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BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

No documento Revista de Direito Público (páginas 152-155)

Vivian Carla da Costa

1. BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado1 no ordenamento jurídico brasileiro, em regra, possui natureza objetiva, dispensando, portanto, a análise do elemento culpa para a sua

1“Trate-se de dano resultante de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica; por isso é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil”.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, p. 815.

“A responsabilidade civil do Estado consiste no dever de compensar os danos materiais e morais sofridos por terceiros em virtude de ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado”.

configuração. Sua previsão é constitucional, conforme narrativa do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que é reiterada pelo Código Civil de 2002, em seu artigo. 43.

No entanto, muito embora o tema seja objeto de dispositivo constitucional e infraconstitucional, engana-se quem pensa que prescinde de controvérsias. A sua aplicabilidade e eficácia nos casos concretos ainda são muito discutidas doutrinariamente, especialmente naqueles casos em que não se tem uma conduta ilícita, elemento crucial da responsabilidade civil, um não agir, uma omissão, que é situação não prevista expressamente nos textos legais.

Historicamente, a responsabilidade civil do Estado é assunto que já ganhou inúmeras roupagens. À época de regimes de governo absolutistas, a mais aceita era a Teoria da

Irresponsabilidade do Estado, em que não se admitia qualquer possibilidade de erro do soberano

(the king can do no wrong), haja vista que este usufruía de “[...] prerrogativa de ampla irrestrita imunidade”2. Assim, ainda que houvesse violação de direito alheio por parte do Estado, não havia qualquer responsabilização.

Da transição desse modelo para o Estado Liberal de Direito, resultaram intensas mudanças políticas, econômicas e, também, jurídicas, pois a figura do Estado foi se amoldando aos novos tempos e no campo da responsabilidade civil, a até então vigente Teoria da

Irresponsabilidade se tornou obsoleta, adotando-se, ainda que timidamente, a responsabilização

do Estado em determinadas circunstâncias, dando ensejo à elaboração das Teorias Civilistas.

Criou-se, doutrinariamente, a Teoria dos Atos de Império e Atos de Gestão, em que se propunha a análise do elemento culpa tão somente se a conduta praticada pelo agente público fosse considerada — e comprovada — como mero ato de gestão (iure gestiones), ou seja, praticada pelo agente público, mas em circunstância de particular. Em contrapartida, se a conduta fosse qualificada como ato de império (iure imperii), relacionada, portanto, à função pública, não haveria de se falar em responsabilidade do Estado, haja vista que praticada sob a égide da soberania.

Na prática, no entanto, tal teoria não surtiu efeito, haja vista que o Estado permanecia isento de qualquer responsabilidade. Afinal, nas palavras MONTEIRO, “[...] realizando um ou outro, o Estado é sempre Estado”3. Assim, a ineficácia desse modelo concedeu espaço à ascensão da Teoria da Responsabilidade Subjetiva, regra do ordenamento civil, em que se

“Na atualidade predomina a responsabilidade objetiva, que se caracteriza fundamentalmente pela dispensa de culpa na caracterização da obrigatoriedade de o Estado ressarcir a vítima de danos. A esta caberia apenas, além da prova dos prejuízos sofridos, a demonstração do nexo de causalidade”.

Paulo Nader, Curso de direito civil: responsabilidade civil, p. 322-323.

2 Romeu Felipe Bacellar Filho, Direito administrativo e o novo código civil, p. 203. 3 Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: parte geral, p. 105.

passou analisar também na seara pública o elemento culpa, resguardado o direito de regresso do Estado em face do se agente. Tal teoria veio prevista no art. 15, do Código Civil de 19164.

Inovou, portanto, o ordenamento brasileiro ao promover a responsabilização da pessoa jurídica de direito público pelos atos praticados pelos seus representantes. Contudo, a exigência da comprovação da culpa foi alvo de críticas, tendo em conta a dificuldade probatória, conforme elucida BACELLAR FILHO, pois “[...] impunha aos cidadãos lesados um encargo muito penoso, consubstanciado na obrigação de comprovar o dano e o comportamento culposo do agente estatal”5. Razão pela qual, seguindo uma evolução histórico-política, em que se progrediu para um Estado Democrático de Direito, advieram as Teorias Publicistas, a da Culpa

Administrativa e a da Responsabilidade Objetiva, sendo o risco o elemento definidor da

responsabilidade do Estado.

Atualmente, impera no ordenamento jurídico brasileiro a Teoria da

Responsabilidade Objetiva, que dispensa a culpa para a sua caracterização, “[...] em virtude da

amplitude de sua atuação diante dos cidadãos, tendo em vista a constatação de que prestação de serviços públicos cria riscos de eventuais prejuízos”6. Ou seja, basta que haja a prática da conduta, seja ela ilícita ou lícita7, e que afete substancialmente direito alheio, evidenciando-se, assim, o nexo causal, para que surja o dever de indenizar, conforme expõe, aliás, CAHALI8.

Essa teoria, por sua vez, também, possui duas vertentes, diferenciadas por BACELLAR FILHO9, a do Risco Integral, que atribuí de forma irrestrita a responsabilidade ao Estado — admitida no ordenamento brasileiro, ainda que timidamente, em casos de danos

4 “As pessoas jurídicas de direito publico são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrario ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”.

5 Romeu Felipe Bacellar Filho, Direito administrativo e o novo código civil, p. 208. 6 Flávio Tartuce, Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, p. 296.

7 “A responsabilidade estatal por ato lícito ocorre quando é imposta ao Estado a obrigação de indenizar efeitos danosos consumados sem que o Estado tenha atuado de modo a infringir a ordem jurídica. Marçal Justen Filho, Curso de direito administrativo, p. 1398.

8 “Na realidade, qualquer que seja o fundamento invocado para embasar a responsabilidade objetiva do Estado (risco administrativo, risco integral, risco-proveito), coloca-se como pressuposto primário da determinação daquela responsabilidade a existência de um nexo de causalidade entre a atuação ou omissão do ente público, ou de seus agentes, e o prejuízo reclamado pelo particular”.

Yussef Cahali, Responsabilidade civil do estado, p. 44-45.

9 “[...] a evolução constitucional e doutrinária culminou por desenvolver a teoria do risco, que acolhe duas espécies: risco integral e risco administrativo. Ambas adotam o princípio da responsabilização objetiva. A primeira consagra a responsabilização objetiva de modo integral, isto é, sem qualquer abrandamento e sem acolher qualquer tipo de excludente. A segunda, mais consentânea com a razoabilidade, é submissa à objetividade na responsabilização, mas admite algumas excludentes (culpa da vítima, força maior, caso fortuito)”.

ambientais —, e a do Risco Administrativo, que resguarda uma responsabilidade mitigada, admitindo-se, a depender do caso concreto, excludentes de responsabilidade11.

Todavia, ainda que a responsabilidade objetiva, vertente do risco administrativo, seja a regra do direito público, há circunstâncias que não são abrigadas, ao menos sob o fundamento do texto normativo, por essa modalidade. É o caso de atos omissivos do Estado, que deveria ter prestado determinado serviço público, mas não o fez, ou o fez de forma ineficiente. Ademais, o entendimento aplicável a tal situação está longe de ser pacífico no nosso direito, o que motivou a elaboração do presente artigo, que tem como objetivo a exposição dos posicionamentos que permeiam a temática da responsabilidade civil do Estado por omissão considerando as peculiaridades fáticas atuais.

No documento Revista de Direito Público (páginas 152-155)