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REGIÃO QUANTIDADE

5.2 Em tela o foco analítico: lutar, formar e transformar

Ao delinear o foco analítico desta pesquisa percebemos que a educação e formação dos educadores e educadoras destes sujeitos egressos tornam-se indivisível, pois uma parte se interpenetra na outra e às vezes não conseguimos identificar o começo, o meio e o fim.

Recuperando que neste estudo assumimos a perspectiva do Materialismo Histórico Dialético (MHD), então vale lembrar que a dialética é intrínseca a essa perspectiva de análise. O MHD nos permite uma análise mais próxima das experiências vivenciadas destes egressos ao deslocarem-se de sua formação no Movimento e de sua formação nas universidades. Assim, o deslocamento possibilita o entendimento de que essa perspectiva analítica não se restringe na trama do contexto histórico e considera as dimensões política e social (NETO, 2011, p. 19).

Interessa-nos entremear a realidade concreta com princípios materialistas da história, a dialética, a filosofia da práxis, e a luta de classes.

Desse modo, consideramos o MHD o norteador analítico para analisar as determinações derivadas desses entrelaçamentos da produção e reprodução da vida, da produção de significados (que surgiram dos discursos dos sujeitos investigados) e as interações entre as diferentes variáveis que apareceram ao longo da pesquisa. Tanto no que diz respeito às dinâmicas dos cursos, quanto dos próprios sujeitos que foram inseridos nessa realidade de formação.

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Tomamos a formação dos sujeitos derivados da formação interna e externa, no sentido relacional epistemológico, no decorrer da sua história, no desenvolvimento do ser em formação contínua.

Analisamos os dados de pesquisa sob os aspectos analíticos da dialética. Sabemos que o estudo da dialética, como exposto no Capítulo 1, propõe pelo menos três aspectos de análise: a dialética epistemológica, a dialética ontológica e a dialética da totalidade. Nos dizeres de Guimarães (1988, p. 101), estudar a dialética “possivelmente (é) o tópico mais controverso no pensamento marxista” (GUIMARÃES, 1988).

Não pretendemos aqui fazer um estudo exaustivo desses três aspectos para a análise dos dados da nossa pesquisa. Propomos um ajuste analítico, talvez um esforço forjado para uma melhor compreensão do nosso objeto de pesquisa.

Tendo claro que ora um aspecto sobressai mais ora outro, porém, percebemos que eles estão tão imbricados uns aos outros, que nos parece indivisíveis. Diante disso, tomamos como referência para o estudo da dialética o aspecto da ‘totalidade’. Porque empreendemos um enquadramento que nos possibilite entrecruzar os dados relacionalmente, já que não pretendemos separar os aspectos analíticos, mas, sim, considerá-los parte de totalidade.

A totalidade possibilita mostrar como a formação dos sujeitos se manifesta no plano da práxis. A formação no Movimento é uma necessidade contínua, necessária para ajudar a alcançar o objetivo desses agentes. Neste estudo, a formação nos cursos de graduação das universidades é o parceiro que auxilia a dar forma teórica às práticas do MST. É assim que as universidades e outros parceiros atuam para conformar uma formação já em andamento.

Abre-se a possibilidade de ‘olhar mais de perto’ como se apresenta a formação cultivada pelas universidades parceiras em contraste com a formação interna do MST. Procuramos dimensionar a participação e os aspectos que nortearam e mobilizam rumo à organização dos sujeitos no âmbito dos cursos e da sua formação, sobretudo, investigar o sentido atribuído pelos sujeitos de pesquisa sobre a formação que se conformou na confluência desses dois eixos articuladores: o interno e o externo ao MST. Indagamo-nos: será que essa formação leva em conta a totalidade como a compreendemos neste estudo?

Tendo esse questionamento como horizonte, o caminho percorrido por esta pesquisa nos suscitou perguntas de toda ordem. Algumas respostas foram aflorando ao

longo dos capítulos. Outras permaneceram em aberto. É nessa abertura que centramos duas reflexões que consideramos chaves para análise:

a) a princípio queríamos estudar as práticas pedagógicas do MST; com o aprofundamento dos estudos percebemos que, quando queríamos falar em práticas pedagógicas para analisar os egressos do MST, na verdade, queríamos dizer que o MST, ao constituir o que denominava práticas pedagógicas, em sua formação interna, já empreendia nela a ação e reflexão. Assim, ao reconhecer que ação e reflexão constituíam os princípios de formação do MST, então, o Movimento já possuía uma práxis. Relembrando que práxis, no entendimento de Sánchez Vázquez, não se configura só como teoria ou só como prática. Concordamos com o autor, nem toda teoria e nem toda prática é uma práxis. Esclarecendo melhor, por exemplo, uma prática mecânica não é uma práxis. Assim como uma teoria isolada não se consubstancia uma práxis. Portanto, práxis é ligamento da teoria e prática, com vistas a uma transformação (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011).

b) Em relação do por que queríamos investigar militantes egressos das universidades e o que queríamos observar em sua formação, deparamos-nos com a seguinte indagação: por que o MST achava importante que seus militantes se graduassem nas universidades se o Movimento já tem a sua pedagogia própria que forma os sujeitos militantes, dentro do contexto da centralidade da luta pela terra, em processo de formação interna continuada? A essa resposta, tomamos como hipótese que o Movimento, ao encaminhar seus militantes para a universidade, está como fenômeno social, constituindo e consolidando seus intelectuais orgânicos.

Assim, na perspectiva do intelectual orgânico como possibilidade de consolidar a formação dos militantes do MST, é que nossa análise interpretará os dados produzidos pela pesquisa. Cabe salientar que buscaremos jogar luz aos dados na tentativa de alcançar as relações entre as formações dos egressos, isto é, a interna e externa.

Utilizaremos o termo intelectual orgânico na compreensão de Gramsci, que passa em revista na contemporaneidade, particularmente, no que se refere à dimensão do intelectual ilustrada por Marx. O autor articula essa revista com a concepção da práxis. Dessa forma, segundo Semeraro (2006, p. 1) a releitura de Gramsci aponta para

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uma “nova configuração que os intelectuais vêm assumindo no contexto atual e recupera a função do “intelectual orgânico” (SEMERARO, 2006, p. 373).

Intelectual, para Marx, trata do ser, ao mesmo tempo, cientista, crítico e revolucionário, e está intimamente entrelaçado com a filosofia da práxis. Dessa interligação surgem então “novos intelectuais politicamente compromissados com o próprio grupo social para fazer e escrever a história e, por isso, capazes de refletir sobre o entrelaçamento da produção material com as controvertidas práticas da reprodução simbólica” (ibidem, 2006, p. 374).

Esmiuçando os termos em separados entendemos que ‘intelectual’ é o sujeito que expressa o uso do seu ‘intelecto’ para estudar, refletir sobre as ideias relacionadas à relevância individual, social e ou coletiva. Por sua vez, ‘orgânico’ diz respeito aos sujeitos organizados, sem divisão ou decomposição das partes constituintes, e seus componentes são profundamente arraigados às suas vivências e às causas que defendem. Essa conjunção propicia forças para lutar, formar e transformar sua realidade, do contexto em seu entorno, assim como da sociedade que está inserido.

Em razão disso, esse intelectual orgânico está imerso em uma totalidade. Lukács (1967) afirma que:

A categoria de totalidade significa (...), de um lado, que a realidade objetiva é um todo coerente em que cada elemento está de uma maneira ou de outra, em relação com cada elemento e, de outro lado, que essas relações formam, na própria realidade objetiva, correlações concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas (LUKÁCS, 1967, p. 240).

Ilustramos a compreensão dessa totalidade no pensamento de Marx, assim, podemos pensar a população do campo dentro de uma sociedade mais ampla. O autor assevera que ‘população’ é um todo, porém o conceito de população é vazio, se nós não distinguimos as classes.

Quando consideramos um determinado país do ponto de vista da economia política, começamos por sua população, pela divisão desta, em classes, a cidade, o campo, o mar, os diferentes ramos produtivos, a exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços das mercadorias etc. Parece justo começar pelo real e concreto, pela verdadeira suposição; assim, por exemplo, na economia, pela população que é a base e o sujeito da ação social da produção em seu conjunto. Contudo, se examinarmos com maior atenção, isto se revela um procedimento falso. A população é uma abstração caso deixe de lado, por exemplo, as classes que a compõem. Estas classes são, por sua vez, uma palavra vazia se desconheço os elementos sobre os

quais repousam, por exemplo, o trabalho assalariado, o capital etc. Estes últimos supõem a troca, a divisão do trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, os preços etc. Se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do conjunto e, necessitando cada vez mais, chegaríamos analiticamente a conceitos cada vez mais simples. Alcançando este ponto, teríamos que empreender novamente a viagem de retorno, até encontrar de novo a população, mas desta vez não teríamos uma representação caótica de um conjunto, mas uma rica totalidade com múltiplas determinações e relações (MARX, 1973, p 20-21).

Por conseguinte, partindo desta visão do todo, constatamos que tanto o MST quanto as instituições ao se ‘unirem’, estão formando um Sujeito-Militante, ao compreender as diversas determinações estabelecidas pela sociedade (não em uma visão isolada), mas no aspecto crítico/reflexivo de uma sociedade entendida como um fenômeno social, amparada por suas bases econômicas.

Entendemos que a práxis educativa se consubstanciam como elemento estruturante nessa visão de totalidade. Essa visão, como já foi apontada acima, nos permitirá entender em que medida essas parcerias contribuíram para a formação dos sujeitos.

Desse modo, no decurso deste estudo fomos procurando encontrar pistas, significados, atribuição de sentidos nas falas dos sujeitos, analisá-las em consonância com os pilares elegidos no processo dialético e da totalidade, que está sempre em construção.

Quando o MST busca a formação dos seus sujeitos e se une à ‘esfera’ da universidade, ele está buscando a formação consolidada do intelectual orgânico nas diversas totalidades.