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Caçador manifestado em orixá, carregando oferenda

Fonte: facebook/grupo Selecionado, 22/03/2018

A foto 21 foi a publicação com o maior número de reações e comentários no período pesquisado (1,2 mil curtidas; 218 comentários). Esta é uma foto que classifico como movimentos; nela aparece um homem incorporado, com as indumentárias do orixá, dançando em um barracão, segurando um balaio de frutas na cabeça. Ao que tudo indica, trata-se do Ator 02 incorporado no orixá, em uma celebração pública, ou seja, em dia de festejo no terreiro. O dia da postagem foi uma quinta-feira, tradicionalmente dedicado ao orixá Oxossi. A frase postada foi: “TOCA UM AGUERÉ POR QUE HOJE É DIA DO REI, QUE PAI ODE TRAGA PARA CADA UM SUA FARTURA ASÉ A TODOS NÓS🙏🏹🏹😍...”. Novamente vejo ancoragem da foto pelo texto, que inclui menção ao dia da semana71, suscitando a emoção nos seguidores, que responderam com palavras do tipo: “axé”, “axé ooo axé”, “oké aro meu caçador”, “axé meu pai”, etc.; houve quem coloca-se “amém”, seguido de 🙏.

O texto postado expressa um pedido de fartura para todos nós, endereçada a Oxossi. Isto, no âmbito da roça de candomblé, tem sentido muito peculiar, e quando realizado em certos momentos (na celebração para ele, por exemplo) assume dimensão ainda mais significativa, pois Oxossi é orixá caçador, aquele quem busca pelo alimento, é quem traz os suprimentos, a fartura, para sua comunidade, é, portanto, sinônimo de prosperidade. O pedido, no texto, não foi só para ele, mas para um coletivo, é o sentido maior, a motivação dos rituais e celebrações realizados nas comunidades de candomblé.

Desenvolvendo um segundo nível, o conotativo de análise da imagem, foco olhar sobre o tipo de letras usadas no texto que segue a foto, elas estão em caixa alta. O final do texto foi acrescido com quatro imagem de emoji: 🙏🏹🏹😍..., que respectivamente são: mãos juntas simbolizando fé no catolicismo; dois símbolos de arco e flecha; e um rosto com olhos de coração. Esta sequência de emojis pode ser traduzida assim: primeiro a relação de fé do Ator 02, para com seu orixá Oxossi (representado com os dois símbolos do arco e flecha); depois vêm o emoji de olhos com coração, indicando seu amor por Oxossi. As letras em caixa alta usadas no texto, destoam das demais postagens deste internauta. O que isto pode indicar? Talvez, um indicativo seja o fato de Ator 02, costumar postar muitas fotos suas, em sua linha do tempo no facebook. Nestas ele não aparece com roupas ou elementos ligados ao candomblé (como faz no grupo selecionado), costuma estar sozinho, sorrindo, em cenários com piscina, mergulhando no mar, ao ar livre, e algumas com amigos e/ou familiares (estas em menor proporção). Isto me leva a acreditar que este internauta dedica muita atenção em postar sua imagem, em chamar os olhos alheios sobre si. Neste sentido, o recurso da letra caixa alta, sobre uma foto dele incorporado em seu orixá, para o qual dedica amor e fé, seja mais uma forma de chamar atenção dos leitores.

Ora, se nosso internauta aqui analisado demostra ser alguém que valoriza a exposição de si, não só com as fotos, como também utilizando recursos textuais para que suas postagens recebam várias curtidas, será que as figuras 7, 8 e 9 são uma outra forma dele expressar seu anseio de se mostrar? A dinâmica do ciberespaço é dos participantes não se darem a conhecer imediatamente, mas sim através de atos performáticos e identitários, tais como a construção das representações do eu, estando estes conectados ou não; nestas representações do self, elementos que lhes são característicos são reinscritos no ciberespaço (RECUERO, 2015, p. 58-9). Vejamos, a partir da decifração das figuras 8 e 9 que ainda não foram analisadas, como isto acontece.

A figura 8, mostra três mulheres negras andando, em fila, em uma calcada a beira mar. As três mulheres estão de branco, sendo que a primeira e a última com trajes de candomblé completo (torço, saia, anágua, cabeção e pano da costa), enquanto a segunda usa apenas uma saia, um pano amarrado cobrindo o busto, com a cabeça raspada e sem torço de pano. A frase nesta imagem é: “andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar!”. Trata-se do trecho da música “Andar com fé” de Gilberto Gil, na qual este autor fala da fé, enquanto sentimento capaz de ultrapassar barreiras, como da luz à escuridão; se manifestar em coisas singelas, como em um pedaço de pão; vencer medos como o da maré ou dá lâmina de um punhal. Quando o Ator 02, fez a postagem da imagem F, acrescentou o seguinte texto: “acredita nisso diga asé...”. Seria

então uma forma dele simbolicamente se identificar, ele é um sujeito que tem fé, que acredita em algo, como suporte para seguir em frente, um aspecto de sua personalidade.

A figura 9 tem duas mulheres negras, vestidas com saia, cabeção, pano da costa e ojá brancos. Estão de contas no pescoço, andando pelas areias da praia. Elas estão tentando colocar o pano da costa, envolta do tronco do corpo, mas encontram dificuldade por conta do vento que sopra. O texto, dentro da imagem é: “Se alguém lhe disse que você nunca vai conseguir, apenas dia – se eu errar aprendo, se eu acertar te ensino”. Ator 02, ao postar colocou a seguinte frase: “Só os verdadeiros sabe deixe seu Ase....”. Uma postagem que traduz a ideia de perseverança, superação de desafios, continuidade, associada à continua reflexão sobre cada passo dado no percurso. À medida que vou analisando as publicações do Ator 02, percebo a repetição desta ideia central. Mas, por outro lado, pode significar apenas um momento da vida deste sujeito. Digo isto porque as figuras 7 e 9 ocorrem no mesmo dia (18/03/2018), enquanto a da figura 8 aconteceu um dia antes (17/03/2018), ou seja, em um intervalo curto de tempo.

Para além de ser uma estratégia sua visando “curtidas” e “likes”, ao compartilhar de sua crença, entre pessoas que podem ou não acreditar no que ele crê, este internauta cria a possibilidade expandir este tipo de interação, que é chamada de conversação em rede (RECUERO, 2014) que migra pelas várias plataformas e em outras redes socias, esta possibilidade da conversação circular e interagir com muitas pessoas.

Ainda sobre a conversação em rede, além da migração, podemos destacar a visibilidade como algo importante dentro da cultura contemporânea do ciberespaço, para Recuero, trata-se de algo sedutor para o indivíduo comum, um valor específico da nossa era e uma forma de capitalizar um dos grandes valores da contemporaneidade que é a atenção. Bruno (2010)72, citada por Recuero, dirá que a visibilidade está diretamente relacionada com a presença e narrativa desta; e que a visibilidade na rede constitui uma reordenação nos modos de conversar, porque além da conversação é preciso, além de ser visto, que a conversação também o seja. Não basta ser ouvido, precisa ser visto (RECUERO, 2104, p.153). Isso pode explicar o sentido das estratégias nas postagens do Ator 02, que o levavam a conseguir curtidas e comentários; elas atendem a um anseio pela visibilidade na rede, o que Sibilia chama de “tiranias da visibilidade”, uma tendência atual de inverter uma pratica que antes ocorria no íntimo de cada indivíduo, cultivar com extremo capricho aquelas zonas da própria vida desenvolvidas nos espaços

72 Bruno, F. Circuitos da vigilância: controle, libido e estética. In: Bruno Souza Leal, Carlos Camargo Mendonça,

considerados privados. Para esta autora se começa a expor tudo, com habilidade narrativa e perícia estética, lançando mão das competências midiáticas disponíveis (2016, p.127).

Até aqui levantei uma série de hipóteses sobre as impressões que a postagem do Ator 02 pode desenvolver, a partir do conhecimento da dinâmica e das práticas culturais expressas pelos adeptos do candomblé. Trata-se de um conhecimento que deriva da minha condição de pesquisador encarnado e que outros seguidores dele, no grupo selecionado, podem elaborar compreensão semelhante, ou não, afinal as vivencias e aprendizagens cotidianas do terreiro de candomblé não são iguais todos, tampouco interpretadas da mesma forma, afinal cada sujeito é uma singularidade. Na condição de membro do candomblé, ouvi inúmeros relatos de visitantes, de primeira vez em festas na roça, saírem emocionados, deslumbrados, mesmo sem compreender o que viam e ouviam, ficavam impactados. Para mim, esta condição se justificava pelo fato dos diversos sentidos humanos (visão, audição, olfato, paladar) estarem sendo acionados, mesmo que a explicação sobre os fenômenos lhes fossem alheias. Entretanto, não posso afirmar que as 1200 reações positivas à postagem, foram de pessoas que tiveram experiências semelhantes as minhas, ou de visitantes de terreiro, em dia de festa que sentiram ou presenciaram emoções como as descritas acima. Sobre esta questão, Guatarri nos traz um exemplo que pode ajudar nesta reflexão:

O imenso movimento desencadeado pelos estudantes chineses tinha, evidentemente, como objetivo palavras de ordem de democratização política. Mas parece igualmente indubitável que as cargas afetivas contagiosas que trazia ultrapassavam as simples reivindicações ideológicas. E todo um estilo de vida, toda uma concepção das relações sociais (a partir das imagens veiculadas pelo Oeste), uma ética coletiva, que aí é posta em questão. E, afinal, os tanques não poderão fazer nada contra isso! Como na Hungria ou na Polônia, é a mutação existencial coletiva que terá a última palavra! Porém os grandes movimentos de subjetivação não tendem necessariamente para um sentido emancipador. (GUATARRI, 1992, p.12)

O exemplo, proposto pelo autor, é para mostrar o lugar preponderante atualmente ocupado pela subjetividade, em função do desenvolvimento das mídias. Ele fala de cargas afetivas afloradas nas pessoas, em diversas partes do mundo, ao assistirem a transmissão de imagens e som, destes eventos graças aos avanços tecnológicos que realizam a comunicação via satélite, assim como o uso de linhas fibra ótica. Se o fenômeno da produção subjetiva nas pessoas sofre influência do avanço da “era da cultura das mídias”, na “era da cultura digital”73,

cuja complexidade e a amplitude são mais acentuadas do ponto de vista tecnológico, os efeitos tendem a ser mais impactantes na sociedade. Portanto, as performances apresentadas até o momento, da Atriz 01 e do Ator 02, guardam em comum o fato de serem, na rede ciberaxé nós de onde partem enunciados performáticos (SODRÉ, 1988), sujeitos a interpretações diversas pois se alinham ao ponto de vista de cada leitor/a das postagem, mas que guardam na gênesis de sua construção o vivido e concebido de seus autores sobre o universo religioso que professam.

3.3 Iyawô

Quando se entra na linha do tempo deste internauta, a foto de capa que encontramos é esta bela imagem:

Figura 10: Mensagem

Fonte: facebook/linha do tempo de Iywaô

Nada disso é por acaso, o ator 03 é iniciado no candomblé, feito para Oxalá. A frase em iorubá é a saudação deste orixá: Èpa Bábá. A frase faz referência ao alá, o pano branco consagrado a Oxalá, que na mensagem é passado pelos oris, ou seja, na cabeça das pessoas para lhes trazer a paz, um sentimento sempre associado e pedido a este orixá, que é também considerado o pai de todos nós. Semelhante ao lugar ocupado por Oxalá no sistema simbólico religioso do candomblé, as postagens deste internauta, de certa forma, trazem questões que

mexem com as opiniões dos seus seguidores. Seus posicionamentos tocam em temas, algumas vezes, interditados, quando não pouco discutidos no âmbito das comunidades de axé. Este seu pioneirismo fornece elementos sobre sua conduta, algo que Sibília (2016) apontou como pertencente a terceira via dos estudos sobre subjetividade, aquela determinada por influências culturais, forças históricas, perpassadas por vetores políticos, socioeconômicos e que implicam nas formas de ser e estar no mundo. Por isto ele foi escolhido para esta pesquisa.

O ator 03 está no grupo selecionado desde outubro de 2015, está em outros grupos semelhantes, além de administrar o seu próprio, com temática sobre candomblé. No grupo que administra, quando acessamos o ícone “Sobre”, que costuma dar informação sobre a página, consta o seguinte: “Uma das coisas que mais estimo na vida é a liberdade de pensamento, e aqui compartilho os meus mais sinceros pensamentos sobre nossa religião com vocês.”. O nome da página do Ator 3, é “Soul Yawo”. Este título, como veremos mais adiante na análise das publicações, será condizente com o objetivo atribuído a página e o teor de suas postagens. Fotos e imagens costumam ser associadas aos textos, que costuma ser de autoria do Ator 03. Por isso, a informação do ícone “Sobre”, da página sob sua administração, condiz com o conteúdo exposto, ou seja, textos autorais trazendo impressões a respeito de diversas questões, na maioria das vezes silenciadas, ou ditas sob sussurros, nos corredores das casas de candomblé. Ele compartilha todas estas postagens no grupo selecionado.

Me chama atenção, que Ator 03, tem pouco tempo de iniciação, por isso, talvez, o título de sua página “Soul Yawo”, seja uma clara referência esta sua condição, mas que ainda assim anseia pela liberdade de pensar e compartilhar ideias, como o próprio escreveu no “Sobre”. As redes do ciberaxé criaram esta condição nova para o recém iniciado, o yawo do candomblé, de poder se manifestar livremente sem as amarras da hierarquia do espaço off-line da Roça. Seguindo esta nova tendência, este internauta do axé, consegue ir um pouco mais além. Em julho de 2018, por exemplo, ele fez uma publicação no Soul Yawo, que posteriormente compartilhou no grupo selecionado. Embora seja uma publicação fora do intervalo de tempo, inicialmente, definido para recorte das postagens, escolhi ela porque me chamou atenção a imagem: uma foto de uma boca com esparadrapo (foto 22) que acompanha o texto.