura 1) – aliança anti-terrorista diante de um fato inesperado e sem precedentes: M1 (ou macroproposições 1): “Il s’agit d’abord de sceller une sainte alliance antiterroriste.”/ “Les attentats commis aux Etats Unis sont sans précédent.” / “L’événement est tout à fait inouï.”

M2 – choque islã (Barbárie, o inimigo, o Outro, Violência e fanatismo)/Ocidente. Religião (fanatismo) e Laicidade (razão). “Le nouveau siècle vient de vivre son premier acte majeur de barbarie.” / “ je suis frappé par la méconnaissance pathétique de l’islam en Occident.”

Para esta pesquisa, chegamos à conclusão de que existem macroestruturas e macroproposições recorrentes, de um modo geral, a todos os textos do corpus.

P1 – Religião. Bem e Mal. Laicidade (singularidade francesa em considerar o papel e o lugar do religioso na sociedade): “Ils consacrent une nouvelle ère de l’histoire du monde, consacrent une fracture entre civilisations.” / “Etrangement, la différence des Occidentaux abasourdis, tétanisés, ces foules enthousiastes ne semblent pas surprises outre mesure par cette apocalypse.” / “(...) aggraveront cette fracture entre civilisations occidentale et islamique.” P2 – Identidade nacional, fronteiras: Car la crainte est d’entrer dans une logique de confrontation islam-Occident.: “Ils soulèvent la question de l’inévitable riposte américaine.” / “D’ailleurs, dans les deux tours, il y avait beaucoup d’Européens, il y avait des musulmans, des Noirs.”

4.2.1 Análises:

SETEMBRO 2001

1) Le Point nr. 1514 – Numéro spécial – 21 septembre 2001

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 150-156)