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3 DESAFIOS E POTENCIALIDADES DA PRODUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA SITUAÇÃO DE ESTUDO “SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL”

4) A busca de articulação dos conteúdos: É interessante pedir para eles anotarem

agora por que depois quando retomamos, vamos ver se mudou a ideia, se continua a mesma... (Beatriz)

Aham, o que acrescentou... um outro questionamento levantado a partir dessas questões de escola sustentável... É possível sermos agente de transformação com ações positivas na escola em casa, no bairro e na cidade? Eu disse para as gurias, não sei se foi de um panfleto que eu encontrei lá em casa... que primeiro tem que adotar a atitude de perciclar. (Bárbara)

PERCICLAR? (Bibiana)

Que é pensar antes de descartar, e de comprar. E então a Beatriz está trabalhando com a parte da sustentabilidade pensando na perspectiva econômica. (Bárbara) Aham... Consumismo! (Beatriz)

Pois é, aí dá para encaixar essa parte. (Bárbara).10

Nesse fragmento dialógico evidenciei pontos que dão ênfase à preocupação docente em identificar a evolução conceitual dos estudantes sobre sustentabilidade. As interações que conferem aspectos que estão sendo discutidos em cada disciplina com a proposta que as colegas estão desenvolvendo, ou seja, destaquei também o movimento docente em relação ao trabalho interdisciplinar. Beatriz sugere que na etapa da problematização os alunos anotem a sua percepção sobre a temática, e que no final do trimestre, após terem sido desenvolvidas as atividades propostas, essas questões sejam retomadas para que os alunos consigam perceber o quanto os processos de ensino e de aprendizagem propiciaram que eles evoluíssem o seu olhar sobre a temática sustentabilidade ambiental.

Destaco outro elemento importante desse processo, as professoras estão atentas para a importância de um espaço reflexivo em interação com os estudantes. Reigota (2009) argumenta que:

o componente “reflexivo” da e na educação ambiental é tão importante quanto os elementos “participativos” (estimular a participação comunitária e/ou coletiva para a busca de solução e alternativas aos problemas cotidianos) ou “comportamentais” (mudança de comportamentos individuais e coletivos viciados e nocivos ao bem comum) (p. 13-14).

Beatriz propôs uma forma de ensino que permite ao aluno refletir sobre o seu processo de construção do conhecimento. Gonçalves e Gonçalves (1988) referem que propiciar aos estudantes a busca por comparar, analisar, refletir são características essenciais da eficiência profissional do professor. Para mim foi importante analisar o envolvimento dos professores que estavam buscando alternativas para melhorar o processo de ensino, como desenvolver seu conteúdo envolvendo os estudantes no processo de aprendizagem.

Tardif (2002, p. 39) denomina esse processo como saber prático, e explica, “o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos”. Essas características podem ser evidenciadas em vários momentos do envolvimento de Beatriz e o seu comprometimento com o ensino. A sua experiência prática e a interação com outras colegas têm possibilitado que ela se constitua uma professora reflexiva (SCHÖN, 2000).

10 Fragmento de diálogo decorrente de reunião de planejamento da área de ciências da Natureza e suas

O espaço dialógico coletivo para planejar a aula, característica da proposta de reorganização curricular (SE), possibilita a formação docente contínua, conforme concepção de Pimenta (2005, p. 11-12),

um processo formativo mobilizaria os saberes da teoria da educação necessários à compreensão da prática docente, capazes de desenvolverem as competências e habilidades para que os professores investiguem a própria atividade docente e, a partir dela, constituam os seus saberes-fazeres docentes, num processo contínuo de construção de novos saberes. [...] Ainda, do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias. Se constrói, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano, a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor.

O saber experiencial é mobilizado na interação entre docentes da EB, professores formadores da Universidade e professores em formação continuada. São essas diferenças de perspectivas e atualizações teórico-práticas que promovem inquietações e, como consequência, a busca de alternativas para que a prática docente se torne estimulante. “As interações de ordem não cognitivas também auxiliam no processo de ensino e de aprendizagem, podendo ser afetivas, motivadoras ou ainda desenvolvidas por meio de diálogos entre os sujeitos envolvidos” (KOLLAS et al., 2013, p. 646).

Outro aspecto que destaco a partir da interação dialógica é o cuidado e a atenção que as professoras estão tendo ao articular a sua discussão com o que o colega está trabalhando. Bárbara traz os possíveis questionamentos que pretende desenvolver em suas aulas. Fica visível a sua preocupação na busca de articular os conteúdos disciplinares com o contexto interdisciplinar. E neste ponto destaco o quanto trabalhar os conteúdos a partir da realidade local faz os docentes refletirem sobre as diversas possibilidades de desenvolvimento do trabalho.

Bárbara utilizou, dentro da perspectiva ambiental que está trabalhando, o termo perciclar, pois compreende que a partir desse termo os alunos consigam articular a perspectiva ambiental e a econômica. Foi possível evidenciar, ao acompanhar as reuniões, que o processo de trabalho na perspectiva da SE propicia um fazer pedagógico articulado.

Percebi durante a produção dos dados que as docentes que estão há mais tempo na escola são as que conseguem trabalhar melhor a proposta interdisciplinar, introduzindo os conteúdos escolares necessários para a compreensão em nível mais complexo da temática que estão estudando. Isso ocorre, na minha percepção, porque estão fazendo o exercício reflexivo há tempo, e à medida que dialogam e percebem o envolvimento dos estudantes vão aos poucos rompendo o paradigma de uma formação tradicional e fragmentada.

O início da experiência docente, muitas vezes, é marcado por uma cobrança pessoal do professor em “dar o conteúdo” de maneira clara e objetiva para que o estudante aprenda. Ao perceber os vários obstáculos do fazer docente, a motivação profissional vai dando espaço à angústia e até mesmo a frustrações. Anjos (2010) publicou um artigo resultante da sua pesquisa de mestrado na qual explica o motivo que fez com que ela optasse pelo tema de sua dissertação: o início da sua carreira docente.

Diante das imensas dificuldades vivenciadas nesta experiência inicial, e da sensação de incompetência, conversei com várias professoras que ministram aulas há alguns anos, e ouvi de todas que este início é assim mesmo, que é difícil, que é só com o tempo que se aprende. Entretanto, estas respostas intrigaram-me, pois parecem ultrapassar uma noção de simples senso comum. Vozes como “é assim mesmo”, “é difícil para todo mundo”, tão recorrentes, não convence de que deva ser necessária ou naturalmente assim (ANJOS 2010, p. 130).

Da mesma maneira que Anjos (2010) não se conformou com as respostas apresentadas, é possível perceber nas docentes da escola que atuam há menos tempo na profissão; elas não estão conformadas com as respostas teóricas que encontram para as suas dificuldades práticas. A partir da interação e de suas vivências no universo escolar, buscam superar obstáculos. Mesmo com certa resistência em trabalhar certos conteúdos antes de outros, evidencio que o tempo todo essa não-aceitação ocorre na tentativa de melhor “ensinar” os estudantes.

Fiorentini et al. (1998, p. 309) produziram seus estudos “concebendo o professor como profissional reflexivo e investigador de sua prática”. Assim, buscaram discutir os tipos de saberes fundamentais para desenvolver a prática docente. Os autores explicam que “o papel atribuído ao professor do ensino fundamental e médio, nos processos de inovação curricular, tem oscilado, historicamente, entre dois extremos: num, o professor vê-se reduzido à condição de técnico [...] noutro, professor que luta pela autonomia” (p. 310).

O problema mencionado pelos autores são os extremos, pois propostas de inovações curriculares que propiciem ao professor ser ativo e reflexivo atendendo aos desafios socioculturais do seu tempo são de fato libertadoras, e conforme palavras de Freire e Nogueira (2001, p. 27) com esse movimento, “nossa sensibilidade e nossa competência estão sendo requisitadas para que isso ocorra. Gosto de denominar a isso a paixão de conhecer”.

Ao refletir sobre esses aspectos, o primeiro pensamento que tive foi questionar-me: por que as propostas de inovação curricular como a SE que propiciam essa autonomia para os professores ainda são difíceis de serem incorporadas na prática docente? A resposta ao meu questionamento encontrei em Fiorentini et al. (1998, p. 310), quando os autores explicam que,

qualquer que seja a situação entre extremos, parece sempre existir uma tensão conflituosa entre saberes provenientes da academia ou dos especialistas e aquelas praticadas/produzidas pelos professores no exercício da profissão. Os saberes dos especialistas, por serem, na sua maioria, baseados em pesquisas empíricos-analíticas ou reflexões teóricas, aparecem geralmente organizadas em categorias gerias e abstratas que idealizam, fragmentam e simplificam a prática concreta e complexa da sala de aula.

Esta pode ser uma visão simplista do fazer pesquisa, mas ela propiciou compreender o quanto a articulação Universidade-Escola é importante no sentido complementar, ou seja, eu estava desenvolvendo a pesquisa no sentido de ampliar a minha visão pedagógica e buscar melhorar aspectos práticos da minha formação teórica. Ao mesmo tempo, as professoras da EB com vasta experiência prática nem sempre buscam aprofundamento das concepções pedagógicas pelas dimensões teóricas, por isso a nossa articulação ocorreu em um sentido construtivo e constitutivo, sem prescrições, fórmulas ou autoritarismo, simplesmente o espaço dialógico foi propiciando produzir a SE. Além de complementar, a interação Universidade – Escola deve ser contínua, e não simplesmente a Universidade utilizar o espaço escolar como campo de coletas de dados para estudos.

Zeichner (1998) destaca que a pesquisa acadêmica no espaço escolar deve ocorrer no sentido de que o pesquisador acadêmico investigue a sua própria ação e não somente lance o olhar sobre o professor da EB. Esse tipo de pesquisa chamada investigativa pode causar resistência por parte da comunidade escolar, e até gerar incômodo ao pesquisador. Zeichner (1998, p. 211) diz em seu estudo que essa tensão pode ser assim descrita,

primeiro, alguns pesquisadores acadêmicos estão se sentindo cada vez mais desconfortáveis em sua posição de somente estudar o trabalho dos outros e, em segundo lugar, estão cada vez mais aborrecidos em estar revelando falhas de escolas e professores, obtendo com isso apenas vantagens em suas carreiras acadêmicas.

Esse sentimento de desconforto certamente me impossibilitaria de realizar pesquisa com tal cunho, por isso, antes mesmo de ingressar no mestrado, construí a certeza de que realizaria pesquisa-ação. É nela que encontro a possibilidade de construir e constituir-me. Essas características são evidenciadas no fragmento de diálogo que segue.