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Breve histórico das entidades da categoria: por onde a luta começa

3 GÊNERO, FEMINISMO E SERVIÇO SOCIAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA O DEBATE

3.3 FEMINISMO E SERVIÇO SOCIAL: UMA ANÁLISE DESTA RELAÇÃO HISTÓRICA E COMPLEXA

3.3.1 Breve histórico das entidades da categoria: por onde a luta começa

Ao adentrar a discussão sobre as entidades profissionais, é preciso discorrer acerca de um trecho da história do Serviço Social, que enquanto profissão coletivamente construída pelas/os profissionais e tensionada no processo histórico vivenciou inúmeras transformações importantes em relação a organização política da categoria no Brasil. Este breve resgate histórico objetiva elencar alguns pontos

importantes neste processo de construção coletiva, destacando o feminismo como elemento inerente e importante à esta construção. Dessa forma, também enfatiza a importância de relembrar as lutas travadas no passado contra a herança conservadora de modo a romper com todo o retrocesso posto em tela, no tempo presente.

Conforme já explicitado, a profissão nasce no Brasil, tendo como base o pensamento conservador, que naturaliza as desigualdades sociais oriunda da sociabilidade capitalista. Essa relação com o conservadorismo vai permear toda a trajetória de desenvolvimento histórico da profissão, ora aproximando o Serviço Social do posicionamento conservador, ora afastando.

O tensionamento da luta de classe também vai permear esse processo, oferecendo grandes contribuições para a categoria. É no contexto da autocracia burguesa no Brasil, que a organização política profissional começa a ganhar mais profissionais, motivados pelo protagonismo operário nas greves ocorridas na época. A primeira entidade organizativa da categoria foi a Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS), criada na década de 1960, época que marca a criação de inúmeras escolas de Serviço Social no Brasil que tinha por objetivo criar e organizar os projetos de formação profissional.

Esse processo de crescimento da profissão culminou na lei de Regulamentação da profissão, lei nº 3252 agosto de 195776, que posteriormente foi atualizada pelo decreto 99477 de maio de 1962, que criou e determinou responsabilidades aos respectivos, Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e Conselhos Regionais de Assistentes Sociais (CRAS). Nesta época, os conselhos não se constituíam enquanto espaço de diálogo e interlocução profissional, se configurando apenas como instituições que exigiam a inscrição profissional e o pagamento das anuidades, além de manter um posicionamento de neutralidade frente às desigualdades sociais e a manutenção da sociabilidade capitalista.

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BRASIL. Lei nº 3.252, de 27 de agosto de 1957, que regulamenta o exercício da profissão de assistente social. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3252.htm> Acesso em: 14 jul. 2017.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto do Conselho de ministros Nº 994, de 15 de maio de 1962

que regulamenta a Lei nº 3252, de 27 de agosto de 1957, que dispõe sobre o exercício da profissão

de Assistente Social. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decmin/1960-

1969/decretodoconselhodeministros-994-15-maio-1962-351749-retificacao-43579-pe.html > Acesso

Essa situação começou a ser tensionada e teve seu auge a partir do Congresso da Virada (III CBAS), em 1979, em que o conservadorismo expresso por alguns setores da profissão foi duramente questionado e enfrentado pela categoria que, inspirada pelas lutas sociais vivenciadas na ditadura militar, vivenciava um período de intensa transformação profissional78.

Aqui cabe destacar a luta das/os estudantes de Serviço Social, que organizados na Subsecretaria de Serviço Social na União Nacional dos Estudantes (SESSUNE) após o golpe militar, lutaram bravamente contra o conservadorismo expresso na profissão. Alguns desdobramentos incidirão diretamente sobre a organização profissional, visto que,

É nesse contexto que o processo de ruptura incide sobre a objetividade dos profissionais, em sua inserção nos espaços sócio-ocupacionais da profissão, na condição de trabalhador assalariado, partícipe do trabalho coletivo socialmente combinado, que vende sua força de trabalho como todo trabalhador. De outro lado, esse processo recai sobre a subjetividade da categoria profissional que se manifesta em sua organização político- sindical, na formação e no exercício profissional e na representação estudantil, que imprime uma direção social à profissão, expressa no compromisso com os interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora (ABRAMIDES e CABRAL, 2009, p. 55).

Com isso, a categoria profissional legitima a ruptura conservadora por dentro da profissão e inaugura um novo tempo no Serviço Social brasileiro: a defesa da classe trabalhadora através de uma perspectiva classista, com base na teoria social crítica. Uma das mudanças provocadas por esse período histórico foi a construção das bases do currículo mínimo para os cursos de Serviço Social, em 1982, que marca a preocupação com a formação profissional em Serviço Social no país e com a formação de uma nova direção social hegemônica.

Já em 1993, temos a criação da lei 866279

, a lei de Regulamentação da Profissão, que revoga a lei 3252/57 e inaugura um novo período na profissão. Esta lei redefine o nome do Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS), passando a ser denominado por Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e do Conselho

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A gênese da concepção de profissão de intenção de ruptura com o conservadorismo tem raízes na Reconceituação latino-americana, com experiências profissionais no Chile e na Argentina, que se espraiam por outros países da América Latina e do Caribe; com forte oposição ás ditaduras militares do continente e formulação de novas bases conceituais para uma ação profissional crítica. (ABRAMIDES e CABRAL, 2009, p. 61).

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Ver mais em: BRASIL. Regulamentação Da Profissão Lei n° 8.662, de 7 de Junho de 1993. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/legislacao_lei_8662.pdf >. Acesso em: 17 jul. 2017.

Regional de Assistentes Sociais (CRAS), que passa a ser denominado por Conselho Regional de Serviço Social (CRESS).

Além disso, determina as competências e atribuições específicas da/o assistente social e regulamenta os encontros nacionais do conjunto CFESS/CRESS como instância de deliberação máxima da categoria profissional. Essa mudança modifica o funcionamento dos conselhos, pois estes passam a fiscalizar o exercício profissional e defender, conjuntamente, os direitos sociais, as políticas públicas e o acesso destes à classe trabalhadora.

Na organização estudantil, também houve mudanças significativas no ano de 1993. A SESSUNE é transformada em Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO)80, motivada pelas/os estudantes que reivindicavam uma maior autonomia frente a UNE. Assim, inauguram uma nova forma organizativa na entidade estudantil, com a criação de Secretaria de Formação Profissional e a Coordenação Nacional de Representação Estudantil da ABESS.

Esta, por sua vez, também passa por modificações, se transformando em Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) em 1996, considerando a preocupação com a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão e com a conexão do ensino entre a graduação e a pós-graduação. Ainda nesta época, houve a criação das Diretrizes Curriculares da ABEPSS, expressando,

O amadurecimento da compreensão do significado social da profissão, a tradição teórica que permite a leitura da realidade em uma perspectiva sócio-histórica, as respostas da profissão à conjuntura e apontam para a consolidação de um projeto de profissão vinculado às demandas da classe trabalhadora. (ABEPSS, 2017)

Esse período marcado por profundas transformações também assinala a construção do Projeto Ético-político profissional (PEP), que busca consolidar a direção social construída pelas/os profissionais cotidianamente. A lei de regulamentação da profissão, o Código de Ética profissional e as Diretrizes Curriculares embasam o PEP e guiam as/os profissionais à reflexão crítica e a construção cotidiana de ruptura com o conservadorismo.

De acordo com Boschetti (2009, p. 153), “[...] a organização política das entidades nacionais de Serviço Social no Brasil, como o Conjunto CFESS/CRESS, a

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Para maiores informações sobre a trajetória da ENESSO, consultar: ENESSO OFICIAL. < https://enessooficial.wordpress.com/enesso/historia/>. Acesso em: 17 jul. 2017.

ABEPSS e a ENESSO, é uma mediação fundamental para o estabelecimento de relação entre o projeto profissional e um projeto societário comprometido com uma nova sociabilidade”.

3.3.2 Agenda feminista em construção: as lutas travadas pelas entidades