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2.7 Categorização

2.7.1 Women, fire and dangerous things

2.7.1.2 Wittgenstein, Austin, Berlin e Kay: ideias iniciais sobre protótipos

A primeira maior ruptura em relação à teoria clássica de categorização surgiu a partir dos estudos de Wittgenstein. A categoria clássica tem fronteiras precisas, definidas por propriedades comuns. Porém, o autor discute o exemplo de jogo, uma categoria que não se encaixa no molde clássico, visto que não existem propriedades comuns compartilhadas por todos os jogos. Alguns envolvem apenas a diversão, como o sobe-e-desce. Nesse caso, não há competição (nem vencedor, nem perdedor), mas, em outros, sim. Alguns jogos envolvem a sorte, como os de tabuleiro, em que o lançamento do dado determina cada movimento. Outros, como o xadrez, envolvem habilidade. Há ainda aqueles que envolvem sorte e habilidade, como o pôquer.

Embora não haja um conjunto de propriedades compartilhadas pelos jogos, a categoria é unida por aquilo que Wittgenstein chama de semelhanças de família. Membros de uma família são parecidos entre si de várias formas: eles podem compartilhar a mesma estrutura ou as mesmas características faciais, a mesma cor de cabelo ou de olhos, o mesmo temperamento etc. Entretanto, não existe um conjunto de traços que deva obrigatoriamente ser partilhado por todos os membros de uma família. Os jogos, nesse sentido, são como famílias. Xadrez e damas envolvem competição, habilidade e uso de estratégias de longo prazo. Xadrez e pôquer envolvem competição. Pôquer e truco são jogos de carta. Em suma, jogos, assim como membros de família, são similares entre si de formas bastante diversas. São essas semelhanças, e não um único conjunto bem definido de propriedades comuns, as que fazem de jogo uma categoria.

Outras características dos jogos contrariam não apenas a ideia de que há traços comuns entre os membros, mas também a de que as categorias são contêineres localizados fora da linguagem, dados no mundo. Se esta hipótese for aceita, como explicar que seja possível acrescentarem-se elementos às categorias? Ao pensar-se em jogos, por exemplo, a criação de novos membros categoriais (tipos de jogos) é sempre permitida. A partir dos anos de 1970, a criação de um novo conceito de jogo revolucionou a compreensão dessa categoria: os videogames. Surgiram lugares onde era possível jogar arcades (grandes máquinas de videogame) com amigos, comprando fichas. Posteriormente, lançaram-se os videogames domésticos, para ser jogados na frente da televisão, como são os hoje populares Playstation e X-Box, das companhias de eletrônicos Sony e Microsoft, respectivamente. Antes disso, nos anos de 1950, Wittgenstein já afirmara que categorias em geral seriam extensíveis, e não fechadas. Ademais, o autor também atentara para a peculiaridade de que o status dos membros de uma categoria não é nunca o mesmo no momento de defini-la. Por isso, se alguém pedir a uma babá que ensine um jogo qualquer a uma criança, roleta russa não seria o mais indicado.

Austin (1961 apud LAKOFF, 1987), por outro lado, apresentou algumas primeiras reflexões a respeito daquilo que se tornaria a noção de protótipo. Ao investigar os sentidos distintos que uma mesma palavra pode adquirir, o autor propõe que existiria um sentido nuclear, ou seja, um sentido mais comum em relação a outros. Entre corpo saudável, fisionomia saudável e exercício saudável, o adjetivo seria nuclear no primeiro caso, uma vez que o significado de corpo saudável estaria contido nas outras duas expressões via metonímia ou metáfora. Assim, fisionomia saudável (produto de um corpo saudável) e exercício saudável (meio para um corpo saudável) associar-se-iam a corpo saudável. Austin aponta, ainda, que existe o fenômeno de encadeamento de significados de uma categoria. Isso significa que um sentido nuclear é capaz de originar outros, parecidos não necessariamente em todos os aspectos com a matriz. Um exemplo disso, no PB, seria democrático em um enunciado como Aquela loja de roupas é bem democrática, pois abrange todos os estilos. O significado da palavra que interessa nesse caso é bastante restrito (o “de/para

todos”), pois não há nenhum governo envolvido na sentença, que seria um aspecto-chave do sentido dito nuclear.

Outra contribuição de Austin foi esboçar um modelo de frame bastante parecido com o que Fillmore (1982 apud LAKOFF, 1987) desenvolveria anos depois. Como exemplo, o autor discute as combinações taco de cricket, bola de cricket e juiz de cricket. Nesses três termos, cricket não significaria “usado no cricket”, haja vista que se deve entender o papel de cada elemento dentro do jogo para explicá-los. Assim, não existiria nenhuma propriedade comum compartilhada entre tacos, bolas e árbitro. Os nomes modificados por cricket integrariam uma categoria, a qual não se pode descrever pelos traços inerentes entre seus membros. O que, de fato, ocorreria seria lançar-se mão de um modelo cognitivo relativo ao jogo em si na compreensão dessas expressões. Em suma, Austin, assim como Wittgenstein, dedicou-se, primariamente, a sinalizar as inadequações das visões filosóficas tradicionais sobre a linguagem e sobre a mente, as quais ainda se defendem nas ciências cognitivas. Um dos benefícios que ele propiciou à teoria do protótipo foi notar, nas palavras, o tipo de estrutura que Wittgenstein notou nas categorias conceituais: uma corroboração de que a linguagem é, afinal, um aspecto da cognição.

Ainda referenciando textos importantes para o desenvolvimento de pesquisas desligadas do modelo tradicional de categorização, Berlin e Kay (1969 apud LAKOFF, 1987) são autores de um estudo clássico para a Linguística Cognitiva. Nele, o foco foi investigar as categorias de cores existentes em uma série de línguas. Esses autores opuseram-se à então concepção consagrada de que as diversas línguas dividiriam o espectro cromático de modo arbitrário. A primeira regularidade que encontraram foi nos chamados termos básicos para cores. Para que uma cor seja básica, é preciso que: (i) tenha apenas um morfema, como em verde, e não mais de um, como em verde-escuro ou cor-de-grama; (ii) não pertença a outra cor, como escarlate, um tipo de vermelho; (iii) não se restrinja a um número escasso de objetos (loiro, por exemplo, limita-se a cabelo e talvez outras poucas coisas); (iv) seja comumente conhecida, como amarelo em relação a açafrão. Berlin e Kay descobriram regularidades graças à descoberta das cores focais. Embora

as línguas divirjam entre si nos termos para cores, elas convergem acerca dos melhores exemplares. Por exemplo, em línguas que têm um termo básico para designar cores na escala do azul, o melhor exemplar é o mesmo azul focal para todos os falantes, independentemente da língua. Tais achados proporcionaram a abertura para que emergisse, posteriormente, o conceito de prototipicidade. A questão que seria lançada no futuro é se esses efeitos relacionados aos melhores e piores exemplares categoriais limitar-se-iam a categorias com evidente base fisiológica, como a de cores, ou estender-se-iam a outras.