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NOTAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO

No documento Revista de Direito Público (páginas 155-159)

Vivian Carla da Costa

2. NOTAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO

Em contrassenso à regra geral civil, no âmbito público, prevalece a responsabilidade objetiva, dispensando o elemento culpa, quando o Estado, no exercício de sua atividade administrativa, tendo como escopo a satisfação do interesse público, gera danos aos administrados.

Assim, partindo dos requisitos gerais da responsabilidade civil, basta que reste comprovada a conduta comissiva ilícita por parte do Estado, a ocorrência de um dano a terceiro e o nexo de causalidade entre ambos, para que surja, então, o dever de indenizar. É o entendimento que se extrai da literalidade do texto constitucional, replicado no vigente Código Civil, que destaca o critério “causalidade” entre o ato ilícito e o dano:

CF. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

10 “[...] com a teoria do risco integral, o poluidor na perspectiva de uma sociedade solidarista, contribui – nem sempre de maneira voluntária – para com a reparação do dano ambiental, ainda que presentes quaisquer das clássicas excludentes da responsabilidade ou cláusula de não-indenizar. É o poluidor assumindo todo o risco que sua atividade acarreta: o simples fato de existir a atividade produz o dever de reparar, uma vez provada a conexão causal entre dita atividade e o dano dela advindo”.

Édis Milaré. Direito do ambiente: doutrina – jurisprudência – glossário, p. 764.

11 “[...] as causas clássicas de exclusão da responsabilidade são a) caso fortuito ou força maior, deixando de lado a discussão acerca do entendimento de que constituem a mesma coisa; b) culpa exclusiva da vítima, pois são as únicas com força de romper o liame causal entre a atuação do Estado e o dano verificado”.

obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

CC. Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Entretanto, sendo o Estado garantidor de direitos fundamentais, não se pode olvidar que tal condição lhe traz a responsabilidade de resguardar o mínimo existencial à sociedade, materializado no dever de prestação de serviço público, devendo ser ainda eficiente. O seu não cumprimento, portanto, caracteriza flagrante omissão estatal.

Ocorre que, fazendo uma leitura superficial dos textos legais, vê-se que não há previsão expressa de responsabilização do Estado em razão de atos omissivos, o que poderia levar a uma simplória interpretação restritiva de irresponsabilidade. Leitura que, no entanto, não pode ser admitida ao se considerar o papel do Estado e seus deveres em um estado democrático de direito.

Inobstante, enquanto a irresponsabilidade do Estado é afastada, a responsabilidade objetiva também não é considerada como regra, tal como acontece com condutas inequivocamente comissivas. Para BANDEIRA DE MELLO, se não há atuação do Estado, não pode ser ele considerado o autor do dano, devendo invocar-se, portanto, a responsabilidade subjetiva:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano12.

Posicionamento que se coaduna com aquilo defendido por CARVALHO FILHO ao afirmar que, não se enquadrando expressamente nas especificidades da

responsabilidade objetiva, já exceção do ordenamento jurídico brasileiro, aplica-se, então, a regra geral, que é a responsabilidade subjetiva:

A responsabilidade objetiva é um plus em relação à responsabilidade subjetiva e não deixa de subsistir em razão desta; além do mais, todos se sujeitam normalmente à responsabilidade subjetiva, porque essa é a regra do ordenamento jurídico. Por conseguinte, quando se diz que nas omissões o Estado responde somente por culpa, não se está dizendo que incide a responsabilidade subjetiva, mas apenas que se trata da responsabilização comum, ou seja, aquela fundada na culpa, não se admitindo então a responsabilização sem culpa13.

Tal entendimento, aqui exemplificado por dois juristas, mas que alcança inúmeros adeptos no Direito Administrativo, ancora-se no elemento culpa, rememorando a

Teoria da Culpa Administrativa, em que, nas palavras de LOPES MEIRELLES, para que o Estado

seja responsabilizado“[...] exige-se a falta do serviço público [...]”14.

Trata-se de raciocínio lógico e razoável aplicar a regra geral a casos que não encontram correspondente solução no texto normativo. Contudo, não se pode perder de vista que a Teoria da Culpa Administrativa é obstaculizada pela dificuldade probatória de se demonstrar o referido elemento no caso concreto. A bem da verdade, a aplicação de tal teoria facilita a não reparação do dano pelo administrado que, em razão de sua hipossuficiência, pena para demonstrar a ineficiência do serviço público prestado e a relação direta com o dano sofrido.

Isto posto, ganha força a corrente doutrinária que, a partir de uma leitura hermenêutica do texto constitucional, amplia aos atos omissivos a responsabilidade objetiva, exigindo, tão somente, a demonstração do nexo de causalidade entre a omissão e o dano sofrido pelo terceiro. É o que entende, no mais, DI PIETRO:

Alguns, provavelmente preocupados com as dificuldades, para o terceiro prejudicado, de obter ressarcimento na hipótese de se discutir o elemento subjetivo, entendem que o dispositivo constitucional abarca os atos comissivos e omissivos do agente público. Desse modo, basta demonstrar que o prejuízo sofrido teve um nexo de causa e efeito com o ato comissivo ou com a omissão. Não haveria que se cogitar de culpa ou dolo, mesmo no caso de omissão15.

13 José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, p. 572. 14 Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, p. 611.

Há autores que vão além e defendem uma responsabilidade irrestrita do Estado, retomando a ideia da Teoria Integral do Risco, como TARTUCE, quando invoca o novo paradigma da responsabilidade pressuposta16, em que se desloca o foco da responsabilidade civil daquele que causa o dano para a vítima, defendendo o imediato dever de reparação do Estado se diante de condutas consideradas “socialmente reprováveis”17, a exemplo de balas perdidas.

Neste diapasão, longe de se pretender classificar tais teorias como “melhor” ou “pior”, o que se conclui é que, em que pese seja delicado pretender atribuir ao Estado todas as máculas que acometem a sociedade, não se pode fechar os olhos para a realidade fática, em que o Estado, garantidor dos direitos fundamentais da sociedade, está sujeito a falhas no exercício da sua atividade administrativa que causam danos e ficam à margem de reparação.

Diante deste cenário, na tentativa de mitigar a celeuma, o Supremo Tribunal Federal tem se valido dos conceitos de omissão genérica e específica, muito bem distinguidos por CAVALIERI FILHO18, para defender que a “[...] responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal abrange também os atos omissivos do Poder Público”19-20.

16 “Se for o caso for o de observar um horizonte histórico de responsabilidade civil, este instituto contemporâneo é um instituto que hoje, exige uma reformulação de concepção e clama por uma concepção ético-política, vale dizer uma concepção que vá além da sua singela compreensão dogmática ou burocrática. A compensação e a reparação, porque, porque são formas concebidas contemporaneamente para o reequilíbrio da vida social, não podem simplesmente procurar restabelecer um mesmo estado anterior de pouca cidadania. Clama também por obrigação e responsabilidade civil, mas pode – ou melhor, deve – fazer da responsabilidade civil um instrumento para garantia de direitos sociais e de exercício de direitos civis por todos os cidadãos, inclusive o direito à propriedade”.

Giselda Maria F. Novaes Hironaka, Responsabilidade pressuposta, p. 346.

17 “[...] pensamos que essa teoria de responsabilização mediante culpa do Estado, em caso de omissão, deve ser revista, principalmente nos casos envolvendo falta de segurança, mormente as balas perdidas. [...] pode-se dizer que, no quesito segurança – como também em outros -, o Estado não vem cumprindo suas obrigações assumidas perante a sociedade. A sua conduta, nessa área, pode ser tida como socialmente reprovável”.

Flávio Tartuce, Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, p. 482-483.

18 “Se um motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado”.

Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, p. 231.

19 STF. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AI n. 766051. Relator Ministro

Gilmar Mendes. DJe 29.06.2011. Disponível em: <

https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur194399/false>. Acesso em: 02 dez. 2020.

20 “[...] A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. – Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de

E, recentemente, o Colendo Tribunal Supremo conferiu repercussão geral ao tema, em RE n. 136.861, de relatoria do Min. Edson Fachin, consolidando a responsabilidade objetiva do Estado a partir da teoria do risco administrativo, desde que demonstrada a violação de dever jurídico específico de agir21.

Assim, o que se conclui é que, tratando-se de omissão específica, quando há um dever de agir individualizado do Estado inadimplido, dispensa-se a análise da culpa sobre a falha na prestação do serviço. Em contrapartida, naqueles casos em que não há comprovação da omissão estatal ser a causa direta do dano sofrido pelo administrado, caracterizando, assim, uma omissão genérica, invoca-se a regra geral da responsabilidade subjetiva, exigindo-se, então, produção de provas.

No documento Revista de Direito Público (páginas 155-159)