• Nenhum resultado encontrado

I – RELATÓRIO.

No documento Revista de Direito Público (páginas 176-182)

Henrique Adriano Pazzott

I – RELATÓRIO.

Trata-se de consulta formulada pela Secretaria Municipal de Assistência Social, na qual solicita orientações quanto à aplicação da vedação de utilização de marcas, símbolos ou imagens associadas ao Governo Federal no período de eleições municipais, bem como à aplicação das orientações contidas na cartilha elaborada pela Advocacia-Geral da União aos agentes públicos municipais.

Salienta que teria sido informado do Ofício Circular n. 3/2020/COMON/CGCONT/SOAD/SE/MMFDH - Governo Federal, através de mensagem eletrônica enviada pela Coordenação de Monitoramento/MDF, com orientações em relação à vedação da utilização de marcas, símbolos ou imagens associadas ao Governo Federal, no período compreendido entre 15 de agosto a 15 de novembro (para os municípios cujas eleições se definirem no primeiro turno) e no período compreendido entre 15 de agosto a 29 de novembro (para os municípios cujas eleições se definirem no segundo turno), cujas orientações remetem aos esclarecimentos contidos na cartilha elaborada pela Advocacia-Geral da União que apresenta as condutas vedadas aos agentes públicos federais em eleições.

É a síntese necessária.

II – ANÁLISE.

A consulente solicita orientação quanto à aplicação da vedação de utilização de marcas, símbolos ou imagens associadas ao Governo Federal no período de eleições municipais, bem como à aplicação aos agentes públicos municipais das orientações contidas na cartilha elaborada pela Advocacia-Geral da União.

Cabe observar que a disciplina legal contida na Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições) e na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidades), mormente em seu art. 22, visa a impedir o uso do aparelho burocrático da administração pública de qualquer esfera de poder (federal, estadual, distrital ou municipal) em favor de candidatura, assegurando assim a igualdade de condições na disputa eleitoral.

Dispõe a Lei n. 9504/1997 (Lei das Eleições):

Art. 40. O uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)

VI - nos três meses que antecedem o pleito: (...)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas

entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

(...)

§ 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional.

(...)

§ 3º As vedações do inciso VI do caput, alíneas b e c, aplicam-se apenas aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição.

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5o Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4o, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.

§ 6º As multas de que trata este artigo serão duplicadas a cada reincidência.

§ 7º As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.

§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

§ 9º Na distribuição dos recursos do Fundo Partidário (Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995) oriundos da aplicação do disposto no § 4º, deverão ser excluídos os partidos beneficiados pelos atos que originaram as multas.

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. § 11. Nos anos eleitorais, os programas sociais de que trata o § 10 não poderão ser executados por entidade nominalmente vinculada a candidato ou por esse mantida. § 12. A representação contra a não observância do disposto neste artigo observará o rito do art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, e poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

§ 13. O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

(...)

Art. 78. A aplicação das sanções cominadas no art. 73, §§ 4º e 5º, dar-se-á sem prejuízo de outras de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes.

E prevê a Lei Complementar n. 64/1990 (Lei de Inelegibilidades):

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

(...)

Por fim, dispõe a Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral):

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

(...)

Assim, para efeitos da Lei n. 9.504/1997, enquadram-se na abordagem normativa os agentes políticos de todas as esferas federativas; servidores públicos efetivos e comissionados, da administração direta ou indireta, autárquica ou fundacional; empregados, sujeitos ao regime estatutário ou celetista, vinculados a órgão ou entidade pública (autarquias e fundações), empresa pública ou sociedade de economia mista; estagiários; gestores; ou qualquer pessoa vinculada a administração pública para a prestação de atividade pública (art. 73, § 1º).

Neste sentido, verifica-se que os dispositivos normativos contidos na Lei 9.504/1997 possuem ampla abrangência quando de sua denominação de agente público, ou seja, todos aqueles que possuem vínculo direto ou indireto com as atividades públicas estão sujeitos ao regramento da referida lei.

Partindo dessa premissa, é imperiosa a verificação de que a propaganda eleitoral é o meio oportuno para a manifestação de ideias e opiniões, que deve estar estrito à preservação da igualdade de oportunidades entre os candidatos, possuindo diretrizes normativas de asseguramento ao seu amplo exercício e de vedações de excessos na utilização desse instrumento eleitoral.

A propaganda eleitoral consolida-se através dos princípios orientadores da legalidade: a qual estipula a estrita observância de normas cogentes voltadas à vedação e permissão da propaganda como meio de manutenção da ordem pública; da liberdade: a veiculação da propaganda pode se dar de maneira ampla pelo candidato, observando o direito à ampla informação do eleitor e os limites estabelecidos pelo ordenamento; da responsabilidade: a observância da responsabilização legal

pelos excessos na veiculação da propaganda, sujeitando-se as cominações da lei; da isonomia de oportunidades: oportunidade igualitária existente entre os candidatos; e disponibilidade: possibilidade de abdicação do direito de veiculação de propaganda2.

Nesta senda, a Lei 9.504/1997 passa a estipular dispositivos que possuem teor cogente no tocante à utilização de propaganda eleitoral, como se verifica no rol de vedações (artigos 73 a 78), visando o impedimento do aparelho burocrático da administração pública de qualquer esfera da federação (federal, estadual, distrital ou municipal) em favor de candidatura, assegurando assim a isonomia de oportunidades na disputa eleitoral.

Além do rol de vedações concebidos nos artigos 73 a 78, referida lei tratou de dispor acerca das propagandas consideradas ilícitas.

O artigo 40 da Lei das Eleições dispõe que a utilização de propaganda eleitoral de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgãos do governo, empresas públicas ou sociedades de economia mista, são estritamente proibidas.

Extrai-se que o interesse intrínseco da redação contida no artigo 40 da Lei n. 9.504/97 é a coibição da possibilidade de associação da candidatura à Administração Pública, mesmo que seja o administrador o candidato. Nesse sentido, o entendimento professado pelo Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que para o enquadramento na previsão estabelecida no referido art. 40 é necessário o ato, tipicamente de propaganda eleitoral3.

Para o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul4, a mera tentativa de associação da candidatura a projeto ou programa estatal é viciado por ilegalidades, haja vista que a finalidade da norma é a vedação a associação de candidato a atos vinculados à Administração Pública, independente da obtenção de benefício eleitoral, sendo que apenas a divulgação dos feitos incorreria na irregularidade vedada pela norma jurídica.

2 CASTRO, Edson de Resende. Curso de direito eleitoral. Del Rey, 2018, Revista e Atualizada, p. 282. 3 “Recurso especial. Ação penal. Símbolos, frases ou imagens associadas à administração direta. Uso em

propaganda eleitoral. Art. 40 da Lei no 9.504/97. Programa de prestação de contas à comunidade. Uso do brasão

da Prefeitura. 1. Para configurar o tipo penal do art. 40 da Lei no 9.504/97, é imprescindível que o ato praticado seja tipicamente de propaganda eleitoral. 2. A utilização de atos de governo, nos quais seria lícito o

uso de símbolos da Prefeitura, com finalidade eleitoral, pode, em tese, configurar abuso do poder político, a ser apurado em processo específico. 3. Recurso conhecido e provido.”(Ac. de 19.8.2003, no Respe no 21290, rel.

Min. Fernando Neves.)

4 BRASIL, RE 49-87.2016.6.21.0163, rel. DRA. MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ, sessão 07/02/2017.

Ainda assim, conforme outro julgado do TRE-RS, não é proibida a divulgação de realizações decorrentes do exercício do mandato de candidato à reeleição. A vedação instituída pela norma diz respeito a utilização de símbolos, frases ou imagens oficiais de programa institucional de órgão governamental, buscando-se evitar o eventual benefício a candidaturas governistas.

Nesta mesma seara, imperioso destacar a Resolução nº 295 do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, a qual dispõe: “Resolução nº 295, de 05/08/1994 - Cessação da veiculação de toda e qualquer publicidade ou propaganda que revista natureza eleitoral, pela possibilidade de beneficiar direta ou indiretamente candidatos, mediante a divulgação de símbolos, nomes, imagens, obras realizações, serviços.”

O entendimento professado pelo TRE-PR não diverge do TRE-RS e do TSE:

A imparcialidade, a impessoalidade que deve reger a atuação do Estado ficaria diretamente agredida se permitisse que candidato lançasse mão, em sua campanha, de símbolo de qualquer um desses órgãos para representar a sua candidatura. O candidato não é o Estado, e por isso não deve estar representado por símbolo associado ao próprio Estado, ou a ele semelhante.6

Não obstante, a vedação da utilização de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgãos do governo, empresas públicas ou sociedades de economia mista passou a ser vedada pela Resolução nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019, que dispõe sobre a propaganda eleitoral e as condutas ilícitas praticadas em campanha e o horário eleitoral gratuito aplicável às eleições municipais de 2020.

Nos artigos 84 e 88 da referida Resolução, consta expressamente:

Art. 84. A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou de servidores públicos (Constituição Federal, art. 37, § 1º).

(...)

Art. 88.Constitui crime, punível com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de R$ 10.641,00 (dez mil, seiscentos e quarenta e um reais) a R$ 21.282,00 (vinte e um mil, duzentos e oitenta e dois reais), o uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, por empresa pública ou por sociedade de economia mista (Lei nº 9.504/1997, art. 40).

5 BRASIL, TRE-RS - RE 25403 RS, Relatora Desa. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Data de Julgamento 02.10.2012, Data de Publicação PSESS - Publicado em Sessão, Data 02.10.2012.

6 REPRESENTAÇÃOn°1571-65.2014.6.16.0000, 06/08/2014. Disponível em <http://www.tre-

Assim, as vedações contidas na Lei 9.504/97, em especial o art. 40, objeto de questionamento do teor de sua aplicação, possuem aplicação imediata nas eleições municipais, reafirmadas pela Resolução 23.610/2019.

No documento Revista de Direito Público (páginas 176-182)