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Breves apontamentos acerca da estrutura típica dos crimes contra a ordem

3 A RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTADORES NOS CRIMES CONTRA A

3.2. Os crimes contra a ordem tributária

3.2.2 Breves apontamentos acerca da estrutura típica dos crimes contra a ordem

O Direito Penal tributário é marcado pelo uso recorrente de expressões de natureza

normativa isto é, o legislador frequentemente utiliza de elementos ou conceitos normativos,

“circunstâncias que não se limitam a descrever o natural, perceptível pelos sentidos

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”, mas

sim “juízos de valor e, até mesmo, um juízo de contradição com certas normas do

ordenamento jurídico”. Nos delitos fiscais, esses elementos normativos estão atrelados à

conceitos normativos relacionados diretamente às normas de Direito Tributário, sendo

necessário buscar neste ramo do direito as informações para se ter o entendimento do alcance

do tipo, sem jamais esquecer, todavia, que o núcleo essencial da conduta incriminada é

aquele estabelecido pelo legislador penal, a bem de que não se criminalize tudo aquilo que

figurar como uma infração tributária. Como exemplo desses conceitos normativos que fazem

parte do tipo penal pode-se extrair os termos “tributo”, “contribuição social”, “acessório”,

“nota fiscal”, “fatura”, “duplicata”, “nota de venda”, “autoridade fazendária”, “livro exigido

pela lei fiscal”, “incentivo fiscal”, “em desacordo com o estatuído”, “informação contábil”,

“pagamento indevido”, “vantagem indevida”, etc, todos presentes nos artigos 1º, 2º e 3º da

Lei 8137/90 que serão, a exceção do artigo 3º, pormenorizadamente, analisados em tópico

próprio.

Somente ocorrerá o tipo penal dos crimes contra a ordem tributária se formalizada a

incidência da norma geral e abstrata prevista no ramo do Direito Tributário. Trata-se de um

pré-requisito para a configuração do delito a introdução da norma individual e concreta no

ordenamento jurídico que relate a incidência da conduta criminosa no seu antecedente, o que

significa dizer que se deve verificar a relação jurídica tributária entre o Estado e o agente

infrator

154

. Há que se determinar, antes de tudo, o significado jurídico desses elementos

normativos do tipo e, consequentemente, fazer um “juízo de subsunção

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” de tipo normativo,

para, utilizando-se de critérios de imputação objetiva, verificar a criação do risco na análise

do desvalor da conduta introjetado na norma incriminadora. Isso significa recorrer à

legislação tributária, local em que se identificará o significado jurídico dos elementos

153 BITENCOURT e MONTEIRO, op.cit., p. 39.

154 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. A Decisão Administrativa Tributária como Condição para a Incidência da

Norma que Relata o Crime Contra a Ordem Tributária. In. TANGERINO, Davi de Paiva Costa. GARCIA, Denise Nunes (coord.). Direito Penal Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 64

normativos do tipo e se poderá averiguar o alcance da tipicidade. Em suma, os crimes contra a

ordem tributária são legítimas normas penais em branco

156

.

A autoria e a participação fazem parte do denominado tipo objetivo, como já foi

tratado em tópico específico. Se a elaboração de informações contábeis perpassa, por vezes,

conforme as legislações acerca da regulamentação do labor contábil, pela obrigatoriedade de

se ter um contador avalizando esses documentos, como se pode deixar de verificar se as suas

condutas foram ou não, total ou parcialmente, responsáveis pelo cometimento do ilícito

tributário e pelo próprio delito fiscal? Embora o contador nem sempre seja o beneficiário

direto da fraude fiscal, é inegável que suas condutas podem e, não raro, são necessárias para a

consecução da infração tributária. Dito de outra forma é impossível em muitos casos pensar

que tanto o delito fiscal como o ilícito tributário se deram sem que um profissional contábil

não tenha participado em algum momento de atos que perfectibilizaram a fraude. Cabe assim

averiguar se essa participação consistiu propriamente numa coautoria ou numa cumplicidade

digna de responsabilização.

No âmbito dos crimes contra a Ordem Tributária, deve-se levar em consideração

aquilo que Bitencourt e Monteiro

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denominam de princípio da dupla tipicidade em que toda

a modificação na estrutura típica da infração tributária poderá afetar a norma penal

incriminadora, o que acarretará numa valoração dos efeitos dessa modificação. A lei penal

fiscal está imbricada com as normas tributárias, podendo uma isenção fiscal acarretar na

atipicidade da conduta delituosa fiscal. Isso demonstra a importância da tipificação tributária.

Mesmo que o fato gerador, nos termos dos artigos 116 e 144 do Código Tributário Nacional

tenha se configurado, caso haja uma política de isenção fiscal posterior em relação àquele

tributo, retirando a necessidade de sua cobrança, isso incidirá diretamente na norma penal,

obrigando o reconhecimento da retroatividade benéfica ao réu e a consequente absolvição. A

prévia infração tributária é pressuposto para a formação do tipo penal fiscal.

Todavia, um dos problemas recorrentes relativo à influência da tipicidade tributária

na norma penal está na análise do elemento subjetivo, no caso dos crimes previstos pela Lei

8.137/90, na prova do dolo. Como os crimes contra a Ordem Tributária não prevêem a

modalidade culposa, é corriqueiro em denúncias e julgados a presunção de que infrações

tributárias seriam suficientes para sustentar o dolo. Ocorre que nas infrações tributárias a

responsabilidade é objetiva, nos termos do artigo 136 do Código Tributário Nacional, o que

156 Normas penais em branco são todos os preceitos incompletos, genéricos ou indeterminados, que necessitam

da complementação de outras normas.

faz com que a autoridade administrativa não dê a devida atenção aos elementos subjetivos,

ante a inutilidade disso para fins fiscais. E isso tem como efeito prático que, ao chegar ao

Ministério Público e ao Judiciário, presuma-se que a infração tributária tenha sido realizada

dolosamente, como se a mera infração do dever extrapenal fosse constitutiva do delito. Não

por outro motivo, buscando evitar essas interpretações que conduzem a uma inaceitável

responsabilidade objetiva em âmbito penal, a grande maioria da doutrina nacional e

internacional exige que o dolo nos crimes fiscais caracterize-se no propósito de fraudar a

Fazenda Pública, exteriorizando-se por meio de práticas de atos inidôneos para tal fim.

Resta clara a importância que se tem em averiguar todo o procedimento

administrativo fiscal que será o elemento chave para a tipicidade dos crimes contra a Ordem

Tributária. É nessa fase em que a figura do contador aparece com maior relevância, na medida

em que as informações contábeis que podem acarretar uma autuação fiscal passam, em

determinados casos, obrigatoriamente, por lei, pelo crivo de um contador. Isso foi

demonstrado no tópico em que se tratou das atribuições legais específicas do profissional

contábil.