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2.7 Categorização

2.7.1 Women, fire and dangerous things

2.7.1.3 Brown e Berlin:ideias iniciais sobre o nível básico

Brown (1958; 1965 apud LAKOFF, 1987) atentou para o fato de que algumas palavras, na linguagem, poder-se-iam considerar como palavras reais para designar objetos. Para referir-se a uma moeda, por exemplo, soaria mais comum o termo moeda que objeto metálico, dinheiro (mais gerais) ou 50 centavos emitidos pela Casa da Moeda em 2002 (mais específico). É também o caso de cadeira, palavra mais específica que peça de mobília, mas mais geral que cadeira de escritório. Segundo o autor, esses nomes que parecem ser mais verdadeiros tendem a ser curtos e mais frequentemente empregados pelos falantes. Ademais, eles também se relacionam com ações não linguísticas. Por exemplo, há maneiras de interagir com cadeiras, com mesas e com sofás, mas há alguma forma de tratar peças de mobília? Enquanto é possível sentar em cadeiras, apoiar objetos em mesas e sentar-se confortavelmente em sofás, não existe um tipo de ação específica para a categoria mais geral que engloba esses elementos. No caso de categorias mais específicas, como cadeira de escritório, a maneira de interagir (sentar-se) é comum também a objetos de mesmo nível, como cadeira de praia, cadeira de balanço ou cadeira de barbeiro. Por esse motivo, os modos de interação com objetos dizem respeito a um chamado nível intermediário, sendo distintivos por poder funcionar como símbolos categoriais.

Brown (op. cit.), assim, volta-se aos aspectos extralinguísticos que se relacionam com a categorização. Para o autor, quando algo é categorizado, é

automaticamente visto como equivalente a outras coisas. A equivalência, nesse sentido, refere-se a como os indivíduos comportam-se com os elementos de uma mesma classe. Flores, por exemplo, são equivalentes entre si, na medida em que se podem cheirar e recolher. A esse nível intermediário (o de flor, em oposição a ser vivo ou orquídea) Brown chama de nível da ação distintiva. Na aquisição da linguagem infantil, segundo o autor, a categorização começa nesse nível. Posteriormente, adquirem-se as categorias superordenadas (o nível de planta e ser vivo) e, por último, as subordinadas (o nível de orquídea), através dos construtos da imaginação.22 Em suma, o primeiro nível caracteriza- se pelas seguintes propriedades: (i) é o nível das ações distintivas; (ii) é o nível que se aprende primeiro e em que as coisas são primeiramente nomeadas; (iii) é o nível no qual os nomes são mais curtos e mais frequentemente usados; e (iv) é um nível natural de categorização, diferente dos níveis que são construtos da imaginação.

Os estudos de Berlin (1968; 1976 apud LAKOFF, 1987), por outro lado, podem ser tratados como uma resposta à visão filosófica clássica de que as categorias da mente representam as categorias do mundo. Da perspectiva linguística, seria uma resposta à doutrina dos termos de tipo natural. Essa doutrina afirma que o mundo consiste, amplamente, de tipos naturais de coisas e que as línguas naturais contêm nomes (chamados termos de tipo natural) que os representam. Exemplos comuns de tipos naturais seriam vacas, cachorros, tigres, ouro, prata, água etc. A fim de testar empiricamente a hipótese da existência de tipos naturais, Berlin, Breedlove e Raven (1974, ibidem) investigaram os termos utilizados para plantas e para animais com falantes da língua indígena tzeltal, inseridos em sua comunidade, na região de Chiapas, no México. Os resultados revelaram que as categorias do nível de gênero (um nível intermediário) foram as preferidas para referir-se tanto a plantas quanto a animais (carvalho, bordo, coelho, guaxinim etc.), mesmo quando os falantes conheciam as respectivas formas mais específicas, referentes à espécie (LAKOFF, 1987).

Estudos posteriores, como os de Rosch (1975; 1978), demonstraram que os resultados não foram acidentais e que o nível intermediário, de fato, é psicologicamente básico, uma vez que, nesse nível: (i) as pessoas nomeiam as coisas mais prontamente; (ii) as línguas têm nomes mais simples para os elementos; (iii) as categorias têm maior significância cultural; (iv) os elementos são lembrados mais rapidamente; e (v) as coisas são percebidas de modo holístico, como um gestalt único. Além de motivações psicológicas, a preferência por uma taxonomia apoiada em um nível intermediário teria um porquê biológico. Nos casos de plantas e animais, ele diria respeito ao fato de que duas espécies muito próximas (o suficiente para que seja difícil para um humano apontar a diferença entre elas) podem ter um formato quase idêntico. O nível das espécies, nesse sentido, é bastante informativo, e nele os membros podem compartilhar muitos atributos. Isso faz com que o nível intermediário de gênero seja o preferido, por não ser nem pouco específico nem específico a ponto de que membros sejam muito parecidos entre si. Outra observação sobre o uso desse nível é que, em áreas geográficas restritas, como aquela na qual os falantes de tzeltal se circunscrevem, a designação pelo gênero tem uma base ambiental. Nas palavras de Lakoff (1987, p.36),

ao longo da evolução, as espécies que sobrevivem em uma região geográfica particular são aquelas que se adaptam com maior sucesso ao meio ambiente local. Assim, para cada gênero, é comum que exista apenas uma espécie representando o gênero localmente.

O nível intermediário de categorização, desse modo, depende de aspectos experienciais da psicologia humana: percepção holística, imagética mental, atividades motoras, funcionamento social e memória. Assumindo que os aspectos psicológicos e fisiológicos dos seres humanos no mundo variam muito pouco, qualquer variação decorreria, provavelmente, da cultura e do contexto. Mas de que tipo seria essa variação e o quanto ela se manifestaria? Berlin (comunicação pessoal apud LAKOFF, 1987) sugere que há dois níveis presentes na categorização de nível básico: um referente aos fatores psicológicos e fisiológicos e outro referente aos fatores culturais e aprendidos. Para esse autor, uma cultura pode pouco utilizar certas capacidades humanas que servem à categorização de nível intermediário, como a percepção holística. Em culturas urbanas, por exemplo, pode-se tratar árvore (a princípio, uma

categoria mais geral) como uma categoria intermédia. Por outro lado, também pode haver subgrupos de especialistas, em uma cultura, que, por meio de treinamento, disponham de uma capacidade perceptiva mais acurada para alguns domínios (por exemplo, para raças de cachorro ou tipos de carro). Berlin (op. cit.), pois, propõe dois tipos de variação ou de não universalidade: (i) uma decorrente da pouca utilização de capacidades humanas gerais, que possibilita tratar como intermédias categorias mais gerais (p. ex.: árvore); e (ii) outra atribuída ao treinamento especial, limitado a subgrupos de especialistas, que permite tratar categorias mais específicas (p. ex.: golden retriever, porsche) como intermédias.