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Breve histórico da situação da criança e do adolescente no Brasil

4. BREVE HISTÓRICO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO

4.4. A evolução do instituto no Brasil

4.4.1. Breve histórico da situação da criança e do adolescente no Brasil

A compreensão da evolução do trato destinado a crianças e adolescentes ao longo de nossa história auxiliará no entendimento a cerca do desenvolvimento do instituto da adoção em nosso ordenamento jurídico.

Importante salientar que nem sempre as crianças e os adolescentes foram tratados como sujeitos de direitos, essa visão é atual e foi implantada no Brasil com a o advento da Constituição Federal de 1988, e, posteriormente, foi desenvolvida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Até o século XIX as crianças e os adolescentes não eram vistos como seres merecedores de tratamento especial, adequado ao seu estado de vulnerabilidade por encontrar- se em fase de desenvolvimento.

No período colonial os filhos eram tratados com se fossem propriedade dos pais, por isso estavam mais propensos a servi-los do que a merecer cuidados especiais. A vida familiar girava em torno dos interesses do patriarca.

O pátrio poder era suficiente para justificar toda a sorte de maus tratos e constrangimentos que as crianças sofriam dentro de sua própria família, pois, conforme a mentalidade “adultocêntrica” da época, os castigos, muitas vezes imoderados, tinham caráter pedagógico. O Estado por seu turno não se preocupava em desenvolver mecanismos de proteção aos interesses dos menores, sequer para mantê-los a salvo de abusos, violência e discriminação.

Durante muitos séculos crianças e adolescentes sofreram com a indiferença dos adultos. Em certos casos praticamente não se distinguia uma criança de um adulto, a elas eram atribuídos inúmeros deveres, como se tivessem a capacidade de discernimento entre o que é certo ou errado.

No o século XIX o Brasil despontou como um país independente, tendo início o processo de urbanização, que contribuiu para o começo da modernização do país. A estratificação social passou a ser determinada conforme o grau de contribuição para o progresso da nação. Então, aumentou a preocupação com a ocupação do espaço urbano pelos pobres, entre eles as crianças e os adolescentes abandonados e delinquentes, que eram muito temidos, além de indesejados, porque “manchavam” a imagem das cidades.

No que diz respeito à prática de delitos, crianças e adolescentes sujeitavam-se a legislações baseadas na “Doutrina do Direito Penal do Menor”, que fundava a imputabilidade infanto-juvenil na pesquisa do discernimento, cabendo ao magistrado a competência para averiguar o grau de esclarecimento do infrator em relação a sua conduta, analisando os elementos de sua conduta, de sua vida. A criança era punida quase como se fosse um adulto.10 O art.13, do Código de 1830, autorizava o juiz a punir com reclusão o menor de 14 (quatorze) anos, in verbis:

Art.13. Se se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos às casas de correcção, pelo tempo que ao juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda à idade de dezessete anos.

Nesse sistema crianças e adolescentes eram lançados, completamente, ao arbítrio dos adultos, que, à época, não tinham uma mentalidade protetora em relação à infância e a juventude, mas repressora.

Ângela Pinheiro, em estudo aprofundado sobre a realidade de crianças e adolescentes ao longo da história do Brasil, apresenta as quatro representações sociais mais recorrentes da criança e do adolescente na sociedade brasileira. Essas representações sociais são construções simbólicas, que se fazem instrumentos de apreensão da realidade, analisando- se contexto histórico, momento político, valores sociais, instituições e suas atualizações.

Em primeiro lugar, a mencionada autora apresenta as crianças como objetos de proteção social. Essa representação dirige-se, principalmente, à criança nos seus primeiros anos de vida, a sua emergência história é a mais antiga entre as representações sociais, remonta ao século XVIII, com a “Roda dos Expostos”, instituição ligada às Santas Casas de Misericórdia, que tinha como objetivo acolher crianças abandonadas, muitas vezes por serem pobres ou filhos ilegítimos, tidos fora do casamento. Assim, a proteção social consubstanciava-se na transferência de responsabilidades na criação do infante. A atualização dessa representação está na prática continua de colocar crianças nos orfanatos e nas portas das residências, para que sejam adotadas.

Em segundo lugar, mostra a criança e o adolescente como objetos de controle e disciplinamento social. Essa concepção sobre crianças e adolescentes emerge no final do século XIX e início do século XX, momento em que o país vive o fim da escravidão e o início de sua modernização e urbanização.

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10 REBOUÇAS, André Bonelli. Ibidem. Disponível em: http://tede.ucsal.br/tde_arquivos/1/TDE-2009-07- 06T140929Z-99/Publico/ANDRE%20BONELLI%20REBOUCAS.pdf. Acesso em: 16.04.11.

A atividade dos médicos higienistas contribuiu muito para a visão de que crianças e adolescentes tinham de ser um investimento do Estado, que devia retirá-los das ruas e colocá-los a seu serviço. Essa nova concepção baseava-se em escolarizar e profissionalizar crianças e adolescentes para que fossem os homens de amanhã, a serviço do progresso da nação.

A ideia era prepará-los como mão-de-obra para que fossem úteis às atividades próprias de um país subdesenvolvido, sendo disciplinados em uma condição de subserviência. Essa era uma forma de controlá-los para que não subvertessem a ordem e não ficassem na ociosidade, propensos à criminalidade.

A atualidade dessa representação está na continuidade de práticas sociais e políticas que consistem na formação profissional dos adolescentes oriundos das camadas pobres para que se tornem futuros ocupantes de lugares de subordinação. A manutenção de instituições profissionalizantes vinculadas à classe patronal, como SESC, SENAI e SENAC, é um exemplo da contextualização atual dessa representação social. A ideia central dessa representação é o pensamento de que é melhor o adolescente pobre aprender um oficio do que ficar na ociosidade.

A terceira representação social mais recorrente consiste na concepção de crianças e adolescentes como objetos de repressão social. A célere urbanização pela qual o país passou nas décadas de 1930 e 1940 fez muitas famílias migrarem do campo para a cidade, contudo os espaços urbanos não tinham estrutura para absorver esse contingente. Isso resultou na crescente marginalização e desemprego para as classes populares. O Estado não estava preparado para atender tamanha demanda. Assim, muitas crianças e adolescentes não eram absorvidos pelas políticas públicas de profissionalização, por isso ficavam na ociosidade e facilmente entravam na delinquência.

O Estado buscou outra forma de intervenção para solucionar o perigo que esses infantes representavam para a sociedade. O meio utilizado foi a institucionalização, que implicava na segregação, no isolamento, na punição como forma de correção. Para enfrentar essa nova realidade foi criado o primeiro Código de Menores (1927), o Setor de Atendimento dos Menores – SAM (1940), a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor - FUNABEM (1964). Nessas instituições os menores sofriam toda sorte de abusos, pois o Estado era repressor e seus agentes impiedosos. Além disso, não propiciavam meios para que o infante e o adolescente saíssem da criminalidade.

A concepção da criança e do adolescente como objetos de repressão continua ocupando espaço significativo no pensamento da sociedade brasileira, permanecendo atual o

caráter repressivo. O crescimento da violência nas últimas décadas tem fortificado essa representação social, legitimando o discurso da repressão como meio para corrigir o adolescente envolvido com a prática de delitos.

As três representações sociais da criança e do adolescente apresentadas até momento expõem o trato destinado à infância e à juventude carente, exteriorizando os reflexos das desigualdades sociais na vida dessas pessoas.

Essas representações demonstram a realidade das crianças e adolescentes que estão à margem da sociedade. Até o final da década de 80 esses meninos e meninas eram denominados de “menores”, expressão carregada de sentido pejorativo e discriminatório.

Ressalte-se, por oportuno, que as crianças e adolescentes das classes mais abastadas não estavam livres do tratamento degradante, pois, conforme se depreende do relato inicial, a sociedade brasileira, até o final do século XX, tratava crianças e adolescentes como seres sem vontade própria, educados, exclusivamente, para obedecer aos pais e submeterem- se a eles, sob pena de castigos severos. As classes economicamente mais favorecidas utilizavam-se dos internatos para disciplinar seus filhos. Essas instituições tinham um modelo pedagógico rígido, inflexível, que isolava o interno da sociedade e da família.

A quarta representação social é a da criança e do adolescente como sujeitos de direitos. Sua emergência é recente e floresceu com as lutas pelos direitos humanos no cenário mundial e ganhou espaço no território brasileiro nas décadas de 70 e 80, época em que a sociedade manifestava-se pela democratização do país e pela garantia de direitos. Convenções e tratados eram realizados no âmbito internacional, tendo por objeto central as crianças e os adolescentes.

Dois princípios fundamentam a elevação de crianças e adolescentes à categoria de sujeitos de direitos: o princípio da igualdade e o princípio do direito à diferença. O princípio da igualdade destina-se a garantir tratamento igualitário a todas as crianças e adolescentes, independentemente de qualquer critério classificatório. Esse princípio se propõe a favorecer a inclusão, opondo-se à segmentação que existia nas outras representações. O princípio do direito a diferença consiste em respeitar a condição de vulnerabilidade de crianças e adolescentes em relação às outras pessoas, em função da sua condição de indivíduos em fase de desenvolvimento. Por isso fazem jus aos direitos e garantias que são destinados a todo ser humano, como aos direitos e garantias específicos para atender a sua condição de pessoas em fase de desenvolvimento. A criança e o adolescente passaram de objetos a sujeitos. Estado, sociedade e família possuem o dever constitucional de prioriza-los em suas práticas cotidianas.

Essa última representação social de crianças e adolescentes opera uma reforma moral e intelectual na lida com essas pessoas. Princípios como o da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente ganharam espaço e passaram a reger, com absoluta prioridade, a atuação do Estado, da família e da sociedade em relação à infância e à juventude.11

As representações sociais são categorias de pensamento que expressam a realidade, explicando-a, justificando-a ou questionando-a. Elas podem coexistir, havendo em dado momento a predominância de uma em relação à outra, mas cotidianamente se reformulam e se reatualizam conforme as influências políticas, sociais, culturais e econômicas vigentes.12