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2.7 Categorização

2.7.2 Rosch

As investigações de Rosch (1975; 1978) podem ser divididas em dois tipos: as que apresentam resultados concernentes a efeitos prototípicos (uma extensão do estudo sobre as categorias de cores de Berlin e Kay) e as que trazem contribuições sobre os efeitos do nível básico (uma generalização das observações de Brown e dos resultados de Berlin). Além disso, na literatura, estudiosos como Kleiber (1990) e Lakoff (1987) dividem os trabalhos da autora em três fases, referentes às distintas visões sobre a estrutura cognitiva das categorias.

2.7.2.1 Efeitos prototípicos

Nas pesquisas relativas aos efeitos prototípicos, enfoca-se o status dos membros de diferentes categorias. Em um dos primeiros estudos, abarcam-se os termos usados para cores na língua dani, da Nova Guiné. Constatou-se que, nela, existem apenas duas categorias linguísticas para cores: uma que abrange as cores quentes; e outra, as cores frias. Após uma série de experimentos, a pesquisadora concluiu que as categorias de cores primárias eram reais aos falantes, apesar de não ter correspondentes linguísticos. Refutou, assim, a hipótese whorfiana de que a língua determina o sistema conceitual. Se Whorf estivesse certo, as duas palavras para cores em dani determinariam apenas duas categorias conceituais de cores (LAKOFF, 1987). Para Rosch (1973), as

cores focais corresponderiam a pontos de referência cognitivos e protótipos – subcategorias ou membros categoriais que têm um status cognitivo especial. A partir dessa primeira noção sobre prototipicidade, o interesse estendeu-se a objetos físicos, como cadeiras. Testes com informantes mostraram que alguns membros categoriais seriam mais representativos da categoria que outros. Por exemplo, falantes julgaram que cadeiras de escritório representam melhor a categoria cadeira que cadeiras de balanço, cadeiras de barbeiro ou cadeiras elétricas. Em um dos estudos mais detalhados sobre o assunto (ROSCH, 1975), mensurou-se a prototipicidade de diversos exemplares dentro das categorias mobília, fruta, veículo, arma, verdura, ferramenta, ave, esporte, brinquedo e roupa. Os paradigmas experimentais investigados foram pontuação direta, tempo de reação, produção de exemplos, assimetria em pontuações de similaridade, assimetria na generalização, semelhanças de família.

Tanto Kleiber (1990) quanto Lakoff (1987) apontam, não obstante, que muitos pesquisadores interpretaram equivocadamente os estudos de Rosch. Isso ocorreu porque, embora tenha sinalizado uma série de inadequações da teoria clássica de categorização, a autora não forneceu nenhuma teoria alternativa específica sobre como as representações mentais ocorrem. Os efeitos prototípicos, nesse sentido, não refletem diretamente a maneira como as categorias concebem-se na cognição. A autora explicita tal perspectiva nos trabalhos da chamada terceira fase, porém há estudiosos que recorrem apenas aos textos das primeiras duas fases. As três etapas podem ser assim resumidas:

(i) 1ª fase (do fim dos anos de 1960 ao início dos anos de 1970): Os estudos centravam-se nas categorias de cores e de formatos e na representação cognitiva das emoções. Os protótipos seriam uma questão de (a) saliência perceptual, (b) memorização, (c) generalização via estímulo.

(ii) 2ª fase (do início à metade dos anos de 1970): Sob influência da psicologia de processamento de informações, Rosch considerou a

possibilidade de que os efeitos prototípicos retratassem a estruturação interna das categorias. Portanto, as pontuações dos testes de melhores exemplares poderiam refletir essa estrutura na representação mental. Entretanto, dois questionamentos pertinentes surgiram: os efeitos prototípicos caracterizariam a estrutura da categoria do modo como ela é representada na cognição? Os protótipos constituem representações mentais de fato?

(iii) 3ª fase (fim dos anos de 1970): Rosch desistiu das interpretações sobre a estrutura interna categorial baseadas em resultados experimentais. Para a autora, os efeitos prototípicos não representariam diretamente como as categorias estruturam-se e os protótipos não constituiriam representações categoriais.

Em consonância com o raciocínio da terceira fase, Lakoff (1987) defende que os efeitos prototípicos são resultantes da natureza dos modelos cognitivos. Alguns trabalhos que corroboram essa hipótese são os de Barsalou (1983; 1984), autor que investigou as categorias ad hoc – as quais não são convencionalmente fixadas, mas sim inventadas a partir de um propósito imediato. Elas devem ser construídas com base nos modelos cognitivos de um determinado tema. Por exemplo, pode-se pensar em coisas que alguém deve tirar de casa quando ela pega fogo, o que comprar de presente de aniversário, o que fazer para entreter-se no fim de semana etc. Barsalou observou que essas categorias têm uma estrutura de protótipo que não existe a priori, pois são categorias não convencionais e sem estrutura definida. A natureza categorial determinar-se-ia pelos objetivos de cada indivíduo, os quais se baseariam nos modelos cognitivos das pessoas.

2.7.2.2 Nível básico

O conceito de nível básico é chave para o entendimento da proposta de Rosch. Ele é também referido na literatura como nível de entrada (na cognição) ou nível intermediário (ROGERS; McCLELLAND, 2004). Para melhor compreendê-lo, pense-se nas palavras carro, moto e ônibus, todas

consideradas categorias básicas. Além de ser possível referir-se a objetos nesse nível de especificidade, pode-se fazê-lo também de modo mais geral ou mais específico. Esses três elementos, recorrendo a uma noção mais abrangente, pertenceriam à categoria veículo, de nível superordenado. Por outro lado, também há como informar mais acuradamente os tipos de carro, moto e ônibus em questão, por meio dos rótulos Ford Fiesta 2015, Harley- Davidson Street 500 e Marcopolo Paradiso 1200, de nível subordinado. O nível básico, portanto, refere-se à categorização em um nível de especificidade nem amplo, nem delimitado por completo.

Segundo Rosch et al. (1976) e Lakoff (1987), o nível básico tem as seguintes características: (i) é o nível mais elevado em que os membros categoriais têm formato percebido similar; (ii) é o nível mais elevado em que uma única imagem mental pode representar a categoria inteira; (iii) é o nível mais elevado em que os indivíduos usam movimentos similares na interação com os membros categoriais; (iv) é o nível em que sujeitos identificam mais rapidamente os objetos; (v) é o primeiro nível de entrada para o léxico de uma língua; (vi) é o nível que tem lexemas primários mais curtos; (vii) é o nível em que os termos são usados em contextos neutros; (viii) é o primeiro nível entendido e adquirido pelas crianças; (ix) é o nível em que a maior parte do conhecimento humano é organizado.

Rogers e McClelland (2004), por sua vez, apontam que o nível básico destaca-se em relação aos níveis superordenado e subordinado, na medida em que, nele, maximizam-se tanto a distintividade quanto a informatividade entre exemplares. Ao recorrer a categorias superordenadas, não se tem muitas informações disponíveis, uma vez que os elementos, nesse nível, compartilham poucos atributos entre si. Pensando na categoria animal, por exemplo, é difícil encontrar propriedades comuns a todos os membros categoriais: uns são bípedes, outros quadrúpedes; uns alimentam-se de plantas, outros de carne, uns são aquáticos, outros terrestres. Dessa maneira, afirma-se que o nível superordenado é pouco informativo. Por outro lado, ao lançar-se mão de categorias subordinadas, a distinção entre exemplares é escassa. Tomando-se de exemplo um pastor alemão, um labrador e um boxer, são numerosas as

semelhanças comuns às três raças. Os atributos percebidos como distintivos entre membros categoriais, nesse nível, são poucos, sobressaindo, de fato, as similaridades. Assim, é no nível básico que se potencializam a distinção e a informação dos exemplares. De acordo com Rogers e McClelland (2004, p.17), “objetos da mesma categoria básica tendem a compartilhar várias propriedades entre si, e poucas com exemplares de categorias contrastantes, e, por isso, categorias básicas são consideradas particularmente úteis […]”.23 Nesse sentido, o nível de cachorro supõe uma vantagem cognitiva ausente, seja pelo lado da informatividade, seja pelo da distintividade, no nível mais geral e no mais específico.

Uma vez apresentados os autores e os conceitos-chave que modelam este estudo, parte-se, em seguida, para a metodologia adotada a fim de alcançar os objetivos estabelecidos. Nela, percebe-se a influência dos procedimentos levados a cabo, principalmente, por Slobin (1996; 2003; 2004; 2005) e por Rosch (1975) nas suas respectivas investigações. Com isso, pretende-se abordar a tradução interlinguística desde uma perspectiva cognitivista, a qual pode colaborar efetivamente para interpretar os dados de língua obtidos, conforme afirma Snell-Hornby (1999).