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2 - Breves considerações: o colecionismo de joias honoríficas

O património falerístico do MNAA, é na sua totalidade móvel, e reunido maioritariamente através de colecionadores privados e doadores. Os critérios e motivações do MNAA, que permitiram a construção desta coleção ao longo de várias décadas, são importantes indicadores dos valores atribuídos a este tipo de objetos, coincidindo com a sua vocação museológica, no que concerne ás artes decorativas.

No domínio do valor simbólico, este tipo de acervo, tem sido relacionado com o sentimento de nostalgia, e reconhecimento, e estimulado por uma memória coletiva, associada a um período artisticamente rico e exuberante.

O MNAA, tentou, com esta coleção, da qual apenas analisamos algumas peças referentes à Ordem de Cristo, criar uma experiência histórica, que nos remete para uma narrativa temporal, permite vivenciar toda a dinâmica sociocultural do barroco, e a notoriedade dada à Cruz de Cristo, que surge sempre como elemento central e profusamente decorado.

As joias honoríficas analisadas, refletem as tendências da época, num período em que a joias eram símbolos de poder e estatuto social, onde o ter cumpria a função simbólica de parecer, perante a sociedade e a Corte, sendo, como já mencionamos anteriormente umas das formas mais importantes de expressão.159

No desenvolvimento do nosso trabalho sobre esta temática, a qual teve início no âmbito de pequenas investigações, realizadas no decurso da componente curricular do curso de mestrado, tanto para o Seminário de Estudo de Artes Decorativas como também para o Seminário de Peritagem de Obras de Arte, tivemos oportunidade de encontrar, e analisar outros objetos honoríficos.

O ato de colecionar, na vertente privada e pública, permite-nos absorver todos os diferentes aspetos económicos, não só capitalistas como de consumo. Cabe aos agentes de mercado “aliciar” o colecionador na sua busca incessante por novos objetos e analisar a relação entre os possíveis compradores e as suas aquisições. Essa análise, é o grande

159Cf. SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e, “Opulência, riqueza e poder: aspectos da joalharia da nobreza da corte portuguesa de Setecentos”, (…), p. 766.

83 trunfo dos agentes de mercado, que permitem que determinados objetos estabeleçam uma relação e identidade com os possíveis compradores, e é neste contexto que muitos objetos surgem no mercado de arte.

Outro aspeto a ter em conta, é o da disponibilidade desta tipologia de objetos no próprio mercado, destacando de igual modo a importância dos museus no seu reconhecimento, onde cabe ao colecionador, e ao seu gosto por esta tipologia de objetos, o ato de os fruir e o de os disponibilizar. Compete posteriormente aos agentes de mercado, a captação desses objetos e a sua exposição ao público v.g. galerias, museus, etc.

Tomando como exemplo o acervo museológico falerístico do MNAA, aqui analisado, coleção de cariz e partilha pública, não só pela diversidade de materiais, mas pela agregação de informação relativamente às antigas Ordens Monástico-Militares, podemos afirmar, que exerce um certo poder na dinâmica de decisão de compra e do próprio direcionamento do mercado de arte, sendo objetos associados a um período histórico relevante e não a artistas de referência, já que na sua maioria são de autores até hoje desconhecidos.

Todos os aspetos de investimento financeiro, estão intrinsecamente ligados a uma pressuposta compreensão dos objetos e da tipologia artística em que se inserem, e só podemos entender o colecionismo desta tipologia de objetos, tendo uma noção do valor subjetivo dos mesmos, no entanto, o ato de colecionar relacionado com o investimento pode ser analisado separadamente do colecionismo que reflete paixões e ideologias.

Apesar de o MNAA, como já referimos, ter um vasto espólio de joalharia honorífica, não podemos ficar indiferentes ao fenómeno do colecionismo, que surge numa esfera privada e que passa para a esfera pública, no caso de ter sido usado como meio de entesouramento.

A insígnia da Ordem de Cristo com o número de inventário 775JOA (Vide Figura 7), apesar de ter sido doada ao MNAA, não deixa de se encaixar no perfil de uma joia outrora usada como meio de entesouramento, como pensamos que as demais tenham sido.

84 Podemos destacar duas leiloeiras nacionais, primeiramente, a Leiloeira Palácio Correio Velho, que leiloou uma coleção completa, e a Leiloeira Cabral Moncada Leilões, que leiloou algumas peças, provavelmente com origem numa coleção familiar.

- Leiloeira Palácio do Correio Velho:

Tendo em conta todos os objetos em estudo, podemos encontrar algumas semelhanças com alguns dos exemplares patentes na Coleção de D. Manuel de Souza e Holstein Beck, Conde da Póvoa (1932-2011), membro fundador da Academia Falerística de Portugal e grande colecionador de “Insígnias-Joias”, patentes no Leilão 284 de junho de 2012, levados à praça pela leiloeira Palácio do Correio Velho160, (Vide Figuras 13 a 16).

Esta notável e invulgar coleção, composta por cerca de setenta e quatro insígnias em ouro e prata com pedras preciosas, datadas dos séculos XVII a XIX, destacou-se não só pelos complexos e magníficos modelos apresentados, mas também pela raridade, qualidade e expressividade das insígnias da Ordem de Cristo.161 Nela podemos verificar algumas semelhanças estilísticas com os study cases apresentados do MNAA.

Demos como exemplo esta coleção, visto a mesma agregar inúmeras insígnias, que foram sendo colecionadas ao longo de gerações, apesar de isso não nos dar garantias de que as mesmas tenham sido pertença original de um único proprietário, tão pouco do seu autor.

160 Vide, Academia Falerística de Portugal. Disponível em: http://www.acd-faleristica.com/archives/2620

; e Cf. BRAGANÇA, José Vicente Pinheiro de Melo, “Colecção D. Manuel de Souza e Holstein Beck, Conde da Póvoa”, in Pro Phalaris Boletim da Academia Falerística de Portugal, N.º 6, Lisboa, Academia de Falerística de Portugal, 2012, pp. 3-10. Disponível em:

https://www.academia.edu/8898671/COLEC%C3%87%C3%83O_D._MANUEL_DE_SOUZA_E_HOL STEIN_BECK_CONDE_DA_P%C3%93VOA?email_work_card=title, pp. 3-4 e Vide, Palácio do Correio Velho, Coleção D. Manuel de Souza e Holstein Beck, Conde da Póvoa, I parte, Leilão 284 de junho de 2012, pp. 54-71. Disponível em: https://www.pcv.pt/auction.php?n=284&display-mode=results-summary&ref=auctions-past-info. Acedidos em: 04 de fevereiro de 2020.

161 Idem.

85 - Leiloeira Cabral Moncada Leilões:

Apesar de serem, na sua totalidade, objetos datados do século XIX, (Vide Figuras 17 a 19), apresentam uma forte gramática decorativa barroca na sua estilização, quer nos articulados superiores, quer relativamente às laçadas e aos elementos vegetalistas.

Estes objetos são acometidos do mesmo problema, o desconhecimento do autor e do proprietário inicial, surgindo do mercado de arte, como objetos descontextualizados de outros, que possivelmente tenham sido adquiridos pelo proprietário inicial.

Através dos casos concretos apresentados, verificamos que o colecionismo de objetos de joalharia honorífica se reveste de mensagens sub-repticiamente associadas à glória e à honra, intrinsecamente ocultos de um conservadorismo não só político como ideológico.

Sendo os objetos de joalharia honorífica pensados e criados a partir da sua dimensão comunicante, suportes de mensagens e inscrições sociais, conferem à joia um estatuto especial dentro da realidade social, e este seu papel reflete-se no mercado de arte e nos desejos do colecionador.

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