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2.7 Categorização

2.7.1 Women, fire and dangerous things

2.7.1.1 Por que a categorização importa?

Sabe-se que existe uma noção do senso comum sobre o que significa elementos pertencerem à mesma categoria. A ideia geral é a de que coisas são categorizadas juntas com base naquilo que elas têm em comum. Contudo, esse é apenas um dos muitos mecanismos que envolvem a categorização. Na língua australiana aborígene dyirbal, por exemplo, há uma categoria (balan) que engloba os conceitos de mulher, fogo, coisas perigosas, aves não perigosas e animais excepcionais. Esses elementos estariam em uma única classe não pelas propriedades que compartilham entre si, mas por outros critérios mais complexos, os quais envolvem uma série de capacidades humanas (LAKOFF, 1987).

A categorização é central para o processamento das informações a que os seres humanos são constantemente expostos. A todo instante em que se vê algo ou em que se raciocina sobre algo, categoriza-se. No que tange à linguagem, ao produzir ou ao ouvir qualquer sentença de extensão significativa, recorre-se a dezenas ou centenas de categorias: categorias de sons da fala, de palavras, de frases e orações, de conceitos. Sem tal habilidade, o ser humano não poderia funcionar, no mundo físico ou na vida social e intelectual. Entender como se categoriza, pois, é central para compreender como o ser humano pensa e funciona (ibidem).

Para Lakoff (1987), o processo de categorização, por ser automático e inconsciente, só é notado pelos falantes em casos problemáticos. Em vários casos, as categorias correspondem às coisas do mundo, o que faz com que elas sejam concebidas como naturais. Porém, há numerosos outros exemplos de categorias de natureza heterogênea, como eventos, ações, emoções, relações espaciais, vínculos sociais, ou de abstrações, como governos ou enfermidades.

Durante um longo período, acreditou-se que as categorias fossem contêineres abstratos, nos quais as coisas se inseriam ou não com base nas propriedades compartilhadas entre elas. Essa teoria clássica, no entanto, perpetuou-se sem embasamento nenhum, uma vez que não se elaborou a partir de nenhum estudo empírico, nem foi um tópico de discussão científica. Segundo Lakoff (1987), ela estabeleceu-se a partir de meras especulações e passou a tomar-se como verdadeira na maioria das disciplinas escolares. Até pouco tempo (primeira metade do século XX), sequer se admitia que a teoria clássica de categorias fosse uma teoria de fato. O seu status era, desse modo, o de verdade inquestionável e absoluta. Não obstante, em pouco tempo, o panorama sofreu mudanças devido aos avanços das diversas disciplinas cognitivas, como a linguística e a psicologia. As contribuições de Eleanor Rosch, por exemplo, foram significativas. Em seus trabalhos, a autora enfocou duas implicações da teoria clássica: (i) se as categorias definem-se somente pelas propriedades compartilhadas entre todos seus membros, nenhum membro, então, deve ser melhor exemplar de categoria que outro; (ii) se as categorias definem-se somente pelas propriedades inerentes aos membros, elas devem ser independentes dos seres que categorizam; ou seja, elas não devem envolver questões neurofisiológicas humanas. Com base em numerosos dados de investigações, Rosch (1973; 1975; 1978), Rosch e Mervis (1975), Rosch et al. (1976) e outros teóricos propuseram que as categorias têm melhores exemplares (chamados de protótipos) e que várias capacidades humanas – como a percepção, a aprendizagem, a memorização ou a comunicação – influenciam a categorização.

A proposta de Rosch vai de encontro à metáfora contemporânea da mente como computador. Nela, a mente manipularia símbolos abstratos da mesma forma que um computador o faz. De modo implícito, essa concepção de raciocínio carregaria consigo a teoria clássica de categorização. Isso ocorreria por vários motivos. No objetivismo, por exemplo, se os símbolos em geral só adquirem significado por meio da sua correspondência com coisas, os símbolos categoriais adquiririam significado somente por meio de sua correspondência com categorias do mundo. Assim, as categorias seriam vistas como existentes no mundo e como independentes dos seres humanos. A

abordagem da teoria do protótipo a que Lakoff (1987) adere postula, ao contrário, que a categorização humana é uma questão de experiência e imaginação humanas: de percepção, de atividade motora e de cultura, por um lado; de metáfora, de metonímia e de imagética mental, por outro. Ao seguir essa perspectiva, as hipóteses da teoria clássica que se abandonam são as seguintes (LAKOFF, 1987, p.09):

(i) O significado é baseado na verdade e na referência; ele envolve a relação entre símbolos e coisas no mundo.

(ii) A mente é separada e independente do corpo.

(iii) A emoção não tem conteúdo conceitual.

(iv) Existe uma visão correta, de Deus, sobre o mundo: uma única forma adequada de entender o que é verdadeiro e o que não é.

(v) Todas as pessoas usam o mesmo sistema conceitual.

As ideias contra as quais se argumenta são relacionadas à própria definição comum de ciência (ibidem). Há uma visão que limita a ciência ao modelo matemático da lógica de primeira ordem; nesse raciocínio, as explicações empíricas deveriam dar-se sempre por meio de deduções baseadas em hipóteses. Essa metodologia não somente reivindicaria ser bastante rigorosa, mas também defenderia não haver nenhuma outra abordagem suficientemente precisa para ser chamada de científica. Apesar de prevalecer em certas comunidades de linguistas e psicólogos, esse método assume a priori a teoria clássica de categorização, o que impede um questionamento empírico sobre o tema.

A meta central das ciências cognitivas é descobrir o que caracteriza o raciocínio e, por conseguinte, o que caracteriza as categorias. Em virtude disso, é importante que não se tome como verdadeira a visão de ciência baseada na lógica, uma vez que pressupõe respostas para questões passíveis

de investigação (ibidem). Nota-se, por fim, que o modelo de categorização associado a Rosch, o qual se apoia em resultados de pesquisas empíricas, não surgiu de uma só vez. Até chegar-se à noção moderna de categorização que circula nas ciências cognitivas, houve uma série de estágios intermediários de desenvolvimento: da filosofia de Wittgenstein à investigação psicológica de Rosch.