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Fonte: facebook, grupo selecionado, 17/03/2018

[1]A famosa frase...

[2]Não vou, pois não sinto no meu coração...

[3]Ah se soubessem o quanto é enganoso o coração, não pensariam e agiriam assim.

Já pararam para pensar se o orixá não sentir no coração em nos ajudar nas horas de nossas aflições... Minha gente o nosso coração é o centro de nossos pensamentos, sentimentos e vontade,

[4]quando damos nossas vidas ao orixá, passamos pelo obe farin, é nossas cabeças que entregamos a eles a qual onde mora nosso coração.

[5]Não existe estar de mal do zelador do orixá, de mal do orixá, ou de mal da casa de candomblé,

[6]as vezes vcs tem que fazer laços consigo mesmo, reflita suas vidas e faça uma auto análise.

[7]Porque ninguém pode com toda força de seu próprio egoísmo pode mudar o curso do vento, e orixá é o vento, e suas vontades devem ser respeitadas. [8]Não adianta querer que se adaptem as suas vontades,,,vcs que se adaptem as vontades de orixá.

[9]Bênção a todos...

Embora não se verifique uma referência explicita endereçando o texto aos mais novos no axé, em vários trechos há indícios para esta compreensão. Além disso é perceptível evidências sobre o ponto de vista de Iyalorixá sobre como deve ser vivenciado o sagrado no candomblé; por isto a publicação acima está classificada nos tipos 2 e 381. Na frase [2] se reproduz um argumento recorrente dos/as iniciados/as quando não querem ir para as atividades na Roça. Quando afirmo que a frase [2] é recorrente nos terreiros de candomblé, isto se confirma na frase [1], além de já tê-la ouvido inúmeras vezes em meu convívio na roça. Na [5] fica subtendido que o sujeito magoado é um filho ou filha-de-santo, pois um dos alvos de “estar de mal” é justamente o zelador/a ou pai ou mãe-de-santo. Em [8] a cobrança para se adaptar a vontade do orixá é próprio de uma religião iniciática como o candomblé, no qual o neófito se adequa a nova conduta, portanto é uma frase dirigida aos que estão chegando no axé.

O texto publicado tenta demostrar também o acúmulo de experiências e conhecimento adquiridos por Iyalorixá com relação aos fundamentos do culto, no seu trato com o sagrado; representam suas percepções de mundo desenvolvidas nesta dinâmica, ou seja, é um relato de si só que direcionado a um tema, no caso de como compreende a frase [2]. Assim a autora em [3] chama atenção para não se tomar decisões a partir das emoções e sim pela razão e completa seu raciocínio em [4], explicitando o papel da razão em nossas decisões ao lembrar que os ritos sagrados acontecem em nossas cabeças, que em sua narrativa equivale ao coração, o local das emoções. Dá orientações em [6] de como lidar com questões pessoais. E no trecho [7], vemos uma frase na qual Iyalorixá expressa seu nível de crença no poder do sagrado, que não sofre interferência mesmo com força do sentimento das pessoas.

Sibilia nos diz que estes “relatos de si” que proliferam na web, nos fornecendo diferentes versões da vida privada, assim como de você e de eu são gêneros autobiográficos, uma categoria artística de longa história e diversas formas de manifestações, desde os diários, passando pelos álbuns e autobiografias, mas com poucas distinções das obras de ficção. Segundo a autora há registro de romances que reproduzem seus códigos, como exemplo das sagas epistolares e falsas autobiografias, bem como existem as narrativas ficcionais que incorporam elementos realmente vivenciados por seus autores (SIBÍLIA, 2016, p.56).

É também Sibília, com base no crítico literário Lejeune82, afirmará que obras autobiográficas se diferenciam por estabelecerem um “pacto de leitura”, no qual este acordo tácito consiste na crença do leitor que autor, narrador e protagonistas possuem a mesma

812. Ponto de vista do sagrado; 3. Relação com a hierarquia no candomblé. 82 LEJEUNE, Philippe. Le pacte autobiographique. Paris: Seul, 1975

identidade. Ainda que, na compreensão desta autora, seja uma definição pouco sólida, é por outro lado funcional e atende aos gêneros confessionais da internet, as manifestações renovadas dos velhos gêneros autobiográficos. Representa um eu tríplice (narrador, autor e personagem), “que não deixa de ser uma ficção; pois, apesar de sua contundente autoevidência, é sempre frágil o estatuto do eu” (p.57). Na conclusão deste raciocínio Sibília dirá que este eu autobiografado é uma ilusão biográfica83, em função de sua natureza complexa e vacilante; é construída na linguagem, com base no fluxo caótico e múltiplo de diversas experiências.

Trouxe até aqui uma parte da construção da ideia da autora citada acima para identificar algumas publicações na web, como autobiografias. No nosso caso, o texto de Iyalorixá traz elementos deste gênero porque há um eu construído naquela narrativa que se manifesta quando diz fazer “laços com consigo mesmo”, como aparece na frase [6]. Isto equivale reiterar o pensamento desta autora, quando diz que “o eu é uma ficção gramatical”, porém um tipo diferenciado de ficção porque “se desprende do magma real da própria existência, acaba provocando um forte efeito no mundo” (p.57). Afinal, Iyalorixá é uma líder religiosa, que pelo princípio pedagógico do candomblé, passou pela experiência tácita como meio de aprendizagem, para adquirir o lugar máximo na hierarquia litúrgica deste culto afro-brasileiro. Porém tudo que ela passou foi uma experiência própria, de âmbito privado, no qual cada indivíduo ao passar desenvolve sentimentos e compreensões sobre o culto e o sagrado não necessariamente iguais aos demais membros da comunidade religiosa. Como então traduzir “para fora” este saber?

Iyalorixá no papel de líder religiosa precisa, dentre outras tarefas, ser uma referência, uma inspiração para sua comunidade, assim ela encontra no poder da linguagem textual uma forma de se mostrar, de construir um autoimagem, elencando elementos que considere mais significativos adquiridos em sua trajetória e projeta-os, a fim de agregar olhares de entusiasmo, confiança, credibilidade e inspiração perante outros. Um dado a mais que reforça isto é a reincidência desta internauta em postar fotos suas junto com os textos. Nesta publicação temos a foto 06, que nesta tese classifico como sendo do tipo Espelhos84. A imagem da Iyalorixá, com as mãos em sinal de prece, com os olhos fechados, rosto levemente inclinado para frente, com as indumentárias do candomblé, tende a passar um sentimento de resignação, sublimação e devoção desta internauta ao sagrado. A rede virtual, neste sentido é um importante meio de

83 A autora usa esta expressão, com base no artigo de BOURDIEU, Pierre. “A Ilusão biográfica”. In FERREIRA,

M. e AMADO, J. (orgs.) Usos e abusos da história oral. Rio de janeiro: FG, 1998, p.183-191.

84 Espelhos: são fotos si ou em grupo, em algum espaço do terreiro ou com elementos façam referência ao

candomblé (atabaques, adereços usados por orixás, ,.;\ ‘retc), é acrescida de frases expressando comentários, desejos, sentimentos, interjeições. As pessoas costumam se apresentar vestidas de roupa de candomblé.

difusão deste “eu” narrado, uma espécie de modelagem identitária pela via da linguagem, que é amplificada com as múltiplas ferramentas oferecidas nas plataformas virtuais: associação de imagens, fotos, vídeos, ilustrações. Entretanto, Sibília (Idem, p.57) nos alertará sobre a precisão de sempre lançar dúvidas sobre este “eu”, fruto de narrativa linear, pelo fato de não ser esta a única forma de expressão, afinal o fluxo narrativo promove uma subjetividade oscilante, de vertigem, instável, mas que também integra este “eu”. Isto implica que os seguidores de Iyalorixá, ao expressarem nos comentários sua postura (BARTON; LEE, 2015) sempre em tom afirmativo, usando reações como “curtir” e “amei”, ou com pequenas frases como as citadas no início deste subtópico, ou ainda sem fazerem comentários contrários ou mesmo de questionamentos as convicções de Iyalorixa só reafirmam e alimentam a auto projeção desta, estimulando-a continuar nesta mesma direção e em ritmo ascendente, como mais e mais publicações. A segunda publicação selecionada de Iyalorixá é um texto do tipo Ponto de vista

do sagrado. Esta postagem consta também uma foto de uma mão de pessoa negra segurando

um punhado de obís, um tipo de semente utilizada nos rituais do axé. Esta foto foi classificada nesta tese como Altares85.

#Reflexão

[1]Casa de Candomblé : Ame - a ou Deixe - a... [2]Não querendo generalizar mas, acredito que de forma recorrente todas as Casas de Candomblé passam por esse problema : A falta de entrega de algums ou muitos filhos de santo ao seu Aşé.[3] Creio que existam muitas pessoas que não deveriam sequer frequentar uma Casa de Candomblé. Pessoas que não se doam e só querem na verdade darem closes e tirarem selfies com aquele bordão chulo de : "Ajo maravilhoso". Ora, a maioria desses que postam "partiu louvar o sagrado", são os mais ausentes dentro de uma Casa de Aşé.[4] Até se chegar o momento de uma festa, muito mato se cortou, muita pedra e areia se carregou, e muita massa se virou.[5]Se vc não é capaz desse tipo de entrega, não saia apenas da Casa de Candomblé, mas saia do Candomblé. Candomblé não tem espaço pra preguiçoso, ou não deveria ter. O sentido da palavra Egbé é de sociedade, e pra se viver em sociedade é necessário se doar e não sugar.[6] Parafraseando ditos populares do tipo: “É dando que se recebe", "Faça o bem e não veja à quem", está contraditório. "Turmas do cabide ", "Tocadores e cantores de Candomblé ", não deveriam ter espaço em nenhuma Casa de Aşé.

Oportunistas em busca de Status é o que mais se vê. [7]Aprendizado pelo zap ou algo do gênero está disseminado no Candomblé de hoje (Mas não tem vivência nem experiência na prática). [8]Portanto, se quiser aprender alguma coisa... doe -se, derrame seu suor em prol de seu Aşé. Santo de Candomblé existe e observa a conduta de cada um. Ninguém perde espaço dentro de um Aşé, apenas não o possui, porque jamais o conquistou. [9]Agora se quiser ser considerado "filho cliente ", pague pelo suor de seus irmãos e diretamente à eles, pois ninguém é obrigado a trabalhar por ninguém. Tal como uma

85 Altares: são fotos de assentamentos, oferendas, objetos do sagrado (oxé, ofá, ibíri, atabaques, etc), folhas

empresa, quem não produz, ou está fora ou será remanejado.[10] Candomblé precisa de gente de Aşé, e não de gente de Ájé!

(Facebook, Grupo Selecionado, 13/04/2018)