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2 O MST: LUTA PELA TERRA COMO MATRIZ EDUCATIVA

2.1 O MST: breve histórico

Nesta seção buscamos situar o historiador Thompson (1987), que afirma que a condição básica para a criação de um movimento social é a existência de um conjunto de pessoas que tenham metas em comum. Explica que essas metas tendem a surgir

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quando a população apresenta experiências em comum, necessidades semelhantes. No caso dos trabalhadores camponeses, essa experiência refere-se à luta pela terra, ao combate do processo da “entrada do capital no campo”.

O autor situa os Movimentos Sociais dentro de um contexto histórico na luta de classes. Thompson (1987) compreende como um erro o entendimento de classe social como uma passagem, ou como constituição teórica negativa. Ele defende a ideia de classe social a partir da existência do ser social e histórico, existente, no processo de formação social e cultural num determinado tempo, espaço e lugar. “A classe operária não surgiu tal como o sol numa hora determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se” (THOMPSON, 1987, p. 9). Nesse sentido, a classe social pode ser refletida como inclusão e processo, ressaltando suas relações objetivas com os elementos de produção e as expressivas incompatibilidades que causam conflitos e potencializam as lutas; adquirem experiência social em ‘formas de classe’.

Ainda que não se anuncie como consciência de classe ou em constituições aparentemente notáveis ao longo do tempo, as pessoas vão descobrindo que ‘objetivamente são distribuídas em classe’, e percebem como essas relações vão sendo impostas sobre os processos sociais. Thompson examina que as classes surgem pelo fato de pessoas em ‘relações de produção determinadas’ dividirem experiências em comum e começarem a pensar e conferir valor de acordo com as ‘formas de classe’ em conjunto e coletivamente.

Nessa perspectiva, situamos em termos históricos, econômicos, políticos e culturais a emergência, na década de 1980, no final da ditadura militar, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Na ocasião, muitos trabalhadores camponeses, que lutavam por terras e pela tão anunciada Reforma Agrária, posseiros, meeiros, arrendatários, migrantes, pequenos agricultores, dentre outros, se uniram, levantaram uma bandeira e gritaram em uníssono, reivindicando transformações sociais no Brasil.

O Brasil vivia uma conjuntura de duras lutas pela abertura política, pelo fim da ditadura e de mobilizações operárias nas cidades. Como parte desse contexto, entre 20 e 22 de janeiro de 1984, foi realizado o 1º Encontro Nacional dos Sem Terra, em Cascavel, no Paraná. Ou seja, o Movimento não tem um dia de fundação, mas essa reunião marca o ponto de partida da sua construção (MST, 2013a, p. 4).

O MST passa a ser entendido também como um Movimento Social de continuidade a várias lutas de outros Movimentos Sociais que atuaram e atuam no Brasil.

Nos finais da década de 1980, o MST se expande por vários estados do país. Passa a ser reconhecido pela sociedade brasileira por meio de suas lutas, ações, conquistas e, principalmente, por seu característico modo de se organizar. O MST conta também com o apoio incondicional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de várias outras entidades ligadas à Igreja católica e sociedade civil. Assim, segue seu caminhar, sem esmorecer, reconstruindo seus princípios e suas táticas de lutas e procurando manter a sua unidade9 por onde ocupa um novo latifúndio improdutivo.

Os participantes concluíram que a ocupação de terra era uma ferramenta fundamental e legítima das trabalhadoras e trabalhadores rurais em luta pela democratização da terra. A partir desse encontro, os trabalhadores rurais saíram com a tarefa de construir um movimento orgânico, a nível nacional. Os objetivos foram definidos: a luta pela terra, a luta pela Reforma Agrária e um novo modelo agrícola, e a luta por transformações na estrutura da sociedade brasileira e um projeto de desenvolvimento nacional com justiça social (MST, 2013a, p. 10).

Ocupação não é invasão. Este registro passou a se tornar para o MST uma marca registrada. Esclarecer à sociedade, através do diálogo, que ocupação não é invasão. Thompson afirma, que entre sujeito e objeto existe uma interação dialética no processo de construção do conhecimento que, segundo ele, se forma a partir de dois diálogos:

[...] primeiro, o diálogo entre o ser social e a consciência social, que dá origem à experiência; segundo, o diálogo entre a organização teórica (em toda a sua complexidade) da evidência, de um lado, e o caráter determinado de seu objeto, de outro (THOMPSON, 1981, p. 42).

Avigorando esse argumento, Morissawa afirma que:

Na maioria das vezes, a imprensa usa a palavra invasão, em vez de ocupação, para designar a entrada e o acampamento dos sem-terra dentro de uma fazenda. É preciso que fique claro que a área ocupada pelos Sem Terra é sempre, por princípio, terra grilada, latifúndio por exploração, fazenda

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A unidade aqui citada é um dos termos muito usado pelo MST como um princípio. Está relacionada ao processo de organização interna do Movimento, à sua organicidade, representando unidade através da única bandeira vermelha que simboliza e representa o MST em seus objetivos e princípios de norte a sul do país.

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improdutiva ou área devoluta. Segundo os juristas Fábio Comparato, Luiz Edson Facchin e Régis de Oliveira, existem profundas diferenças entre invadir e ocupar. Invadir significa um ato de força para tomar alguma coisa de alguém em proveito particular. Ocupar significa, simplesmente, preencher um espaço vazio – no caso em questão, terras que não cumprem sua função social (MORISSAWA, 2001, p. 132).

Na linha das fronteiras inicias de atuação do MST está primeiramente à luta pela terra:

A terra e os bens da natureza são acima de tudo, um patrimônio dos povos que habitam cada território, e devem estar a serviço do desenvolvimento da humanidade. Democratizar o acesso a terra, aos bens da natureza e aos meios de produção na agricultura a todos os que querem nela viver e trabalhar. A propriedade, posse e uso da terra e dos bens da natureza devem estar subordinados aos interesses gerais do povo brasileiro, para atender as necessidades de toda população (MST, 2012, p. 1).

Segundo os documentos do Movimento, a luta pela terra para o MST se ancora dentre outros, em três grandes objetivos: ocupações de terras improdutivas, luta pela reforma agrária, e a luta pela transformação da sociedade. O Movimento defende a reforma agrária como um projeto popular para a agricultura familiar brasileira, na construção de uma nova sociedade:

Faz parte de um amplo processo de mudanças na sociedade e, fundamentalmente, da alteração da atual estrutura de organização da produção e da relação do ser humano e natureza. Maneira que, todo processo de organização e desenvolvimento da produção no campo aponte para a superação da exploração, da dominação política e da alienação ideológica e da destruição da natureza. Buscando valorizar e garantir trabalho a todas as pessoas como condição à emancipação humana e à construção da dignidade e da igualdade entre as pessoas e no restabelecimento de relações [...] e do ser humano com a natureza (ibidem, 2012, p. 1).

Desde o seu surgimento, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desenvolve seu processo organizativo e formativo na perspectiva do trabalho como princípio educativo. As suas linhas de ações, através de seus princípios.

Os princípios do MST são:

a) Eliminar a pobreza no meio rural. b) Combater a desigualdade social e a degradação da natureza que tem suas raízes na estrutura de propriedade e de produção no campo; c) Garantir trabalho para todas as pessoas, combinando com distribuição de renda. d) Garantir a soberania alimentar de toda população brasileira, produzindo alimentos de qualidade, desenvolvendo os mercados locais. e) Garantir condições de participação igualitária das mulheres que vivem no campo, em todas as atividades, em especial no acesso a terra, na produção, e na gestão de todas as atividades, buscando superar a opressão histórica imposto às mulheres, especialmente no meio rural. f) Preservar a biodiversidade vegetal, animal e cultural que existem em todas as

regiões do Brasil, que formam nossos biomas. g) Garantir condições de melhoria de vida para todas as pessoas e acesso a todas as oportunidades de trabalho, renda, educação e lazer, estimulando a permanência no meio rural, em especial a juventude (ibidem, 2012, p. 2).

Para Menezes Neto (2003) e Quaresma (2011), o trabalho como princípio educativo na vida no campo se faz da seguinte forma:

Os vínculos entre trabalho e educação são observados com clareza no mundo rural, porque o trabalho está presente na vida diária da criança e do jovem rural, pois os filhos dos pequenos agricultores moram e vivem muito próximo dos locais de trabalho dos pais. Com mais freqüência do que no mundo urbano, a criança é incorporada ao trabalho (MENEZES NETO, 2003, p. 95)

Para Adilene Quaresma, quando nos remetemos a Marx:

Sobre a dimensão ontocriativa do trabalho, esta ocorre quando ao trabalhar o homem põe em movimentos suas forças físicas e mentais, transforma a natureza e se transforma, sendo que essa dimensão do trabalho ainda não foi tirada totalmente do homem pelas máquinas. Assim, se a dimensão positiva do trabalho para o capital está na racionalidade produtiva e na ética moral que se constrói em torno do emprego ou de ter condição de empregabilidade para a produção de valores de troca, para Marx está na possibilidade de transformação do homem e da natureza no processo de trabalho, na não alienação do ser humano nesse processo de trabalho e na produção de valor de uso, ou seja, está no processo de realização deste trabalho em si e não no valor moral que lhe aufere o capital. É também esta discussão que não devemos perder de vista e disputá-la mesmo na sociedade capitalista (QUARESMA, 2011, p. 112-113).

Para entender melhor a atuação do MST dentro do contexto histórico e social das lutas socais a partir da centralidade da luta pela terra, se faz preciso também entender ainda que de forma breve a questão agrária no Brasil.