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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO RAFAELLA VASCONCELOS CRONEMBERGER

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

RAFAELLA VASCONCELOS CRONEMBERGER

A ADOÇÃO CONFORME A LEI 12.010 DE 03 DE AGOSTO DE 2009: UMA ANÁLISE SOBRE A REGULARIZAÇÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA.

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RAFAELLA VASCONCELOS CRONEMBERGER

A ADOÇÃO CONFORME A LEI 12.010 DE 03 DE AGOSTO DE 2009: UMA ANÁLISE SOBRE A REGULARIZAÇÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA.

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Área de Concentração: Direito Civil.

Orientador: Francisco de Assis Filgueira Mendes

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© Universidade Federal do Ceará Biblioteca da Faculdade de Direito

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Camila Morais de Freitas CRB -3/1013

C947a Cronemberger, Rafaella Vasconcelos

A adoção conforme a Lei 12.010 de 03 de agosto de 2009: uma análise sobre a regularização da filiação socioafetiva / Rafaella Vasconcelos Cronemberger. – Fortaleza: 2011.

78 p.

Orientador: Prof. Francisco de Assis Filgueira Mendes. Área de Concentração: Direito Civil.

Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Fortaleza, 2011.

1. Adoção - Brasil. 2. Homossexualidade – Brasil. 3. Direito de família - Brasil. 4. Pais e filhos – Brasil. I. Mendes, Francisco de Assis Filgueira (orient.). II. Universidade Federal do Ceará - Graduação em Direito. III.Título.

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RAFAELLA VASCONCELOS CRONEMBERGER

A ADOÇÃO CONFORME A LEI 12.010 DE 03 DE AGOSTO DE 2009: UMA ANÁLISE SOBRE A REGULARIZAÇÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA.

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Civil.

Aprovada em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_______________________________

Prof. Francisco de Assis Filgueira Mendes (Orientador) UFC – Universidade Federal do Ceará

_________________________________ Prof. José Adriano Pinto (Examinador)

UFC – Universidade Federal do Ceará

_________________________________ Prof. Júlio Carlos Sampaio Neto (Examinador)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, pelas oportunidades que me foram dadas, pela força e pela fé.

Aos meus familiares, pela dedicação cotidiana na minha formação moral e intelectual, bem como pelo apoio e incentivo, especialmente aos meus pais e ao meu irmão pelo amor incondicional.

Ao meu namorado, por todo carinho, por acreditar no meu potencial e incentivar os meus planos e por estar sempre ao meu lado, sobretudo, quando mais preciso.

Aos colegas de turma, que deram mais suavidade a essa caminhada, compartilhando suas vivências e colocando-se à disposição para contribuir com meu crescimento pessoal e intelectual.

À Defensora Pública, Érica Albuquerque, por sua disponibilidade e auxílio na condução do conteúdo deste trabalho, tendo contribuído com seu conhecimento prático na atuação na coordenação do Núcleo de Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude.

Aos professores que semearam a sede de aprender e auxiliaram na minha formação acadêmica, especialmente àqueles que aceitaram compor a banca examinadora desta monografia, bem como ao professor Francisco de Assis Filgueira Mendes, orientador do presente trabalho.

(6)

“Eu fazia do amor um cálculo matemático errado. Pensava que somando as compreensões eu amava. Não sabia que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente.”

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RESUMO

Relata as inovações que foram implantadas pela Lei 12.010 de 03 de agosto de 2009 no contexto da adoção e seus reflexos na regularização da filiação socioafetiva. Apresenta os princípios que informam o Direto da criança e do adolescente e sua relevância na interpretação das leis, para que estas atinjam a finalidade do ordenamento constitucional brasileiro. Aborda a evolução histórica do instituto, inclusive seu desenvolvimento na legislação pátria. Aponta conceitos relacionados ao tema que permitem a compreensão do trato que atualmente é destinado a crianças e adolescentes. Demonstra a relevância do afeto como elemento constitutivo das relações familiares. Objetiva demonstrar que a filiação socioafetiva é um dado real que precisa da tutela jurídica para garantir seus efeitos e para firmar o compromisso do ordenamento jurídico pátrio com o princípio da dignidade da pessoa humana. O trabalho será desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, através de consultas a livros, jurisprudências e legislações.

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ABSTRACT

Reports the innovations that were implemented by Law 12.010 of August 3, 2009 in the context of adoption and its effects on regularization of socioaffective membership. It presents the principles that inform the Straight of children and adolescents and its relevance in interpreting the laws so that they achieve the purpose of the Brazilian constitution. It encloses the istorical evolution of the institute, including its development in the home land law. Points concepts related to the theme that allow understanding of the tract that currently is aimed at children and adolescents. Demonstrates the significance of affect as a constituent element of family relationships. Aims to demonstrate that socioaffective membership is something real that needs legal protection to ensure its effects and to secure the commitment of the national legal system with the principle of human dignity.The work will be developed through a literature search by consulting the books, case lawand legislation.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO... 9

2. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES ... 11

2.1. Princípio da dignidade da pessoa humana... 11

2.2. Princípio do superior interesse da criança e do adolescente... 13

2.3. Princípio da proteção integral e prioritária... 14

2.4. Princípio da afetividade e da afinidade... 16

3. CONCEITOS RELACIONADOS AO TEMA... 18

3.1. Família... 18

3.1.1. Família Socioafetiva... 21

3.1.2. Família Homoafetiva... 21

3.1.3. Família Anaparental... 26

3.2. Poder familiar... 27

3.3. Filiação socioafetiva... 31

3.4. Convivência familiar e comunitária... 35

3.5. Colocação em família substituta... 37

4. BREVE HISTÓRICO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO ... 41

4.1. Na Antiguidade... 41

4.2. Na Idade Média... 44

4.3. Na Idade Moderna... 45

4.4. A evolução do instituto no Brasil... 46

4.4.1. Breve histórico da situação da criança e do adolescente no Brasil... 46

4.4.2. Breve histórico da Adoção no Brasil... 50

5. ELEMENTOS DA ADOÇÃO... 56

5.1. Conceito, Natureza Jurídica e Objetivos do instituto da adoção... 56

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5.2.1. Requisitos relativos aos adotandos... 57

5.2.2. Requisitos relativos aos adotantes... 58

5.3. Efeitos da adoção ... 59

6. A ADOÇÃO CONFORME A LEI 12.010/09: uma análise sobre a regularização da filiação socioafetiva ... 61

6.1. Procedimento... 62

6.2. Cadastro de adoção ... 66

6.3. Da guarda de fato... 68

7. CONCLUSÃO... 74

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1. INTRODUÇÃO

A constatação das transformações sofridas pela família nas últimas décadas nos fez perceber que, atualmente, o vínculo que une os indivíduos numa entidade familiar é o afeto. O matrimônio e os laços biológicos, que no passado tinham grande relevância na formação da família, passaram a ser elementos secundários. A afetividade passou a justificar a formação de novas famílias e a destinar tutela jurídica a tais entidades, tendo em vista que dispõem de dignidade igual as demais.

A família, de um modo geral, é constituída pelo afeto, mesmo que exista matrimônio ou filiação biológica, o seu fundamento é a afetividade entre seus membros. A filiação socioafetiva, comumente denominada “de criação”, é uma forte expressão da afetividade como elemento fundador de uma família, pois as raízes dessa relação se firmam na reciprocidade dos afetos construídos voluntariamente a partir das relações sociais. Nesse caso o pai e o filho identificam-se pela troca de carinhos, gentilezas, proteção, amor e pelo intuito de permanecerem unidos em uma família, independente dos laços biológicos.

O enfoque deste trabalho recai sobre a regularização da filiação socioafetiva através da adoção, analisando os dispositivos da lei 12.010/09 e, sobretudo, os princípios aplicados aos direitos das crianças e adolescentes.

A escolha do tema se deu em função da constatação das mudanças implantadas pela lei 12.010/09, que passou a ser conhecida como Lei Nacional da Adoção, tendo provocado muitas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na tentativa de promover a maior organização e segurança do sistema, essa lei criou novos procedimentos para a adoção, tendo dificultado o reconhecimento da filiação socioafetiva. Tal percepção partiu do trabalho desenvolvido no estágio na Defensoria Pública do Estado do Ceará, no setor de Petição Inicial, onde diariamente dezenas de pessoas procuram orientações jurídicas para regularizar a situação de uma criança ou adolescente que há anos se encontra sob a sua guarda de fato, mas não são seus filhos biológicos, nem seus parentes.

(12)

A finalidade do trabalho é demonstrar que a filiação socioafetiva pode ser reconhecida judicialmente, por meio do processo de adoção, apesar de a Lei Nacional da Adoção ter criado verdadeiros entraves ao reconhecimento da adoção intuitu personae.

(13)

2. PRINCÍPIOS APLICADOS AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Os princípios constituem o alicerce de um ordenamento jurídico, são diretrizes que servem de balizas na interpretação e na aplicação do direito posto. Em suma, os princípios incorporam os valores que constituem o Estado e seu ordenamento jurídico.

A Constituição traz alguns princípios em seu próprio texto, seja de forma expressa ou implícita, visando dar maior dinamismo à atuação do interprete em face das regras. Ao estabelecê-los o constituinte firmou as bases do Estado brasileiro.

Vale salientar que os princípios previstos na Constituição e na legislação infraconstitucional refletem os anseios vigentes na sociedade contemporânea. No âmbito dos direitos fundamentais dos cidadãos e das famílias têm a função de acompanhar a realidade e a evolução social na interpretação e na aplicação do Direito ao caso concreto.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a desobediência a um princípio é pior do que o desrespeito à norma jurídica, porque nesta ocorre o desrespeito a uma regra determinada, enquanto naquele há a violação ao ordenamento jurídico como um todo. O gravame, portanto, é maior.1

Parte dos princípios são cláusulas gerais e abertas, com a função de sistematização e otimização das leis, objetivando a complementação destas pelo aplicador do Direito.

Na seara do Direito da Criança e do Adolescente, alguns princípios merecem especial atenção, em virtude da aproximação do seu conteúdo com as peculiaridades da vida dessas pessoas. Por isso abordaremos os princípios da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança e do adolescente, da proteção integral e prioritária e da afetividade.

2.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Esse é o princípio fundante do Estado Democrático de Direito, além de ser consagrado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. O constituinte de 1988 estabeleceu o ser humano como centro da atuação Estatal, quebrando os paradigmas até então vigentes, que se consubstanciavam em função do patrimônio e do interesse estatal. Por

_______________

1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. a

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isso, o Estado deve, não só, abster-se da prática de atos lesivos à dignidade humana, como também deve, através de condutas ativas, promover a realização do ser humano. Esse é o norte para a atuação positiva do Estado. 2

A dignidade da pessoa humana, como fundamento da República, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas também da ordem política, social, econômica e cultural. É o valor nuclear da ordem Constitucional brasileira.3

A essência de tal princípio é difícil de ser traduzida em palavras, mas é possível afirmar que abrange valores espirituais (pensar, criar, ser) e matérias (saúde, alimentação, trabalho) intrínsecos ao ser humano.4 O princípio da dignidade da pessoa humana é um macroprincípio do qual se irradiam todos os outros.

Immanoel Kant, buscando distinguir aquilo que é fungível, disponível, daquilo que é dotado de dignidade, afirmou que, “no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade.”5 O princípio da dignidade da pessoa humana é irrenunciável, indisponível, inato à condição humana, é comum a todas as pessoas. Nas relações familiares o princípio encontra espaço fecundo para seu desenvolvimento, uma vez que, em regra, o primeiro contato existencial do indivíduo é com a família e é nela onde se desenvolve. Por essa razão o constituinte destinou proteção especial à família e a posicionou como base da sociedade (art. 226, CF/88).

A família, por sua vez, recebeu a incumbência de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, entre outras coisas, o direito à dignidade, sendo, também, o Estado e a sociedade corresponsáveis nessas obrigações (art. 227, CF/88).

Crianças e adolescentes são destinatários de direitos especiais que visam garantir-lhes uma vida digna correspondente ao seu estado de imaturidade e desenvolvimento. Não resta dúvida de que o princípio da dignidade da pessoa humana está umbilicalmente relacionado à promoção dos direitos da personalidade, que se concretizam mais plenamente no relacionamento familiar, na relação afetiva entre pais e filhos, biológicos ou não. A relação familiar é responsável por construir a identidade do indivíduo para si mesmo e perante a sociedade.

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2 DIAS, Maria Berenice.

Manual de Direito das Famílias. 2010. p.63. 3 SILVA, José Afonso da.

Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p 105. 4 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 389.

5 KANT, Immanoel. 1986

(15)

2.2. Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente

Segundo Tânia da Silva Pereira a origem do princípio se prende ao instituto do

parens patriae, que era utilizado na Inglaterra como um instrumento que o Rei dispunha para

atuar na proteção dos interesses daqueles que não podiam se defender por conta própria, em virtude de alguma limitação jurídica.6

O instituto foi acolhido pela jurisprudência norte-americana em 1813, no caso Commonwealth v. Addicks, no qual a corte da Pensilvânia afirmou a prevalência do interesse da criança em relação ao dos pais numa demanda versava sobre a guarda do filho de um casal que estava se separando.7

O Brasil incorporou definitivamente o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente em seu sistema jurídico a partir da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em 1989. Desde então o mencionado princípio consubstanciou-se em um importante orientador da legislação pátria no tocante à infância.8

Apesar de o Código de Menores ter tratado sobre o referido princípio em seu artigo 5º, dispondo que a proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado, somente após a ratificação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, da ONU/89 (Decreto n. 99.710/90), com sua consequente incorporação no ordenamento jurídico pátrio, o princípio adquiriu maior efetividade. O referido Decreto dispunha em seu art. 3º, I que: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos devem considerar, primordialmente, o maior interesse da criança”. A efetividade do princípio foi atingida graças à nova visão implantada pela Constituição de 1988 a respeito da condição humana das crianças e adolescentes, que passaram a ser tratados como sujeitos de direitos, rejeitando-se completamente a doutrina da situação irregular, vigente no Código de Menores, que os tratava com objetos de intervenção Estatal.

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6 PEREIRA, Tânia da Silva.

O princípio do melhor interesse da criança: da teoria à prática. Disponível em:

http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Tania_da_Silva_Pereira/MelhorInteresse.pdf Acesso em: 30.04.11.

7 GRIFFITH

apud PEREIRA, Tânia da Silva. O princípio do melhor interesse da criança: da teoria à prática.

Disponível em: http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Tania_da_Silva_Pereira/MelhorInteresse.pdf Acesso em: 30.04.11.

8 REBOUÇAS, André Bonelli.

Guarda dos filhos menores de casais separados: como decidir em juízo. 2008.

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O conteúdo do Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente estabelece que em caso de conflito de interesses entre uma pessoa qualquer e uma criança, em regra, deve prevalecer o interesse desta. E, em caso de diversidade de normas a serem aplicadas às situações que envolvem crianças e adolescentes, se atentará àquela que melhor atenda aos interesses dos mesmos.

O princípio tem fundamento na proteção constitucional destinada a crianças e adolescentes, em virtude de serem sujeitos de direitos e encontrarem-se em fase de desenvolvimento e amadurecimento. Ele é uma diretriz determinante na interpretação e na aplicação da lei, devendo ser observado pelo Estado, pela família e pela sociedade (art. 227, CF).

A análise do melhor interesse das crianças e dos adolescentes possui duas vertentes. Uma se direciona a analisar panoramicamente a vida dessas pessoas para, a partir daí, tentar identificar o que seria mais vantajoso para as mesmas, recorrendo-se a um corpo técnico quando necessário. A outra consiste em extrair da criança quais são os seus desejos para a sua vida. Essas vertentes do princípio devem, na medida do possível, ser sopesadas, a fim de que a criança, enquanto sujeito de direitos, possa manifestar a sua opinião e a sua vontade sobre os fatos relacionados à sua vida.

2.3. Princípio da Proteção Integral e Prioritária

No decorrer do século XX surgem, no cenário internacional, diversas manifestações em prol da consolidação dos direitos de crianças e adolescentes, visando destinar-lhes proteção especial em função da sua peculiar condição de pessoas em estado de desenvolvimento. Nesse sentido foram proclamadas a Declaração Universal de Direitos da Criança (1959), a Convenção Americana de Direitos Humanos, referendada pelo Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário (1969) e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989).9

Contudo, somente após a vigência do novo ordenamento constitucional de 1988, foi que o Brasil reconheceu crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral e prioritária, em virtude da vulnerabilidade dos mesmos.

_______________

9 REBOUÇAS, André Bonelli.

Guarda dos filhos menores de casais separados: como decidir em juízo.

(17)

O princípio em análise encontra-se implícito no art. 227 da Constituição Federal e nos artigos 4º e 5º do ECA, in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

A família, o Estado e a sociedade são corresponsáveis na promoção do bem estar e da proteção integral de crianças e adolescentes. A família tem essa obrigação em virtude de ser o lugar onde o ser humano está imediatamente inserido, e, portanto tem melhores condições de providenciar as necessidades básicas de seus componentes; a sociedade, por ser vigilante da atividade do poder público no desempenho de seus fins; o Estado, por ser responsável pela implementação de políticas públicas que visem à efetivação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.10

Segundo Martha de Toledo Machado:

Essa participação da comunidade organizada na defesa dos direitos de crianças e adolescentes reforça a noção de proteção integral deles e, penso, deriva também da peculiar condição de pessoa humana em desenvolvimento, pela faceta de maior vulnerabilidade que ela traz em si, mas, sobretudo, pela faceta de força potencial de transformação da realidade para a redução das desigualdades sociais, ligadas ao princípio fundante da dignidade humana e aos objetivos fundamentais da República referidos no art. 3º da Constituição Federal.11

Em última análise, o princípio da proteção integral constitui-se um desdobramento do princípio da igualdade em seu sentido material, pois dedica tratamento diferenciado a

_______________

10 MACHADO, Marta de Toledo.

A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. 2003. p.141.

11 MACHADO, Marta de Toledo.

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crianças e adolescentes, em função de não possuírem maturidade suficiente para promover a dignidade de sua existência sem que lhes sejam oferecidas tais condições. Sendo assim, recebem tratamento diferenciado na medida das suas desigualdades em relação aos demais membros da sociedade, e igualitário em relação aos que se encontram em situação idêntica.

Foi por intermédio da Constituição de 88 que o Brasil passou a chancelar a “Doutrina da Proteção Integral”, após longos anos de descaso e indiferença em relação à situação das crianças e dos adolescentes, pois eram vistos como pequenos adultos ou como objetos de controle por parte dos pais ou do Estado. Esse processo de transformação só foi possível após muitos debates envolvendo a sociedade, a família, os parlamentares, os juristas, as entidades representativas de mulheres, crianças, etc..12

2.4. Princípio da Afetividade

O princípio da afetividade está intimamente relacionado ao direito de família e destina-se a tutelar as relações estabelecidas com base no afeto que motiva formação de uma família. O afeto constitui um conjunto de atitudes que permite o estabelecimento de relações intersubjetivas aptas a serem tuteladas pelo direito, como por exemplo, a união estável e a posse do estado de filho. Nesse sentido, percebemos que o afeto constitui, modifica e extingue relações familiares, por isso é um valor juridicamente tutelado.

O referido princípio decorre de princípios como a solidariedade familiar13 e a dignidade da pessoa humana. Ele está implícito na Constituição Federal permeando os dispositivos pertinentes ao Capítulo VII, do Título VIII, que tem como tema a família, a criança, o adolescente e o idoso.

O constituinte avançou na consolidação desse princípio ao reconhecer a união estável como entidade familiar, pois, classicamente, essa modalidade de família constitui-se voluntariamente, com base nos vínculos de afetividade entre as pessoas, sem que haja a realização das formalidades que cercam matrimônio, mas possui a finalidade de compartilhar uma vida comum (CF, art. 226, §3º). Além disso, a Constituição extirpou de uma vez por

_______________

12 REBOUÇAS, André Bonelli.

Guarda dos filhos menores de casais separados: como decidir em juízo.

Salvador, 2008. Disponível em: http://tede.ucsal.br/tde_arquivos/1/TDE-2009-07-06T140929Z-99/Publico/ANDRE%20BONELLI%20REBOUCAS.pdf Acesso em: 16.04.2011.

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todas a desigualdade entre os filhos, o mandamento atual é a igualdade entre eles, independentemente de sua origem (CF, art.227, §6º).

A afetividade foi acolhida como princípio constitucional do direito de família por possuir valor singular na formação e na manutenção das entidades familiares. Desde o final do século XX a família deixou de ter como foco os interesses patrimoniais e os vínculos consanguíneos, de modo que podemos afirmar que a família independe desses fatores, mas a falta do elo afetivo entre seus membros, certamente, lhe conduzirá à desagregação. As transformações pelas quais passou a família no final do século passado foram determinantes na quebra daqueles antigos paradigmas, que cederam lugar à afetividade. Importante mencionar que a família ainda se encontra em processo de transformação e, a cada dia, absorve novos valores, tendo em vista a feroz dinâmica da sociedade.

Paulo Lôbo leciona que, “a força da afetividade reside exatamente nessa aparente fragilidade, pois é o único elo que mantém pessoas unidas nas relações familiares.”14

O princípio da afetividade tem amplo acolhimento na doutrina e na jurisprudência pátrias, orientando a atividade do intérprete e as decisões judiciais. Sua aplicação tem ganhado espaço em diversas situações que versão sobre o direito de família, a saber: a) na primazia do estado de filiação, independentemente da origem; b) na concepção de família eudemonista;15 c) na funcionalização da família para desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) no reconhecimento da união estável; e) na adoção.

A ligação afetiva entre os membros de uma família, sem dúvidas, é o elemento que confere equilíbrio aos mesmos, ignorar isso é ferir a dignidade da família e do ser humano, pois se estaria violando os seus sentimentos mais íntimos.

_______________

14 LÔBO, Paulo.

Direito Civil: Famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 73.

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3. CONCEITOS RELACIONADOS AO TEMA

3.1. Família

A família certamente é o grupo social mais antigo de que se tem notícia. O homem sempre buscou se organizar em grupos visando fortalecer-se contra os inimigos e proteger suas crias.

Na antiguidade os conceitos religiosos impregnavam a instituição familiar. Em Roma a família era compreendida como unidade religiosa, política, jurídica e econômica, tendo como autoridade máxima a figura do pater famílias. O homem assumia a chefia dessa

entidade e controlava a vida dos filhos e da mulher, por isso dizemos que a sociedade romana era essencialmente patriarcal.

Nesse momento histórico, a família era composta pelos laços sagrados da religião, e não pelo afeto entre seus componentes. Esse sentimento podia até existir, mas não era ele que comandava a relação familiar.

Fustel de Coulanges ensina que:

[...] sem dúvida não foi a religião que criou a família, mas foi seguramente esta que fixou suas regras e, como resultado, o ter a família antiga recebido uma constituição muito diferente da que teria tido se tivesse sido baseada nos sentimentos naturais apenas. 1

O modelo de família vigente na sociedade romana foi recepcionado no Brasil por intermédio dos colonos portugueses, que absorveram aquela tradição. Durante longo período de nossa história o Estado e a Igreja se aliaram na tarefa de determinar o perfil da família, que foi institucionalizada pela igreja através do sacramento do matrimônio. A vida social centrava-se na família, que era chefiada pelo patriarca. A Igreja imbuía-se da tarefa de aprovar ou estigmatizar determinadas condutas, tais como, a monogamia, a proibição do incesto e a heterossexualidade do casal. No Brasil, somente após a proclamação da República é que se verifica a desvinculação entre Estado e Igreja, no que se refere ao casamento, pois o Decreto-Lei nº 181/1890 o regulamentou, e a partir de então o casamento civil passou a ser o único a gozar de validade perante as autoridades civis.2

_______________

1 COULANGES, Fustel.

A Cidade Antiga. 2ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2008. p. 45.

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No Código Civil de 1916 a família era essencialmente patriarcal, hierarquizada, matrimonial, patrimonializada e heterossexual.3 Para o patriarca importava manter a sua família livre de escândalos e da desonra, disso dependia a sua imagem perante a sociedade. O aludido diploma legal repugnava o concubinato e não reconhecia os filhos advindos dessa relação, tanto que os denominava de ilegítimos e negava-lhes o direito à herança de seu pai.

O Estado, sob o pretexto da manutenção da ordem e dos bons costumes, passou a regular exaustivamente as relações interpessoais, engessando a noção que se tinha sobre a família, conferindo-lhe as seguintes características: a) a identidade com o nome do cônjuge varão, que ocupava a função de chefe de família, a ele se submetiam a mulher e os filhos, sendo a mulher considerada relativamente incapaz, pois era proibida de trabalhar e de gerir seus bens; b) o regime de bens era o da comunhão universal; c) o casamento era indissolúvel, só podendo ser anulado em caso de erro essencial quanto à identidade ou à personalidade do cônjuge ou, ainda, se o marido verificasse o desvirginamento da mulher.4

O desquite era a única forma de terminar o casamento, mas não findava a sociedade conjugal, ou seja, os cônjuges desquitados ficavam impedidos de casar novamente. Assim, novos enlaces amorosos começaram a ser formados pelas pessoas desquitadas, sem a possibilidade de serem oficializados.

Havia resistência e descriminação por parte do Estado e da sociedade em reconhecer as relações familiares que não passavam pelo reconhecimento oficial. Contudo, a Lei do Divorcio veio para romper a sociedade conjugal entre pessoas que não mais conviviam maritalmente, facilitando o reconhecimento das novas famílias formadas por egressos de casamentos anteriores.

Os fatos históricos do final do século XX (movimento hippie, movimento feminista, lei do divorcio, Diretas Já, fim da Ditadura Militar, promulgação da Constituição de 1988) colocaram a sociedade como agente das transformações ocorridas em seu meio. Isso também refletiu na estrutura das famílias, de modo que as relações interpessoais não mais se moldavam a formatos preestabelecidos pelo Estado.

O movimento feminista,5 que ganhou força a partir dos anos 60, motivou as mulheres a buscarem sua independência. As ideias semeadas por esse movimento, somadas

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3 DIAS, Maria Berenice.

Manual de Direito das Famílias. 2010. p. 45. 4 DIAS, Maria Berenice.

ibidem. p. 45.

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aos demais acontecimentos políticos, sociais, culturais e econômicos do final do século passado, fortaleceram o ideal de liberdade e fizeram a mulher sair dos bastidores de sua residência para assumir novas posições na sociedade, no mercado de trabalho e no lar. A subserviência em relação ao marido ficou cada vez mais fragilizada, de modo que a mulher passou a decidir sobre os assuntos de interesse da família e a contribuir para o seu sustento. Dessa forma, entrou em crise o modelo de família essencialmente patriarcal e matrimonial.

No fim da década de 80 a promulgação da nova Constituição Federal do Brasil consagrou princípios que têm aplicabilidade imediata nas relações privadas, quais sejam, o princípio da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Ficou estabelecida a igualdade entre homens e mulheres em direitos e deveres e a igualdade entre os filhos, proibindo-se qualquer discriminação relativa à filiação. O eixo do direito de família passou a ser a realização do ser humano, não mais a proteção do patrimônio e o controle patriarcal.

A Constituição Federal de 1988 equiparou a união estável à união matrimonial, reconheceu como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, ao que denominamos família monoparental. De fato, o constituinte de 88 ampliou os horizontes do direito de família, que passou a ser trabalhado sob o viés constitucional, por isso é que se fala em constitucionalização do direito de família. Em virtude de todos esses fatores é que não se permite interpretar que os modelos de família trazidos pela CF/88 não são taxativos, mas exemplificativos. Ao consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, que se constitui como um Estado Democrático de Direito, o constituinte deu igual dignidade a todas as entidades familiares, sendo indigno destinar tratamento diferenciado a qualquer uma delas.

O artigo 226 da Constituição afirma que a família tem especial proteção do Estado. O §8º do mesmo artigo estabelece que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram. Os dispositivos são genéricos e em momento algum fazem menção a um tipo específico de família, pois na verdade a intenção do constituinte foi a de zelar pelas famílias de modo geral, consagrando pluralismo das entidades familiares.

As transformações ocorridas na sociedade brasileira no final do século XX e o advento da Constituição Federal de 1988 quebraram os paradigmas até então existentes. A família matrimonial, hierarquizada e patriarcal cedeu espaço à família que se constitui com base na afetividade.6

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6 LÔBO, Paulo.

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A família, por sua vez, foi imbuída do dever de zelar prioritariamente pelos interesses das crianças e adolescentes (art. 227, CF/88). Desse modo, os filhos passaram a ser o centro da relação familiar, tendo os pais ou os responsáveis a obrigação de proverem o seu sadio desenvolvimento.

Maria Berenice Dias conceitua família como “um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade”.7 Hodiernamente observa-se que a família incorporou o afeto como o seu principal valor e passou a ser constituída de diversas formas. Daí a doutrina do direito de família apresentar várias classificações conforme o modo de constituição dessa entidade, alguns exemplos são: família socioafetiva, família homoafetiva, família anaparental, entre outras.

3.1.1. Família Socioafetiva

A família socioafetiva caracteristicamente é formada por um grupo de pessoas que convivem afetivamente sem a necessidade de haver vínculos consanguíneos entre elas. A união se dá de forma espontânea motivada pelo afeto, pela intenção de compartilhar uma vida em comum, dividindo responsabilidades, assumindo deveres e direitos uns em relação aos outros.

No Brasil o termo “família socioafetiva” foi empregado para designar os grupos familiares que se formam independentemente do casamento ou da união estável e dos vínculos biológicos. Mas, a família, de um modo geral, é naturalmente socioafetiva, em razão de ser um grupo social que se organiza em função do afeto. 8

3.1.2. Família Homoafetiva

A família homoafetiva é formada pela união de duas pessoas do mesmo sexo, que se amam e convivem harmonicamente, assumindo responsabilidades entre si, com o intuito de constituir uma família.

Cada sociedade constrói os seus costumes e os parâmetros de suas relações. Na sociedade brasileira o ideal de família construído no costume e no imaginário popular é

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7 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 43. 8 LÔBO, Paulo.

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formado por um casal heterossexual, por isso o tema da homossexualidade é polêmico e tem sofrido a resistência da sociedade e dos próprios parlamentares em regulamentar tais entidades familiares. A necessidade de regulamentação se dá em virtude das dificuldades que os casais homossexuais encontram para ver reconhecidos os seus diretos enquanto componentes de uma entidade familiar. Na verdade é necessário reconhecer que as entidades familiares, sejam elas quais forem, geram situações que precisam ser amparadas pelo direito, para que lhes sejam atribuídos efeitos no universo jurídico.

Apesar da falta de regulamentação a jurisprudência nacional tem avançado no sentido de reconhecer que a família homoafetiva gera situações que precisam ser tuteladas pelo direito, como são os casos das ações que visam adoção, sucessão dos bens e efeitos previdenciários. Vale destacar que isso é algo muito recente, pois há bem pouco tempo tais direitos eram negados sob o argumento da falta de lei para regulamentar o assunto. Os pedidos formulados com base nas questões patrimoniais passaram a ser deferidos porque, além da possível injustiça, se constatou que o indeferimento de tais pleitos poderia consolidar o enriquecimento ilícito da outra parte, o que é abominado pelo ordenamento jurídico pátrio.

A discussão de questões patrimoniais por casais homossexuais levou o judiciário interpretar as leis conforme a realidade social atual, abdicando da interpretação literal das regras, vejamos os julgados que se seguem:

Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação. Pensão post mortem . União entre pessoas do mesmo sexo. Princípios fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna legislativa. Necessidade de demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos. Igualdade de condições entre beneficiários... O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepção da igualdade jurídica, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos... Recurso especial provido. (REsp 1.026.981/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJ de 23/02/2010).

(grifo nosso)

PROCESSO CIVIL E CIVIL - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - SÚMULA 282/STF - UNIÃO HOMOAFETIVA - INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA - POSSIBILIDADE – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA.(...) A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. [...] (REsp 238.715/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, terceira turma, DJ de 02/10/2006).

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Durante muito tempo as ações que tratavam sobre famílias homoafetivas eram levadas às varas civis e não para as varas de família, pois eram consideradas meras sociedades de fato. Contudo, não era mais possível ignorar a incidência dos princípios da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana em tais casos, tendo em vista que os parceiros homossexuais se unem pelo afeto e não por fins mercantis. Atualmente, em prestígio aos princípios supracitados, a jurisprudência tem dado à união homossexual o caráter de entidade familiar equiparada à união estável, por isso os processos que envolvem esse tema já estão sendo tratados nas varas de família.

Em decisão recente, prolatada em 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou a ADI 4277 que tinha como objeto principal a união homoafetiva. Por unanimidade a suprema corte foi favorável ao reconhecimento de tal união como entidade familiar, quando for estabelecida com a finalidade de constituir família. Vejamos alguns trechos do voto do ministro relator, Ayres Britto:

[...] merecem guarida os pedidos formulados pelos requerentes de ambas as ações. Pedido de interpretação conforme à Constituição do dispositivo legal impugnado (art. 1.723 do Código Civil), porquanto nela mesma, Constituição, é que se encontram as decisivas respostas para o tratamento jurídico a ser conferido às uniões homoafetivas que se caracterizem por sua durabilidade, conhecimento do público (não clandestinidade, portanto) e continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de constituição de uma família.

União, aclare-se, com perdurabilidade o bastante para a constituição de um novo núcleo doméstico, tão socialmente ostensivo na sua existência quanto vocacionado para a expansão de suas fronteiras temporais. Logo, vínculo de caráter privado, mas sem o viés do propósito empresarial, econômico, ou, por qualquer forma, patrimonial, pois não se trata de uma mera sociedade de fato ou interesseira parceria mercantil. Trata-se, isto sim, de um voluntário navegar por um rio sem margens fixas e sem outra embocadura que não seja a experimentação de um novo a dois que se alonga tanto que se faz universal. E não compreender isso talvez comprometa por modo irremediável a própria capacidade de interpretar os institutos jurídicos há pouco invocados, pois − é Platão quem o diz -,“quem não começa pelo amor nunca saberá o que é filosofia”. É a categoria do afeto como pré-condição do pensamento, o que levou Max Scheler a também ajuizar que “O ser humano, antes de um ser pensante ou volitivo, é um ser amante [...]

Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva. [...] (STF, voto do ministro Ayres Britto no julgamento da ADI 4277, em 04.05.11)

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sobre a capacidade de um casal “gay” para educá-la, como se a opção sexual pudesse determinar a qualificação de alguém para tal função. Dificilmente alguém se lembra de como ficará essa criança caso ela seja criada pelo resto da vida em um abrigo. Que perspectiva de futuro uma criança poderá ter, se não lhe for garantido o direito de ser assistida por uma família? O abrigo garante a subsistência, mas não tem possibilidade de dedicar-lhe afeto especial, atenção exclusiva e personalizada. Os profissionais que ali trabalham, por mais boa vontade que tenham, sempre trataram os abrigados como objetos de seu trabalho e não como filhos.

Até pouco tempo, as decisões que concediam adoção a um casal homoafetivo deferiam o pleito somente em nome de um dos componentes dessa união, ou seja, para a justiça era como se não existisse uma entidade familiar. Esse comportamento destoava da realidade porque na prática o que ocorre é que de fato a criança possui dois pais ou duas mães, pessoas que assumem todas as obrigações inerentes a essa função.

A situação era ainda mais delicada quando pensávamos na possibilidade de haver a separação do casal ou a morte daquele que não teve o direito de adotar a criança. Na primeira hipótese, o filho sequer poderia pleitear pensão alimentícia e a sua guarda seria inteiramente da pessoa que o adotou, não podendo o outro parceiro requerer direto de visitas, apesar de ter exercido a função de pai daquele indivíduo. Já na segunda hipótese, o adotado só seria herdeiro da pessoa que o adotou, apesar da relação de afeto entre o casal homossexual ser anterior à adoção e a criança ter sido criada desde o início por essas duas pessoas.

Em julgamento recente o Superior Tribunal de Justiça deferiu pedido de adoção formulado pela companheira da mulher que já havia adotado duas crianças, ou seja, estamos falando de uma adoção unilateral em que a promovente tem como par outra mulher. Essas crianças serão registradas em nome de duas mães, e não de um pai e uma mãe. O casal terá, igualmente, direitos e deveres em relação às filhas e vice-versa. Essa decisão, sem dúvidas, abriu precedente para que outros casos fossem assim julgados. Vejamos o conteúdo da decisão:

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA.

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2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal.

3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes". Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos".

4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo.

5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si.

6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores".

7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral.

8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento.

9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade.

11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações.

12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança.

14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida.

15. Recurso especial improvido. (REsp 889.852/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, quarta turma, julgado em 27/04/2010, DJe 10/08/2010)

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O julgamento da ADI 4277 tornou essa questão menos tormentosa, pois a união homoafetiva foi reconhecida como entidade familiar, e como tal dispõe de todos os direitos assegurados às outras famílias, inclusive o de adotar. Assim essa questão, agora, deverá ser tratada de modo uniforme entre os tribunais pátrios.

Importante mencionar que o legislador demonstrou postura menos conservadora em relação ao tema da homoafetividade através da Lei 11.340/06, conhecida como lei Maria da Penha, que trata sobre violência doméstica, e avançou nesse tema ao definir o campo de incidência dessa lei, vejamos:

Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

(grifo nosso)

Como podemos observar, o tema ainda se encontra em desenvolvimento. A jurisprudência e a doutrina estão contribuindo para essa evolução, mas o preconceito da sociedade, ainda, constitui um forte obstáculo nesse caminho.

3.1.3. Família Anaparental

A família anaparental ou simplesmente parental é a comunidade formada por pessoas que possuem uma ascendência comum, mesmo que em graus de parentesco diferentes, embora não sejam pais e filhos possuem vínculos afetivos e laços consanguíneos próximos. Um exemplo desse tipo de família é o grupo formado pelos tios e os sobrinhos que convivem juntos com o fim de constituir família, seja porque os pais destes faleceram ou porque não querem ou não podem criá-los.

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3.2. Poder Familiar

Segundo Maria Helena Diniz poder familiar é:

[...] um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que as normas jurídicas lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. 9

O instituto do poder familiar possui caráter eminentemente protetivo, transcende a esfera do direito privado e adentra na órbita do direito público, constituindo-se um munus

público, imposto pelo Estado aos pais, para que zelem pelo melhor interesse de seus filhos.10 No direito romano o poder familiar ao qual nos reportamos na atualidade correspondia à patria potestas, que significa “poder do pai”. Tal instituto visava,

exclusivamente, aos interesses do chefe de família, sendo o pai a figura central dessa entidade. No Brasil, em correspondência ao direito romano, adotou-se, por longo período, o termo pátrio poder, também carregado da conotação patriarcal.

O Código Civil de 1916 atribuía a titularidade do pátrio poder ao marido, somente em caso de impedimento ou na falta do chefe de família a mulher poderia exercê-lo, e, em caso de divergência entre os cônjuges, deveria prevalecer a vontade do esposo, salvo manifesto abuso de direito. Contudo, a lei 4.121/62 deu nova redação ao artigo 380 do aludido diploma, passando a dispor que, durante o casamento, o pátrio poder compete aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração de sua esposa, e em caso de divergência os cônjuges poderiam recorrer ao juiz para dirimir o conflito.11

Modernamente não cabe mais falar em pátrio poder, mas sim em poder familiar, pois o centro da relação não é mais o chefe de família, mas cada um de seus membros, principalmente os filhos, por necessitarem de cuidados especiais. As transformações ocorridas na legislação e na sociedade brasileira demonstram que não interessa a vontade única e exclusiva da figura paterna, mas a construção do diálogo democrático onde pais e filhos possam decidir sobre os interesses da família, sendo aqueles as pessoas responsáveis por educar e zelar pela vida destes.

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9 DINIZ, Maria Helena.

Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. vol. 5. 26ª ed. São Paulo: Saraiva,

2011. p. 588.

10 GONÇALVES, Carlos Roberto.

Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. vol. VI. 6ª ed. rev. e atual. São

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O artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que o poder familiar será exercido pelo pai e pela mãe, de acordo com o que estabelecer a legislação civil, complementa, ainda, no artigo 22, que os pais têm o dever de sustento, guarda, educação, dentre outros. A Constituição Federal, no artigo 229, disciplina que: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”. No que toca ao poder familiar, o Código Civil refere-se somente à titularidade dos pais, durante o casamento e a união estável, ficando omisso quanto às outras entidades familiares.

Segundo Paulo Lobo, o poder familiar compete a todo aquele que exerce de fato ou de direito os encargos que são próprios desse instituto. Assim, seriam abrangidos todos os tipos de família, inclusive os casos em que o irmão mais velho, na falta dos pais, assumiu a responsabilidade de sustentar e cuidar dos demais irmãos, ou do tio em relação aos sobrinhos com quem convive afetivamente, mesmo na ausência de tutela regular, pois o que importa é que o múnus está sendo exercido por alguém, de fato ou de direito.12

O Código Civil de 2002 dispõe em seu artigo 1.630 que os filhos estão sujeitos ao poder familiar enquanto menores e complementa no artigo 1.631 que durante casamento e a união estável o poder familiar compete aos pais e na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. O parágrafo único do mesmo artigo traz a possibilidade de os pais recorrerem ao juiz para solucionar qualquer desacordo que haja no seu exercício.

O instituto do poder familiar possui características próprias, inerentes a sua condição de múnus público, assim cabe ao Estado a fixação de normas para o seu exercício e

bom desempenho. As características do poder familiar são: a) indelegabilidade; b) irrenunciabilidade; c) imprescritibilidade; d) a incompatibilidade com a transação e com a tutela.13

As normas que tratam sobre esse instituto são de ordem pública, por isso não pode haver delegação, transação ou renúncia, não há que se falar em autonomia da vontade, pois tal obrigação não pode ser negociada. A exceção a essa regra é a colocação do menor em família substituta, mas para que isso ocorra a lei exige processo judicial e decisão fundamentada.

A imprescritibilidade do poder familiar relaciona-se ao fato de os pais não decaírem por não exercitá-lo, só podendo perdê-lo na forma e nos casos previstos em lei. A incompatibilidade desse instituto com a tutela advém da necessidade de haver a extinção do

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12 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 299. 13 GONÇALVES, Carlos Roberto.

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poder familiar dos pais para que possa ser nomeado um tutor para a pessoa menor de idade, conforme preceitua o art. 1.728 do Código Civil de 2002, in verbis:

Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:

I – com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes; II – em caso de os pais decaírem do poder familiar.

O novo Código Civil tratou, também, de disciplinar os casos de suspensão, perda e extinção do poder familiar. A extinção do poder familiar ocorre nas hipóteses previstas no artigo 1.635 do Código Civil Brasileiro, quais sejam: morte dos pais ou do filho, emancipação, maioridade, adoção e a decisão judicial.

Importante mencionar que a adoção requer a destituição do poder familiar dos pais registrais, pois criança ou o adolescente passará a integrar outra família, como filho dos adotantes, e a estes caberá o poder familiar.

A destituição constitui espécie de extinção do poder familiar que deve ser decretada por decisão judicial, conforme estabelece o artigo 1.635, V, do CC/2002. Segundo o artigo 1.638 do Código Civil de 2002, perde o poder familiar, por decisão judicial, o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho, deixar o filho em abandono, praticar atos contra a moral e os bons costumes ou incidir, reiteradamente, nas faltas que determinam a suspensão.

A extinção é a interrupção definitiva do poder familiar, por isso as hipóteses legais são exclusivas, não se admite interpretação extensiva, por se tratar de restrição de direitos fundamentais.

Nesse sentido tem caminhado a jurisprudência dos tribunais pátrios, que entendem ser imperioso o respeito à dignidade das crianças e dos adolescentes enquanto sujeitos de direito que se encontram em fase de desenvolvimento. Vejamos os julgados que se seguem:

Poder familiar. Destituição. Alcoolismo. Maus-tratos. Abandono. Configuração. (TJMG, Ap.232.043-0/00, 5ª Cam. Cív., rel. Des.Hugo Bengtssom, DJMG, 28-9-2001).

Procede o pedido de destituição quando revelados, nos autos, o abandono e o injustificado descumprimento dos mais elementares deveres de sustento, guarda e educação da criança por seus pais. (STJ, REsp 245.657-PR, 4ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU, 23-6-2003).

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despreparo daqueles para exercerem o poder familiar.14 A extinção do poder familiar em virtude da ocorrência de uma adoção é definitiva, pois a adoção é irrevogável.

Importante destacar que, diferente do que ocorria antes da vigência da Constituição de 1988, o estado de pobreza dos pais, por si só, não autoriza a perda do poder familiar, pois o constituinte entendeu ser fundamental para as crianças e adolescentes o direito à convivência familiar, assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em simetria com a constituição, regulamentou essa situação, vejamos:

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.

Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.

A suspensão ocorrerá em conformidade com o que preceitua o artigo 1.637 do Código Civil vigente, vejamos:

Art. 1637. Se o pai ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Vale observar que a lei autoriza a aplicação de outras medidas que se mostrem mais eficazes do que a suspensão, isso dependerá do caso concreto. As hipóteses legais não excluem outras que decorram da natureza do poder familiar. Os deveres inerentes aos pais encontram-se não só no Código Civil, mas também na legislação esparsa, especialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal.

Havendo a suspensão de um dos pais, o exercício do poder familiar se concentrará no outro, salvo se for incapaz ou falecido, nesse caso o juiz nomeará tutor para a pessoa menor de idade.

A suspensão do poder familiar é temporária, perdurando somente pelo tempo que se mostrar necessária para melhor atender aos interesses da criança ou do adolescente. Pode ser total ou parcial, nesse último caso juiz determina, por exemplo, que fica suspenso o poder familiar de um ou de ambos os genitores em relação à administração dos bens dos filhos ou que um dos genitores ou ambos estão proibidos de ter os filhos em sua companhia até cessar o

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14 GONÇALVES, Carlos Roberto.

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motivo pelo qual se deu a decisão judicial. Importante mencionar que a suspensão é facultativa e pode se referir apenas a um dos filhos.

O procedimento para a decretação da perda ou da suspensão do poder familiar encontra-se nos arts. 155 ao 163 do ECA. Ele deve ter início por provocação do Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse (art.155 do ECA). Tanto a suspensão como a perda do poder familiar constituem medidas de proteção aos interesses de crianças e adolescentes, com o intuito de colocá-los a salvo do mau procedimento de seus genitores.

3.3. Filiação Socioafetiva

A palavra filiação vem do latim filiatio, que significa procedência, laço de

parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace. Segundo a lição de Paulo Lôbo, filiação é conceito relacional que advém da relação de parentesco estabelecida entre duas pessoas, uma que se comporta com pai/mãe e a outra como filho. Essa relação pode surgir através dos vínculos biológicos, da adoção, da posse do estado de filho ou de fecundação artificial heteróloga.15

Durante muito tempo a origem biológica determinou a existência da relação paterno-filial, contudo, conforme exposição anterior, na atualidade a família é formada pelas relações afetivas, de modo que a origem biológica não é mais o seu principal paradigma.

Existem diversas classificações para a filiação conforme o modo de sua origem, contudo, de acordo com a afirmação de Fábio Ulhoa Coelho, “a finalidade da classificação é ilustrativa, destina-se unicamente a delimitar a extensão do conceito, porque, independente do tipo de filiação, os direitos e deveres associados à relação vertical são absolutamente idênticos”.16

No Brasil a expressão “família socioafetiva” tem sido empregada para sinalizar a existência de relação de parentesco não biológico.17

Ao falarmos em família socioafetiva logo nos remetemos aos personagens dessa entidade familiar, ou seja, aos pais e aos filhos, que, nesse caso, recebem a adjetivação da palavra “socioafetivos”. A filiação socioafetiva é uma relação não biológica, constituída

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15 LÔBO, Paulo.

Direito Civil: Famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 216 16 COELHO, 2005

apud JATOBÁ, In: Filiação socioafetiva: os novos paradigmas de filiação. Disponível em:

http://www.arpenbrasil.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2746&Itemid=83 Acesso em: 15.03.11.

17 LÔBO, Paulo.

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socialmente, fundada no afeto, sem prévio reconhecimento judicial, estabelecendo-se entre duas pessoas, uma que age como pai/mãe e outra que se comporta como filho. O que fomenta a relação de paternidade/maternidade e filiação entre essas pessoas é o afeto que há entre elas, fazendo com que exista o interesse de uns cuidarem dos outros, havendo uma comunhão de vida com o fim de constituir uma família. É uma relação que existe somente no mundo dos fatos, não tendo sido levada a reconhecimento judicial. Segundo Maria Berenice Dias, o elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo.18

Os avanços tecnológicos possibilitaram a certeza praticamente absoluta acerca da origem biológica através dos exames de DNA. Isso fez com que muitas pessoas ficassem tendenciosas a querer resolver todas as dúvidas sobre a paternidade nos laboratórios, contudo a complexidade das relações familiares não permite que um simples exame laboratorial intervenha em sua estrutura, que se encontra firmada muito mais no afeto do que nos laços consanguíneos, por isso o interesse do direito pela afetividade.

A consolidação dos laços afetivos impede a desconstituição de paternidades e maternidades que existem no mundo dos fatos, principalmente, porque as relações sociais fundadas no afeto criam situações suscetíveis de merecer a tutela jurídica, sobretudo quando origina a relação paterno-filial.

A Constituição Federal de 1988 trata no Capítulo VII, do Título VIII, sobre a família, a criança, o adolescente e o idoso, tendo consagrado que a família é a base da sociedade e por isso tem especial proteção do Estado. Sendo assim, apesar de se tratar de uma relação privada, a instituição familiar é regida por normas de ordem pública, pela sua importância na composição e organização da sociedade brasileira.

Corroborando com essa afirmação o Superior Tribunal de Justiça tem atuado na vanguarda da jurisprudência mundial quando o assunto é o reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva, afastando a possibilidade de se desconstituir paternidades e maternidades consolidadas pelas relações afetivas, vejamos o julgado que se segue:

Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar.

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18 DIAS, Maria Berenice

Referências

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