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REGIÃO QUANTIDADE

4.4 O MST na Universidade Estadual Paulistana

4.4.2 O Curso de Mestrado

A UNESP também criou em 2013 o Mestrado em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), capitaneado pelo Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) em conjunto com a Cátedra UNESCO de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial e a Via Campesina. Participam do curso estudantes da Via Campesina de 13 estados, além de um argentino, um peruano e um colombiano. Os estudantes tiveram a primeira etapa do curso realizada na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) (MST, 2013, p. 1)

A turma do mestrado também definiu o seu nome: José Carlos Mariátegui, em homenagem ao pesquisador peruano que contribuiu para a interpretação da realidade latino americana a partir de uma análise crítica marxista (ibidem, 2013, p. 1).

O curso funciona também com o convênio com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Segundo Fernandes (2014, p.3) o curso é o primeiro Programa de Pós-Graduação que atende “preferencialmente” aos sujeitos do campo, cujo objetivo é “acelerar o desenvolvimento de seus territórios”.

Na visão do autor:

A criação do Mestrado em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL) é mais que um projeto acadêmico. É o encontro de diversas ideias construídas no diálogo e embate entre os próprios parceiros, porque o consenso é formado por diferentes concepções que tornam possível a realização de um projeto. Nosso desafio tem sido unir competências e interesses da universidade e dos movimentos camponeses para realizar um curso de pós-graduação que atenda aos objetivos de promover o desenvolvimento territorial sustentável, inclusivo e todas as adjetivações que promovam a manutenção da existência do campesinato com qualidade de vida e respeito às suas identidades e culturas. O campesinato é um sujeito político que pratica uma relação social baseada em diferentes formas de organização do trabalho: familiar, associativa, comunitária, cooperativa ou qualquer outra denominação que explicite formas solidárias que garantam a sua existência. Esta relação social também tem sido denominada de agricultura familiar. Nas sociedades capitalistas, a agricultura familiar ou

campesinato está subordinada à relação social hegemônica, ou seja: o modo capitalista de produção, que tem como principio a produção de mercadorias através da expropriação da riqueza produzida pelo trabalho, gerando desigualdades, destruindo e recriando o campesinato, conforme os interesses da economia capitalista (MANÇANO, 2014, p. 3).

Fernandes afirma ainda que a criação de um projeto voltado à população campesina de desenvolvimento territorial revela-se autônomo e importante para a transformação positiva em suas vidas, além de fortalecer sua resistência. Nesse curso, são tratados temas fundamentais como: “soberania alimentar, sustentabilidade, comida saudável, preservação ambiental fazem parte desta população, que luta contra os agrotóxicos, a exploração do trabalho e a expropriação”. E conclui: “A construção do conhecimento e a produção de políticas públicas são dois processos inseparáveis para a superação dos problemas que o campo enfrenta” (ibidem, 2014, p. 21).

Na aula inaugural, Edgar Kolling, do setor nacional de educação do MST, lembrou que “o estudo está presente no Movimento deste as suas origens, mas estudo não apenas como sinônimo de escolarização, mas também como aquele esforço individual e coletivo para compreender a realidade, intervir nela e transformar o mundo. Por isso que para o MST o estudo é um princípio organizativo” (ibidem, 2013, p. 1).

Kolling também citou pesquisa recente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que mostra que apenas 1% dos jovens residentes nos assentamentos tem curso superior completo, ante os 12% do Brasil. Esse dado demonstra mais um elemento da exclusão a que a população do campo está submetida. Ao se referir ao curso, o dirigente lembrou sua metodologia, pensada a partir de uma perspectiva crítica. “Este curso reforça a ideia de que vocês sejam lutadores e construtores de um mundo melhor, mais justo, igualitário e solidário” (ibidem, 2013, p. 1).

O professor Bernardo Mançano Fernandes, da UNESP, destacou a importância da ciência e teoria, da necessidade de os estudantes se preocuparem com a produção teórica, ressaltando que a “postura de ver a ciência como um processo de construção do conhecimento é uma postura propositiva, ofensiva, e não conformista. Quero defender aqui que vocês entendam a ciência que está sendo trabalhada como de caráter propositivo, não só denuncismo” (ibidem, 2013, p. 1).

Rosana Fernandes, integrante da turma de mestrado e assentada em Goiás, avaliou com otimismo a parceria entre os movimentos sociais do campo e a

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universidade, pois permite o regime de alternância, em que as etapas de aula são intercaladas pelo tempo comunidade. Assim o assentado ou assentada não fica muito tempo longe da família, da casa, das atividades produtivas e organizativas. “Seria muito difícil a gente conseguir um curso formal da academia. Meu objetivo tem sido aprofundar os conhecimentos teóricos para contribuir com a organização dos trabalhadores” (p. 1). O educando Delwek Matheus, assentado em São Paulo, reafirma que “o curso é fruto da luta pela terra, e cabe aos camponeses irem se apropriando de outros espaços, como o espaço acadêmico” (ibidem, 2013, p. 1).

Assim, Interrogamos em dimensões sociais, se as instituições universitárias beneficiam ou inibem o cumprimento de metas em sua gestão e na formação de professores de assentamentos na universidade? Que avanços em perspectivas estão sendo construídos? Em tese antecipamos alguns pontos de análises, sinalizando que a formação de professores na Universidade de forma ampla, está ainda fortemente marcada por pressupostos da estrutura acadêmica e técnica que fragmentam teoria e prática. Representações a esse respeito são identificadas ao verificar-se o distanciamento da academia no que se refere à educação do ensino básico, distanciamento de interlocuções inerentes e indispensáveis entre saberem teóricos e práticos no processo de desenvolvimento profissional docente (Candau, 1988). Em contraponto estudos apontam que uma valorização dos saberes e das experiências profissionais dos professores e professoras podem fortalecer não somente para um desempenho da profissão docente, bem como o avanço da qualidade do ensino em sua totalidade.

Esta compreensão emergente na formação dos professores do ensino superior, adverte para a centralidade de relações nas parcerias entre Universidade e as escola públicas como pressupostos teóricos e práticos visíveis na construção e implementação de políticas interinstitucionais de profissionalização do magistério (Candau,1988).

Numa avaliação dos cursos Molina & Sá, nos diz que:

A luta pela terra, no que ela se apresenta como mais radical, é matriz estruturante do curso. Terra para quem nela trabalha, terra como direito, terra como justiça social, terra como espaço de produção da vida. Essa afirmativa requer muitos desafios. Entre eles, a discussão da posse e uso da terra na perspectiva da sustentabilidade e de superação do sentido da terra como mercadoria. A luta pela terra insere-se no curso pelo caminho dos movimentos sociais e sindicais. São eles que formulam as demandas, que colocam na agenda nacional a demanda pela educação do campo. Suas lutas, suas formas de organização, seus processos educativos e suas necessidades

fazem parte da materialidade que fecunda o curso (MOLINA & SÁ, 2011, p. 22).

A necessidade de uma educação aproximada com as organizações populares é imprescindível do ponto de vista político, econômico, ideológico e cultural, não somente para fortalecer um projeto de sociedade, mas porque a situação da educação no campo brasileiro até então era negada aos sujeitos que vivem da terra. As propostas dos movimentos são sustentadas em princípios políticos construídos coletivamente, a partir dos consensos possíveis, diante da diversidade de sujeitos.

Podemos concluir que essa pedagogia da educação do campo aparenta como uma ‘pedagogia da inquietude e da resistência’, que oferece para a constituição de uma visão de sociedade na perspectiva das classes sociais ou, numa perspectiva gramisciana, uma pedagogia que contribua para formar uma contra-hegemonia das classes oprimidas. Ou seja, se estabelece numa educação contra-hegemônica, pois as concepções pedagógicas que a ampara e as práticas educativas assumidas entrelaçam em objetivos políticos transformadores da realidade de opressão e exploração geradas pelas relações capitalistas que as cerceiam.