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3. ABORDAGENS SOBRE CONSUMO MIDIATIZADO E ESTRATÉGIAS

3.1 Considerações acerca do consumo feminino no ambiente virtual: características,

3.1.2 A busca pela adequação dos padrões de beleza no universo feminino e seus

A beleza feminina sempre esteve atrelada a padrões. As suas representações ao longo do tempo foram sendo modificadas, outras permaneceram idênticas, e em outros momentos tiveram rupturas e reformulações com os padrões estéticos vigentes. Muito se deve às questões culturais da sociedade. No entanto, não há como negar o papel da mídia em tornar a beleza feminina, em especial o corpo, um artefato do mercado econômico/social e cultural.

Além do corpo como representatividade feminina, tem-se uma indústria cosmetológica aguçada em atender aos anseios das mulheres que buscam o padrão de beleza feminino. Atualmente, a incessante busca gira um mercado altamente rentável que subsidia o desejo da mulher contemporânea — que perpassa por maquiagens, tinturas de cabelo, procedimentos estéticos na face e no corpo, bronzeamento artificial etc.; nesse arsenal de produtos e serviços, as influenciadoras digitais se legitimam, atualmente, como grande aliada nas escolhas.

Em detrimento da associação da beleza feminina ter maior relação com o corpo, será feita, a seguir, uma abordagem histórica e conceitual do corpo, evidenciando a evolução da beleza no decorrer dos anos. Ao caracterizar o corpo feminino, Andrade (2003) faz um apanhado de influências para defini-lo.

Muitas vezes nos perguntamos o que é o corpo: aquele cantado em versos ou aquele da ciência; aquele que a mão acaricia ou aquele da estética; aquele da juventude ou aquele da velhice; aquele da mídia e do mercado de consumo ou aquele descrito como natural; aquele do homem ou aquele da mulher; aquele da religião ou aquele da lei; aquele 73 O termo “modinha” é uma referência às peças de roupas que serão vendidas em grandes quantidades influenciadas pelo consumo em larga escala. As roupas aparecem em novelas, desfiles, revistas de moda, perfis do Instagram de influenciadoras digitais e tornam-se um grande sucesso de vendas. Como exemplo, temos as peças da personagem Jade, da novela O Clone. Eram pulseiras indianas que venderam bastante, mas o retorno na estação seguinte é pouco provável. Já o termo “clássico” se refere às peças que têm uma manutenção de venda forte, ou seja, sempre serão vendidas, a exemplo das peças consideradas atemporais, como blazers, vestidos pretos, camiseta básica, entre outros. SALGADO, Kledir. O tempo e o ciclo de

vida do produto de moda. Disponível em: https://www.audaces.com/o-tempo-e-a-ciclo-de-vida-do-

da arte ou aquele da medicina; aquele da cirurgia plástica ou aquele da academia. Como se vê há, diversas representações do corpo que passam pela medicina, pela biologia, pela poesia, pela cultura, pela arte, pela mídia, pelo econômico ou pelo social (ANDRADE, 2003, p. 120). Como um constructo social, histórico e cultural, o corpo feminino e seus padrões de beleza e feminilidade passaram por várias mudanças, desde a pré-história até os dias atuais, e por modelos bem distintos. Atualmente, há uma tendência para a quebra de padrões, principalmente com os movimentos feitos em redes sociais digitais. Os influenciadores digitais de nichos — como a moda plus size74 e as mulheres afrodescendentes que buscam valorizar seus cabelos crespos em detrimento das escovas definitivas que os estiram — têm uma parcela significativa nesta busca de mudanças de padrões.

Para os nossos primeiros antepassados, o corpo era considerado uma das únicas armas de sobrevivência para caçar ou mesmo fugir dos predadores. Quando passaram a conviver em grupo, os homens adotaram alguns padrões de beleza com o intuito de se destacarem dos demais; para tanto utilizavam dentes de animais e garras penduradas no pescoço. Para as mulheres, a obesidade era contemplada e associada à fertilidade e à disponibilidade de recursos para alimentar-se.

No Egito Antigo, as mulheres tinham grande liberdade, diferente de outras civilizações que as conquistaram mais recentemente. As mulheres possuam propriedades, independente de seus maridos, e o divórcio era visto com passividade, caso fosse desejado por elas. Nessa época, o expoente da beleza eram as mulheres cujos ombros eram largos, cintura alta e rosto simétrico75.

Já na civilização greco-romana, os homens eram mais cobrados pela estética que as mulheres. A nudez era algo do cotidiano grego, mas, no caso das mulheres, as esculturas e pinturas que evidenciavam seus corpos eram frequentemente cobertas. Graças à forte influência da igreja, os hábitos de higiene foram deixados de lado, uma vez que era pregado o ideal aos cuidados do corpo como algo profano, imoral e indecente, contradizendo as leis divinas. Atrelavam a beleza como consequência da sua obediência,

74 A moda plus size é um termo usado para roupas de tamanho 48 ou acima, voltada para o público com medidas maiores. A indústria da moda passou a utilizar o termo recentemente, no entanto, há um grande público consumidor na atualidade. O que é a moda plus size? Definição do termo! Disponível em: https://modaplussize.org/o-que-e-plus-size/. Acesso em: 06 out. 2019.

75 Um dos grandes ícones de beleza e poder, foi a famosa rainha Cleópatra, a última do Egito Antigo, que possuía todos os traços dos padrões vigentes na época. Cleópatra, a última rainha do Egito Antigo. Disponível em: https://incrivelhistoria.com.br/cleopatra-egito-antigo-biografia/. Acesso em: 09 out. 2019.

devoção, pureza e castidade. E assim, muitas civilizações apareceram e desapareceram com seus padrões vigentes na época.

Ao falar sobre a nossa sociedade, o resgate histórico pode ser feito a partir dos anos 1920, na época em que, nos EUA, as mulheres receberam o direito de eleger seus representantes76, trazendo à tona a temática da liberdade. Nessa época, elas favoreciam um olhar andrógino, minimizando suas cinturas e usando sutiãs que achatavam seus seios, na perspectiva de parecerem fisicamente com os homens.

Durante a Era de Ouro de Hollywood, dos anos 1930 aos 50, o Código Hays77 estava em vigor estabelecendo parâmetros morais sobre o que poderia ou não ser dito, mostrado ou não nos filmes, o que limitava os papéis das mulheres. Durante essa época, Marilyn Monroe despontou como sinônimo de beleza. A forma física valorizada eram as voluptuosas: quadris largos e seios fartos, acentuados pelos sutiãs de enchimento. Rita Hayworth e Jayne Mansfield também contribuíram para o surgimento da expressão femme fatale78.

Figura 18: Atriz Brigitte Bardot exibia as curvas da mulher violão

Fonte: Site Lora Parola, 2019

76 Até o início do século XX, o direito de voto era prerrogativa exclusiva dos homens, especialmente os ricos. As mulheres que lutaram pelo direito feminino à participação política ficaram conhecidas como

sufragistas. A conquista do direito ao voto feminino. Disponível em: https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/. Acesso em: 10 out. 2019.

77 Conjunto de normais morais aplicadas aos filmes lançados nos Estados Unidos entre os anos 1930 e 1968, pelos grandes estúdios de cinema. DIRAMI, Victor. Hollywood: os anos da censura. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2013/05/hollywood_os_anos_da_censura.html. Acesso em: 10 out. 2019. 78 A expressão femme fatale é francesa e significa “mulher fatal”. Refere-se a uma figura da mitologia ou da literatura e do cinema, principalmente no gênero policial e drama europeu, que seduz e atrai homens.

Got Sin? Disponível em: https://gotsin.com.br/2016/09/27/a-femme-fatale-e-o-feminismo/. Acesso em: 10

Dez anos depois, o padrão de beleza mudou novamente. Durante os anos 1960, além dos seios e quadris volumosos, a cintura fina passou a desenvolver um padrão que denominava as mulheres de “mulher violão”, como era o corpo da atriz francesa Brigitte Bardot. Contrastando com esse modelo de corpo ideal da época, a atriz, modelo e cantora britânica Twiggy Lawson despontava em todas as revistas de moda, mostrando suas formas físicas franzinas e masculinizadas, associadas ao padrão imposto pelo movimento hippie, com corpos magros e seios pequenos.

A década de 1970 é marcada pela liberação sexual e igualdade de direitos entre homens e mulheres. O corpo masculino ficou mais em evidência e o modo de se vestir e de se comportar socialmente foi modificado. Nos anos 80, a era dos corpos malhados em academias de ginástica começou a imperar. Músculos evidentes e volumosos definiam os corpos masculinos e femininos, que treinavam nas academias e em casa, com a chegada dos vídeos reproduzidos em videocassetes.

O corpo da cantora Madonna ganhou destaque e os vídeos de Jane Fonda, “Workout Video”, que ensinavam as formas de malhar em casa, foram os mais utilizados. A partir dos anos 90, temos mais uma mudança: dos corpos malhados para os longilíneos e magros — a exemplo de Claudia Schiffer, Cindy Crawford, Naomi Campbell, Luiza Brunet —, modelos de roupas que mostravam suas silhuetas em desfiles de moda, atrelando esta aparência ao ideal de beleza.

Em seguida, surgiram modelos muito mais magras, instaurando a ditadura da super magreza. Anos depois, surgiu o corpo magro e definido da modelo Gisele Bündchen. Por volta de 2010, um novo e mais recente padrão de beleza foi imposto, o das mulheres musculosas e torneadas, além de seios avantajados, geralmente com próteses de silicone, transformando as cirurgias plásticas de implantes em uma necessidade para adequar-se ao padrão vigente.

Em todas as sociedades e em vários países, alguns padrões são extremos e colocam as mulheres em condições de escravidão do ideal da beleza. No século XIV, na Itália, era comum associar a beleza às mulheres que tinham testas grandes. As que não possuíam, arrancavam os próprios cabelos ou então usavam uma solução química constituída de vinagre, cal e fezes de animais para arrancá-los e obter uma testa maior, mas na maioria das vezes resultava em cicatrizes.

Já na Inglaterra, no século XVIII, têm-se registros da dieta da tênia79. Com o objetivo de emagrecer de forma rápida, as mulheres ingeriam vermes vivos, os quais passavam a viver em seus estômagos, eliminando as calorias ingeridas. Ao crescerem, eles precisavam ser imediatamente removidos. Há ainda o exemplo da cintura fina, que fazia com que as mulheres usassem espartilhos e corpetes por baixo dos vestidos. De tão apertados, causavam desmaios frequentes pela falta de oxigênio ou, até mesmo, fratura nas costelas.

Há ainda casos em que envolviam mutilações para se atingir o ideal de beleza. Era o que acontecia com as mulheres do século VI até o século XVIII. Para atingirem a palidez na pele – símbolo de status, uma vez que o bronzeamento estava associado às classes mais baixas –, as mulheres da época se cortavam, para perderem sangue e conseguirem a palidez desejada.

Figura 19: Pés das mulheres chinesas deformados devido às ataduras

Fonte: Site Segredos do Mundo, 2019

Na China, a mutilação acontecia nos pés. Símbolo de beleza, a partir dos 4 anos de idade, os pés eram amarrados para que não crescessem apropriadamente e, por baixo das ataduras, ficavam bastante deformados. Para os chineses, a mulher com pés pequenos era atraente e, por esta razão, conferia-lhe um bom casamento.

O consumo do padrão de beleza está presente em todas as civilizações e há bastante procura, principalmente pelas mulheres, que, em sua maioria, se dedicam incansavelmente para serem aceitas dentro de um padrão imposto. Elas são capazes de sentir dores em procedimentos estéticos, desconfortos dos mais variados, alimentação

79 MIGUELETE, Michelle. Ingestão de parasitas perigosos para perder peso. Já ouviu falar? Teria coragem? Disponível em: https://br.toluna.com/opinions/2739488/A-Dieta-Da-Tênia-Ingestão-De- Parasitas-Perigosos Acesso em:10 out.2019

regrada e muita abdicação para, a partir daí, se sentirem bonitas e adequadas ao modelo de beleza.

Um dos aliados da mulher, em especial nos quesitos moda e beleza, tem sido o aplicativo Instagram, que conseguiu difundi-los através das publicações dos influenciadores digitais, de forma mais abrangente e numa amplitude bem maior. Na sociedade contemporânea, numa perspectiva digital, os padrões de beleza são ainda mais impostos e podem vir a se tornar nocivos para a saúde física e mental. A seguir, abordaremos a respeito do consumo midiatizado no aplicativo e seus desdobramentos com relação ao universo feminino.