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REGIÃO QUANTIDADE

4.3 O MST na Universidade Federal de Minas Gerais

4.3.1 Licenciatura em Educação do Campo – Turma

Em 2004, o MST procurou a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais para propor a construção de uma parceria para criar um curso de Pedagogia com o apoio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

A Faculdade tem atuação histórica junto aos movimentos populares, tanto urbanos quanto rurais. Traz em seu portfólio uma expressiva produção em termos de projetos de pesquisa e extensão. Mas, no que diz respeito ao ensino, a demanda se configurava como um novo desafio. Seria necessário pensar princípios pedagógicos, habilitação, forma de ingresso, organização curricular, materiais didáticos, avaliação, parceria, manutenção dos alunos, dentre outras questões. Organizou-se uma equipe formada por professores e representantes do Movimento Social33 (ROSENO, 2010).

A demanda inicial era por um curso de Pedagogia, isto é, formação de professores para atuação nas séries iniciais do ensino fundamental. O Movimento já tinha uma experiência consolidada no desenvolvimento de cursos de graduação, notadamente de Pedagogia. Até aquele momento, o MST já contava com dezesseis turmas de Pedagogia da Terra, em parceria com diferentes universidades públicas. Os professores tinham experiência em pesquisa, ensino e extensão em projetos similares.

De tal modo, a proposta foi assentada em debates, por meio de inúmeras reuniões, sendo que uma primeira compreensão de parte do corpo docente da FaE, era de que não seria um desafio de fácil implementação, pois se versava uma abordagem de educação completamente nova para a Faculdade de Educação e para a Universidade Federal de Minas Gerais.

A Equipe empenhou-se na construção dos princípios e práticas que norteariam a matriz curricular e, nesse processo, propôs um curso que habilitasse o educador para atuar na Educação Básica (anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio), por área do conhecimento (Línguas, Artes e Literatura, Ciências Sociais e Humanidades, Ciências da Vida e da Natureza e Matemática), ofertado em alternância (um tempo na universidade e um tempo na comunidade), com a gestão em parceria (movimentos sociais e universidade). Passou a se denominar como Licenciatura em Educação do Campo.

O termo Pedagogia da Terra passou a denominar não um tipo de curso e de habilitação, mas a matriz estruturante do curso. Caldart (2002) dava as pistas para o lugar da “terra” no projeto.

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Participantes da Equipe: Maria Isabel Antunes-Rocha, Ana Maria R. Gomes, Lúcia H. A. Leite, Miguel G. Arroyo, Antônia Vitória S. Aranha, Samira Zaidan, Antônio Júlio de M. Neto, Juliane Corrêa (UFMG). Sônia Maria Roseno e Marta Helena Rozeno (MST).

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O substantivo terra, associado com a pedagogia, indica o tipo de materialidade e de movimento histórico que está na base da formação de seus sujeitos e que precisa ser trabalhada como materialidade do próprio curso: vida construída pelo trabalho na terra, luta pela terra, resistência para permanecer na terra. Quando os estudantes do MST passaram a se chamar de pedagogos e pedagogas da terra estavam demarcando e declarando este pertencimento: antes de serem universitários somos Sem Terra, temos a marca da terra e da luta que nos fez chegar até aqui (CALDART, 2002, p. 64).

Foi institucionalizado por meio do Convênio Nº 28.000/04 em 29 de dezembro de 2004, entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, por intermédio da Superintendência Regional do INCRA no Estado de Minas Gerais, a

Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa – FUNDEP, tendo como

interveniente/executora a Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas Gerais – FaE/UFMG e como parceiro o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (ANTUNES-ROCHA E MARTINS, 2009, p. 1).

Em 11 de agosto de 2005, através do Parecer Nº 14/2005 o Conselho Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais autorizou o início efetivo das atividades acadêmicas. A UFMG, quando aprova a parceria, junto aceita também um desafio voltado para a proposta que se desenhava e que demandava ser esse curso. Freire (1987 p. 92) dizia que “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. Assim também auxilia na compreensão, a importância do diálogo entre todos os parceiros (ROSENO, 2010).

Os 60 estudantes, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento das Mulheres Camponesas, da Cáritas Diocesana e do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas inicia as atividades formativas em outubro de 2005 (ANTUNES-ROCHA & MARTINS, 2009).

A Turma teve sua organização própria e construída coletivamente, seguindo a organicidade da pedagogia do MST, representada pela Coordenação Pedagógica, Assembleia, Coordenação da Turma, Núcleos de Base, Equipes de trabalho. Todas as turmas dos cursos do Momento fazem uma homenagem aos lutadores do povo, portanto o nome discutido e escolhido pela Turma foi “Turma Vanessa dos Santos” em homenagem à Sem Terrinha Vanessa dos Santos de sete anos, brutalmente assassinada no massacre de Corumbiara, estado de Rondônia, em 09 de agosto de 1995.

O que se apresenta e aparece de inovador é que esse curso inaugura um novo desenho da proposta curricular. Extrapola a estrutura curricular dos outros cursos de Pedagogia da Terra que já existiam no Brasil. A matriz curricular foi gestada para considerar tanto as teorias como as práticas, de tal forma que se localizasse em todos os artifícios de aprendizado, iniciando assim uma tentativa de superar a cisão dicotômica entre universidade e Movimentos Sociais e respeitá-los como lugares diferentes. Para Freire (1987, p.104) “nesta distinção, aparentemente superficial, vamos encontrar as linhas que demarcam os campos de uns e de outros, do ponto de vista da ação de ambos no espaço em que se encontram”.

No momento da aula inaugural o Movimento deixa a marca da história da luta dos trabalhadores com a ocupação de mais um ‘latifúndio do saber’, que ficou registrado nas falas ali presente.

(Roseno relata que) A aula inaugural do curso aconteceu no dia 21 de novembro de 2005 no auditório Luís Pompeu na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Na cerimônia de abertura houve a apresentação de uma mística pelos educandos e educandas do curso Pedagogia da Terra com o som de foices, instrumentos de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras. A apresentação incluiu dança e poesia, com representações dos elementos da terra, - ofertadas em cestos de palha com frutas, flores e sementes. Muita música na voz do artista popular Pedro Munhoz, as falas representando as instituições ali presentes, a aula inaugural do professor Miguel Arroyo, marcaram aquela manhã com o início do curso de Licenciatura em Educação do Campo, historicamente conhecido e reconhecido como curso de Pedagogia da Terra. Armando Vieira, membro da direção nacional do Movimento Sem Terra (MST) e educando do curso afirma: “As universidades ainda são o latifúndio, e nossa presença aqui é uma ocupação [...] E hoje entendemos que precisamos construir uma educação a partir da nossa prática". [...] A reitora Ana Lúcia Gazzola concordou que estar na Universidade é um privilégio e afirmou: “Deste lugar do privilégio é possível fazer a reforma agrária do saber, ao estabelecer pontes e transformar a Universidade em um espaço onde os saberes populares e os saberes de todos os campos do conhecimento se enriqueçam e se entrelacem mutuamente.” [...] A professora Maria Isabel Antunes-Rocha, coordenadora do curso pela UFMG, explicou que o curso Pedagogia da Terra não abre um caminho novo na UFMG, pois a instituição tem um longo caminho de diálogo com os movimentos sociais. "Este curso é uma continuidade, estamos saboreando um fruto. Mas não vamos jogar fora as sementes deste fruto, vamos tornar a plantá-las", disse, ao distribuir entre os presentes sementes de girassol, símbolo da educação no campo no Brasil. E a vice-diretora da FaE, professora Antônia Vitória Aranha, disse que abrigar este curso é uma obrigação social da UFMG e uma prova de que "é possível construir uma Universidade de qualidade e democrática” (ANTUNES-ROCHA & MARTINS, 2009, p. 61-63).

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O professor Miguel Arroyo fez o encerramento da primeira aula de um novo curso de pedagogia que se iniciava frisando que a responsabilidade que o curso para fazer a aproximação de saberes dos povos do campo com os saberes científicos:

“Tenho muita esperança neste curso, esperança de que ele produza um saber novo, humilde, que se interroga, e que nós nos deixemos interrogar, que escutemos as interrogações que vêm da dinâmica da sociedade", disse. Arroyo afirmou que tem orgulho de ser professor da UFMG, afirma também que não basta classificar a educação como direito, uma vez que os direitos universais não podem ficar em um campo abstrato. Eles só se tornam históricos quando os movimentos sociais os levam para a concretude de suas vidas (ibidem, 2009, p. 61-63).

Para Mota (2012), egressa do Curso:

Houve vários momentos marcantes no início do curso, como o vestibular, a construção do memorial, agitou muito a sensibilidade da turma em contar sua própria história de luta e dor que unifica os povos do campo. Como havia entre a Turma um sentimento de grupo, a solidariedade para com cada companheiro e companheira, despertava em nós o exercício da tolerância e amor. Houve momentos de muita alegria e euforia com a aula inaugural proferida pelo professor Miguel Arroyo, precedida pela Mística e Ato solene de Abertura do Curso, mesclada pelo grito de ordem: “Salete Strozak, estamos com você, pra ocupar de frente, o latifúndio do saber, na UFMG” (MOTA, 2012, p. 12).

Ao longo de sua realização, o curso foi-se constituindo terreno fértil. Sua realização desafiou a Universidade e o Movimento na produção das mediações conceituais e de procedimentos para trabalhar os desafios relativos à presença do sujeito coletivo como educando, a formação por área do conhecimento, os tempos/espaços alternados de aprendizagem (tempo escola e tempo comunidade), o diálogo de saberes, a produção do conhecimento, o contato com a escola rural por meio dos estágios.

Os educandos produziram 46 monografias, relatórios de estágios, materiais didáticos e multimidiáticos bem como uma extensa lista de poesias, vídeos, filmes, músicas e contos. Os educadores por sua vez investiram massivamente na reflexão e produção teórica (livros, artigos, palestras, conferências, dentre outros) na busca de referenciais analíticos visando compreender o que estava sendo feito e o que poderia ser realizado. Educandos do próprio curso e de outros se desafiaram a discutir a prática por meio da elaboração de monografias, dissertações e teses. Em um levantamento preliminar encontramos uma tese, onze dissertações e duas monografias, conforme o quadro que apresentamos abaixo.

QUADRO 1 - Tese, Dissertações e Monografias sobre o Curso de Especialização em Educação do Campo – UFMG.

Característica Título Autor Universidade

Tese

Novos olhares, novos

significados: a formação de educadores do campo. Maria Osanette de Medeiros UNB Dissertações Pedagogia da terra - O Curso De Licenciatura Em Educação Do Campo De Minas Gerais. Eliana Aparecida Gonsaga UFF O curso de licenciatura em educação do campo: Pedagogia da Terra e a Especificidade da

Formação dos Educadores e Educadoras do Campo de Minas Gerais. Sônia Maria Roseno UFMG Apropriação da escrita no contexto da formação de professores de ciências na educação do campo. Autora

Jucelia Marize Pio

Venancio UFMG

Memória na prática

discente: um estudo em sala de aula do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFMG

Michelle Viviane

Godinho Corrêa UFMG

A dialética produção-

consumo do trabalho

docente na territorialidade camponesa.

Fernando Conde UFMG

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Característica Título Autor Universidade

Escrita acadêmica em

contexto de formação de professores do campo.

Ana Paula da Silva Rodrigues

UFMG

Representações Sociais

sobre a educação do campo construídas por educandos do curso de licenciatura em educação do campo. Luciane de Souza Diniz Menezes UFMG Representações Sociais de Educandas e Educandos do Curso de Licenciatura em Educação do Campo sobre

a Leitura de Textos Acadêmicos. Lucimar Vieira Aquino UFMG A apropriação do discurso científico sobre evolução

biológica por futuros

professores de ciências em formação no curso de licenciatura em educação do Campo da UFMG. Tânia Halley Oliveira Pinto UFMG

O que é ser educador do

campo: os sentidos construídos pelos estudantes do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da FaE/UFMG Aline Aparecida Ângelo UFSJR O perfil conceitual

energia: em busca de zonas híbridas

Característica Título Autor Universidade Monografias Trajetória de formação de educadores do campo: um estudo exploratório segundo educandos e educandas do curso de licenciatura em educação do campo – Pedagogia da Terra. Amarildo de

Souza Horácio. UFMG

Educação como prática da liberdade: a apropriação de novos instrumentos para a

cidadania ativa – letramento digital no Pedagogia da Terra. Anderson de Souza Santos. UFMG

Fonte: Dados da pesquisa

O curso, sob a coordenação da Profa. Dra. Maria Isabel Antunes-Rocha, da UFMG, e da Profa. Marta Helena Rozeno, do MST, encerra-se em 2010. Muitas mudanças ocorreram e muitas conquistas foram alcançadas, após sua aprovação.

Pode-se dizer que mexeu com a vida de todos os parceiros, entre eles a universidade e Movimentos Sociais. A FaE/UFMG implantou em 2008 uma segunda turma, com apoio do Programa de Formação de Educadores do Campo (PROCAMPO/SECADI/MEC) e em 2010 a UFMG criou condições para tornar o curso como oferta regular. Ambos são heranças do curso do Peterra, que seguem com o desafio de não perder de vista o protagonismo dos Movimentos Sociais.

Para o MST esses momentos foram ímpares em termos da formação e também das possibilidades do exercício concreto de uma parceria que traz a marca do respeito às diferenças, da busca do diálogo, da importância do tensionamento em torno da urgente necessidade de “ocupar” a universidade, pois para o Movimento esse é um dos espaços onde o latifúndio se faz presente em toda a sua intensidade.

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