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3.4 Procedimentos de análise

3.4.2 Modelos de tabelas – Slobin

O estudo de Slobin (2005), por outro lado, fornece um padrão de tabelas para organizar dados referentes a informações explícitas e implícitas na língua- fonte e na língua-alvo. Embora na pesquisa do autor se foquem constituintes de narrativas em várias línguas, as contribuições são importantes. Nesse trabalho, examinam-se traduções para dez línguas de uma obra escrita em língua inglesa (O hobbit), atentando para as categorias conceituais presentes em relatos narrativos que contêm cenas de movimento (p. ex.: Ele saiu da sala). A grande contribuição do autor foi verificar que, para traduzir sentenças compostas por verbos de modo e por partículas direcionais em inglês, as línguas do corpus diferiam.

No enunciado Dori climbed out of the tree, por exemplo, há um verbo principal que expressa o modo (climb), uma partícula que informa a direção (out) e um sintagma preposicional que revela a fonte (of the tree). Esse tipo de combinação recorre bastante em inglês não apenas em O hobbit, mas também em dados de língua falada, como comprova Slobin (1996). Em quatro das dez línguas investigadas (holandês, alemão, russo e servo-croata), os componentes gramaticais relativos ao movimento equivaliam aos do original, em estrutura análoga: verbo de modo + morfema direcional. Entretanto, nas outras seis (francês, italiano, português, espanhol, hebraico e turco), constatou- se outro padrão, ao qual os tradutores aderiram quase categoricamente. Nessa última série de línguas, requer-se um verbo principal que expresse direção (descer), o que deixa a inferir-se a informação sobre o modo, dada em inglês por climb. Assim, opta-se por traduções como Dori desceu da árvore, que, ao contrário do original, tampouco explicitam se a descida foi total. “Alguns dos tradutores [...] adicionam alguma expressão adverbial de totalidade, enquanto outros deixam esse aspecto à inferência [...]” (SLOBIN, 2005, p.119). As línguas, no que respeita à expressão do movimento, dividem-se, pois, em dois grupos: o das línguas-satélite e o das línguas-verbo.

Sinaliza-se, ainda, que essa discrepância provoca outras, também no nível oracional, como a frequência de uso de orações relativas. É o caso da sentença em inglês The boy put the frog down into a jar, que se poderia traduzir ao espanhol como El niño metió la rana en el frasco que había abajo. Enquanto no inglês a trajetória do movimento é expressa pela composição put down into, no espanhol, a alternativa é outra: a inserção da oração relativa que había abajo. Nessa tradução, trazem-se mais detalhes sobre a cena narrada, os quais permitem inferir adequadamente a trajetória em questão (meter). Ocorre, portanto, uma inversão no que respeita aos ditos e aos não ditos: ao passo que no inglês se explicita a trajetória e se infere a localização do objeto, no espanhol se tem o contrário. Para Slobin (1996), o exemplo está de acordo com as preferências que cada língua demonstra para exprimir cenas de movimento, e muitos outros podem apontar-se. Apresenta-se, em seguida, o modelo de tabela adaptado de Slobin (2005) que serve como base nesta pesquisa para apontar as diferenças entre as informações contidas nos

originais e nas traduções. A distinção mais importante entre esse modelo e o que, de fato, usou-se na seção que respeita aos resultados é ter separado a língua-fonte da língua-alvo. Por lidar com várias sequências em duas línguas, não se colocaram nas mesmas tabelas os dados das versões originais e das traduzidas. De um lado, portanto, apresentam-se e discutem-se os fragmentos em língua espanhola; de outro, aqueles em língua portuguesa. Os exemplos de enunciado segmentados nos modelos que seguem são X tiene puesto el gorro/ X está com o boné na cabeça (particípio nominal) e X se había puesto el gorro/ X havia posto o boné na cabeça (particípio verbal):

Tabela 8 – Modelo de tabela para elementos linguísticos presentes em versões originais e traduzidas (particípios nominais)

LÍNGUA Processo auxiliar Processo principal Objeto Locativo

ESP Ter Pôr (particípio) Boné –

PT – Estar com Boné Na cabeça

Tabela 9 – Modelo de tabela para elementos linguísticos presentes em versões originais e traduzidas (particípios verbais)

LÍNGUA Processo auxiliar Processo principal Objeto Locativo

ESP Haver Pôr (particípio) Boné –

PT Haver Pôr (particípio) Boné Na cabeça

É necessário separar os particípios nominais dos verbais devido aos dispositivos gramaticais de ambas as línguas. Enquanto no espanhol o verbo pôr recorre nos particípios nominal e verbal, no PB, somente se tem o verbal. Isso faz com que as estratégias tradutórias sejam particulares para cada caso, dado que a gramática do PB, logicamente, permite traduções mais próximas da língua-fonte para particípios verbais. Por sua vez, construções com particípios nominais de pôr no espanhol, sem correlatos diretos no PB, requerem alternativas não sempre semelhantes às encontradas na língua-fonte. Notam- se algumas diferenças no exemplo exposto na tabela 2, em que a sequência tiene el gorro puesto traduz-se como está com o boné na cabeça. Apesar de

manter-se o objeto (boné) no mesmo nível de categorização no PB, surge a composição estar com em lugar de tener puesto e acrescenta-se o locativo na cabeça, ausente na versão original. Assim, de quatro elementos oracionais, alteram-se três: o processo auxiliar, o processo principal e o locativo. O fato curioso é que, mesmo em traduções de particípio verbal, é possível ocorrer a inserção de elementos linguísticos latentes na língua-fonte (tab.9). Se os entraves tradutórios se limitassem a particípios nominais, o caso apontado na tabela 3 não faria sentido ou seria uma tradução inadequada. Porém, essa é uma das tantas estratégias que podem aparecer nas versões traduzidas para o PB sem causar estranhamento nenhum ao leitor. Por isso, faz-se plausível estudar essas construções com ênfase no papel da categorização de objetos e nas mudanças em relação às informações explícitas e subjacentes entre língua-fonte e língua-alvo.

Neste estudo, pois, busca-se traçar paralelos entre as línguas do corpus: o PB e o espanhol. Parte-se, para tanto, de uma estrutura da língua espanhola em direção às alternativas propostas por tradutores no PB. Haja vista que existe mais de uma possibilidade de tradução ao PB das sequências compostas por verbo auxiliar + poner (particípio) + objeto da categoria roupa, objetiva-se investigar o que condiciona a ocorrência de cada estratégia. Uma das hipóteses deste trabalho é que a prototipicidade dos elementos da categoria roupa nas duas línguas exerceria certa influência. Os efeitos prototípicos, nesse sentido, apareceriam em formato informacional na língua- alvo. Ao traduzir sequências sem equivalentes diretos, por exemplo, pode haver maior necessidade de introduzir novas informações, circundantes a objetos pouco representativos de uma determinada categoria. A consequência imediata disso seria a explicitação de aspectos latentes da língua-fonte, como discutido por Badaracco e Brum-de-Paula (2015).

4 Resultados e discussão

Nesta seção, apresentam-se e discutem-se os resultados que se encontraram ao longo das 14 obras escolhidas para compor o corpus deste estudo. Ao todo, ocorreram 79 sequências cuja base é composta por verbo auxiliar + pôr (particípio) + objeto da categoria roupa na língua-fonte (espanhol) e, por conseguinte, 79 traduções na língua-alvo (português brasileiro) seriam esperadas, compondo 158 dados para análise. Uma ocorrência de Havana para um infante defunto, no entanto, não foi traduzida, já que a tradução do PB assemelha-se à de língua inglesa. Nessa versão, alguns trechos da obra foram omitidos ou adaptados pelo próprio autor. Sendo assim, o número de traduções é 78, o que totaliza 157 dados entre versões originais e traduzidas.27 A exposição desses resultados divide-se em duas principais etapas: na primeira, atenta-se para as categorias gramaticais presentes e ausentes nas línguas fonte e alvo, considerando diferenças entre particípios nominais e verbais; na segunda, focalizam-se as estratégias tradutórias em função do tipo de objeto de roupa nas sequências de interesse. Assim, na primeira parte, destacam-se aspectos de caráter estrutural: aqueles que dizem respeito, sobretudo, a informações adicionadas ou suprimidas na língua-alvo em comparação com a língua-fonte. Na segunda, por sua vez, ressaltam-se aspectos de caráter cognitivo e suas implicações na tradução, buscando responder à seguinte pergunta: os distintos status (mais ou menos prototípicos) dos objetos da categoria roupa influenciariam nas escolhas da tradução? Nesse bloco, ainda, revelam-se os resultados do teste sobre prototipicidade, realizado com 17 sujeitos adultos durante dois cursos introdutórios à categorização ocorridos em eventos do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas.