• Nenhum resultado encontrado

Montagens: aqui temos as imagens criadas por computador, que reune textos, fotos, desenhos e gravuras, ilustrando o universo simbólico das religiões afro-brasileiras

Figura 2: Rosto de mulher com feridas e pessoa com as indumentárias de Omolú

Fonte: facebook, grupo selecionado

Figura 3: Homem negro sem camisa, com colares e adereço nas mãos

O vídeo é também uma linguagem fortemente utilizada no grupo selecionado; entretanto, não foram estudadas neste trabalho. Optei por este recorte, para assegurar maior aprofundamento sobre os demais formatos citados. Ainda assim, identifiquei uma variante dos vídeos, que são as lives, quando o internauta estabelece conexão, com imagem e som, em tempo real, via plataforma virtual, com seus seguidores. Nas lives, o objetivo é fazer consultas sobre questões da religião, buscar solução/orientações para problemas econômicos, espirituais, de saúde etc. Há quem compartilhe vídeos ensinando cantigas, rezas e os toques de atabaque em diferentes nações. Há também o registro de afazeres cotidianos da roça e de cerimônias de pessoas incorporadas com entidades (orixás, caboclos, pretos-velhos, padilhas, etc.) em rituais. Verifiquei muitos sacerdotes do candomblé, em especial pais-de-santo, ogans e filhos-de-santo, praticando as lives, enquanto ekedis e filhas-de-santo costumavam postar mais vídeos. Isto pode apontar algum recorte de gênero para estudos futuros.

Tratando ainda do critério de escolha do grupo selecionado, havia uma página oficial de um determinado terreiro de candomblé, onde o número de seguidores era maior. Entretanto, levei em consideração que suas publicações estariam sob o crivo dos/as administradores/as deste terreiro, por se tratar de uma página oficial do mesmo (esta informação consta na página) e não é qualquer membro seguidor/a que está autorizado, a fazer publicações. Os/as seguidores/as ficam restritos/as a interagir com o que for postado pelo terreiro, diferente do que vi no grupo selecionado, onde todos os membros podem fazer publicações, desde quando sigam as regras estabelecidas pelos/as administradores/as do grupo:

Descrição

Itáns, Cantigas e Curiosidades sobre os Orisás!!!

Regras: NÃO É PERMITIDO FALTA DE RESPEITO. NÃO É PERMITIDO PROPAGANDA QUE NÃO TENHAM HAVER COM A RELIGIÃO. NÃO É PERMITIDO POSTS OFENSIVOS E, PRINCIPALMENTE, ESTAMOS AQUI PARA PODERMOS ENSINAR E APRENDER UNS COM OS OUTROS. AO FAZER UMA PERGUNTA FAÇA DE MANEIRA ORGANIZADA E BEM EXPLICADA PARA QUE POSSAMOS RESPONDER! KOLOFÉ, MUKUIÚ e MOTUMBÀ...

Adms: Leandro de Ayra, Marcia de Yoba, Paulo de Ayra e Roberval Sousa. Tipo de grupo

Equipe (Facebook, grupo selecionado, em 27/03/2018)

O grupo selecionado é um ambiente democrático em que todos fazem publicações o que me permitiu constatar, por exemplo, que a ideia de interdição, de limite do que é proibido, exagero ou o contrário de tudo isso, é diversificada, pois passa pela compreensão e pelos olhares e vivências dos sujeitos autores das publicações, algo já conhecido no campo das especificidades que caracterizam os espaços afro-religiosos e formas de manuseio do sagrado. Outro dado relacionado com a diversidade desse grupo pode ser visto no texto da própria descrição que encerra com o pedido de “benção” em três línguas distintas, oriundas de etnias africanas trazidas para o Brasil no período da escravidão: kolofé – Jêje; mukuiu – Bantu; e motumbá – Ketu. Essa atenção dos/as administradores, no sentido de “tomar a benção” aos/as seguidores nas três línguas, sugere o conhecimento de um princípio exercido nas roças, sobretudo no momento das celebrações públicas, dos xirês, quando o terreiro se abre para acolher a todos/as, independentemente da nação em que você tenha se iniciado.

Diante da quantidade de material que foi se avolumando, durante o acompanhamento no grupo selecionado, percebi a necessidade de novos recortes e utilizei os recursos disponíveis na própria plataforma do Facebook para tal, visto que me bastavam para os objetivos estabelecidos na pesquisa. Desta maneira, optei por não usar ferramentas de análise digital, os diferentes softwares disponíveis no mercado, que noutras pesquisas ajudou na produção de tabelas, gráficos e números que, dentre as possibilidades, podem quantificar, mapear e caracterizar os usos e as produções que circulam no ciberespaço. Há essa altura do andamento da pesquisa não via necessidade de estabelecer interações com quaisquer dos internautas listados. A minha preocupação então era descobrir mecanismos e critérios adequados para fazer recortes e escolhas.

No primeiro momento, descobri que poderia acessar todas as postagens que os internautas realizaram no grupo selecionado, desde quando ali ingressaram. Como havia salvado várias postagens, entre março de 2017 e março de 2018, usando como critério as que mais me chamaram atenção, fui em cada um desses internautas e comecei a acompanhar o que cada um deles/as postou durante o período.

Vi que seriam muitos registros e classificações, então reduzi o recorte para os sete dias de março de 2018, período no qual fiquei em um mesmo intervalo de horário (das 19:00 às 23:00h), fazendo acompanhamento sistemático no grupo. Reduzi de 52 postagens para 34, as que precisaria visualizar o que cada um dos/as internautas publicou no período em que fiz acompanhamento sistemático. Ainda era uma quantidade grande de postagens para serem catalogadas, sobretudo em função de alguns internautas postarem inúmeras vezes em um mesmo dia. Existem programas de computador que realizam essas tarefas, de maneira rápida e

com possibilidades de fornecer maior quantidade de informações, em diferentes formatos. No entanto, eu precisaria ser administrador do grupo e/ou ter permissão para usar tais ferramentas. A impossibilidade de usar ferramentas para agilizar a seleção das postagens me obrigou ao trabalho manual e, portanto, mais lento. Por outro lado, tive condições de perceber mais detalhes sobre as publicações. Com o cursor, precisei deslizar na tela de meu notebook para voltar vários meses de publicações, de novembro/2018 até chegar no período estabelecido (de 17 a 23/03/2018). Sobre as 34 postagens, pré-selecionadas com base no critério de terem sido salvas dentro dos sete dias de acompanhamento sistemático no grupo, procurei novos critérios para reduzir mais as amostras. Primeiramente, importa dizer que essas “amostras” não estão dadas, a priori para serem usadas, como se fossem coletadas simplesmente em um lugar, ou em um ambiente. Elas são construções que tomam como referência o tema ou os objetivos da pesquisa, as perspectivas teóricas elencadas, as características do universo problematizado, visando elaborar critérios compatíveis de amostragem para a pesquisa (FRAGOSO et al, 2015). Quando se trata de pesquisas onde o universo a ser recortado é a internet, a autora diz também que:

A internet é um universo de investigação particularmente difícil de recortar, em função de sua escala (seus componentes contam-se aos milhões e bilhões), heterogêneidade (grande variação entre as unidades e entre os contextos) e dinamismo (todos os elementos são permanentemente passiveis de alteração e a configuração do conjunto se modifica a cada momento). (Idem, p.55)

Assim, constatei o quanto as postagens se repetem, seja por iniciativa do/a internauta, ou através dos mecanismos de “lembrança” oferecidos pela plataforma do facebook. O compartilhamento de publicações é outro meio de repetição de postagens. Verifiquei situações em que as mesmas postagens apareciam em vários perfis, assim como em outros grupos do facebook.

E mesmo as amostras sendo resultantes de uma construção, pautadas em variáveis definidas por cada pesquisa (tema, objetivos, perspectivas teóricas, características do universo pesquisado), Fragoso et al. chama atenção para o fato de, em conjunto com a imensidão e a autossimilaridade, a heterogeneidade e o dinamismo da internet se põem em dúvida estratégias de recorte e seleção de amostras definidas, tanto nas pesquisas qualitativas como nas quantitativas. Diz ainda que, pelo comprometimento da percepção da representatividade das amostras e, consequentemente, dos limites razoáveis para generalização dos resultados, a pesquisa em internet contribui para destacar a artificialidade e relevância de todos os procedimentos de amostragem e ao mesmo tempo, para as possibilidades e limites de cada

escolha (2015, p.57) o que sugere a ratificação de uma dupla responsabilidade básica, em qualquer empreendimento científico: a primeira, de contínuo detalhamento rigoroso de procedimentos, critérios e do itinerário metodológico adotado em cada investigação; depois, o compromisso de sempre compartilhar os resultados para reflexão coletiva e aprimoramentos, dos mecanismos selecionados.

Quando Fragoso analisa a escolha de amostras na internet, nos casos de pesquisa qualitativa, traz as características desse tipo de abordagem que, diferente da pesquisa quantitativa (focada na apreensão de variações, padrões e tendências), se volta aos detalhes, às especificidades, e consequentemente, ao aprofundamento e a uma visão holística dos problemas de pesquisa. A contextualização e a dinamicidade dos fenômenos estudados é sempre reconhecida. Portanto, “o número de componentes da amostra é menos importante que sua relevância para o problema da pesquisa” (Idem, p.67). Ou seja, os elementos a serem definidos como amostra seguem “conforme apresentem as características necessárias para a observação, percepção e análise das motivações centrais da pesquisa” (Idem). Por isso, precisei me apoiar fundamentalmente na pergunta de partida e nos objetivos pensados em minha investigação, para definir o que era significativo elencar em cada postagem. Isto significou realizar a procura por amostras intencionais, que Patton assim define:

A lógica e o poder da amostragem intencional residem na seleção de casos informacionalmente ricos para o estudo em profundidade. Casos informacionalmente ricos são aqueles que permitem aprender muito sobre as questões centrais que a pesquisa tem a intenção de endereçar, daí o termo amostragem intencional (2002, p.230, apud FRAGOSO, et al. 2015, p.68).

Nesta pesquisa, a questão central foi saber que influência a rede ciberaxé pode desenvolver em seus internautas e, como resposta, encontrei a subjetividade como a dimensão humana mais diretamente afetada pelas possibilidades existentes na rede ciberaxé. Tal constatação me conduziu ao próximo passo: analisar as diferentes ideias sobre subjetividade expressas por Sibilia (2016) e, delas, abstrair critérios para seleção das amostras. Já possuía 34 postagens pré-selecionadas, precisando serem reduzidas, para que fossem exequíveis de análise, sem suporte de programas de computador, ou seja, manualmente. Na tabela 01, apresento uma síntese das ideias e critérios que me ajudaram a reduzir esta primeira seleção de 34 internautas para 05, apenas.

Quadro 1: Critérios utilizados para seleção dos/as internautas para pesquisa

Fonte: tabela elaborada pelo pesquisador

Sobre as subjetividades Descrição do Critérios Tipo São formas de ser e estar no mundo,

longe de essencialismo fixo e estável, no qual seus contornos são elásticos e mudam conforme diversas tradições culturais.

No grupo selecionado identificar perfis de sujeitos que se destaquem ao se apresentarem na rede ou nas postagens. Escolher aqueles que tiveram maior número de reações às postagens

A

Sibília (2016) informa que os estudos sobre subjetividade podem seguir três dimensões: a terceira via, visa detectar aqueles elementos comuns a alguns sujeitos, mas não necessariamente inerentes a todos.

Escolher entre os internautas que expressam elementos comuns nos perfis, ou desenvolvem práticas semelhantes, como serem administradores/as de outras páginas no facebook, ou que fazem postagens com mais frequência no grupo.

B

Ainda sobre esta terceira via, contempla elementos da

subjetividade relacionados com a cultura, derivados de forças históricas perpassadas por vetores políticos, econômicos e sociais, que determinam formas de ser e estar no mundo, estimulando,

diferenciadamente, o cumprimento de configurações subjetivas e inibindo outras.

Escolher, entre as postagens, narrativas que expressem a interferência do contexto ou de outras pessoas. Os desabafos, as estórias de vida, as queixas, as perguntas

C

Considerando a expressão de Macluan (1946), “o meio é mensagem”, tomo o ciberespaço como novo meio e o ciberaxé, como uma, parte dele. Exu, no candomblé, também, é meio é o intermediário entre o orun e o ayiê; porêm, na rede, intermedia os nós da rede, os internautas, com seus

avatares/máscaras, expressa suas subjetividades e gera os laços (as mediações onde Exu se manifesta) nos espaços comunicacionais, configurando as redes socias na internet

Escolher postagens que utilizam de símbolos, imagens, desenhos, figuras como representação

Os cinco internautas escolhidos foram: Pororoca; O Caçador; Iyawô; Dofonitinha; Iyalorixá. Os seus nomes originais foram alterados38. Utilizei como critério de escolha dessas

nomenclaturas elementos relacionados a suas histórias de vida publicadas em seus respectivos perfis. Disse antes que diante da quantidade de material, optei por não estabelecer interlocuções com estes sujeitos. Logo abaixo, na tabela 02, temos os critérios relacionados a cada um destes 05 internautas selecionados:

Quadro 2: Relação de internautas para pesquisa com base nos critérios definidos Tipo A Pororoca - 1100 reações, 182 Comentários em 22/03/2017

O Caçador - 1200 reações, 217 compartilhamentos, em 22/03/2017 Tipo B Iywaô possui páginas no facebook. Pororoca postou todos os dias no

período selecionado da pesquisa.

Tipo C Iyawô e Iyalorixá trazem textos com as características deste critério Tipo D Pororoca utiliza imagens e figuras, fotos relacionadas a orixás para

expressar o que pensa em suas postagens. Dofonitinha, Iyalorixá trazem no nome de seus perfis elementos de suas subjetividades

Fonte: Quadro elaborado pelo pesquisador

Após seleção e análise dos cinco atores e atrizes, decidi que precisava fazer algo mais. Continuando com a ideia de que o ciberaxé é uma rede dedicada a circular conteúdos sobre religiões afro-brasileiras, na qual a evidência, a visibilidade perante o conjunto da rede, de cada um dos nós, é sazonal, variando conforme a natureza da postagem, busquei, entre esses nós, uma que se destacasse, pela capacidade de manter-se em constante proeminência nas redes sociais, influenciando seguidores/as. Esse comportamento emergente do ciberespaço reflete o atual contexto de desenvolvimento tecnológico da sociedade, a ponto de demandar a criação de novas atividades profissionais, entre as quais a do influenciador digital.

Existem atualmente vários perfis de influenciadores digitais atuando em diferentes plataformas, com temas em diversos campos como esporte, alimentação, moda, cultura pop, e muito mais. Para minha pesquisa escolhi Maira Azevedo, a Tia Má, que sempre se apresenta como mulher negra, mãe solo, periférica, candomblecista, jornalista, e vários outros adjetivos. Além de ser amplamente conhecida na internet, nas diferentes plataformas virtuais onde possui

38 Além da alteração nos nomes, modifiquei o rosto dessas pessoas e de todas outras que aparecem nas

canais (youtube, instagram, facebook), é contratada do programa “Encontro”, da jornalista Fátima Bernardes, na rede Globo de Televisão.

Em todos esses espaços, Maíra assegura um discurso em defesa de temáticas ligadas às populações negras do Brasil, de combate ao racismo em suas diversas formas, sobretudo racismo religioso. Por esses motivos e por haver laços religiosos que nos interligam, convidei- a para uma entrevista sobre os objetivos propostos nesta pesquisa. A definição sobre o influenciador digital, o porquê de nossa proximidade, como aconteceu esta entrevista e quais materiais utilizei como base para formulação do roteiro de entrevista semi-estruturada aplicada são apresentados em um capítulo específico desta tese.

Até aqui, trouxe as inquietações iniciais, a justificativa da pesquisa, o percurso metodológico, destacando os entraves na construção do campo e as classificações que emergiram no mapeamento etnográfico e que me indicaram quais escolhas melhor ajudariam a responder à problemática principal da pesquisa. Na sequência, a primeira parte do texto começa com uma reflexão sobre um mito de Exu, princípio dinâmico do sistema religioso afro- brasileiro. A partiu dele, convido autores/as que versam sobre temas como ciberespaço, virtualidade e cultura para dialogar sobre esses assuntos na contemporaneidade e suas implicações nos modos de ser e fazer dos integrantes do candomblé. É no conjunto da elaboração deste arcabouço teórico que está inserido o que entendo sobre o ciberaxé e as subjetividades produzidas neste ambiente.

A parte seguinte se detém sobre as narrativas produzidas por representações que foram previamente escolhidas da rede ciberaxé. São esses “nós” que nos ajudam a compreender as subjetividades desses sujeitos, a partir de suas postagens (textos, imagens, fotos), sobre os quais empreendo o esforço de análise discursiva, a fim de entender como conseguem influenciar outros/as seguidores/as das redes sociais.

Na última parte, me dedico a um estudo de caso sobre uma representante deste ciberaxé que ganhou notoriedade nas redes sociais e se tornou uma influenciadora digital, discutindo temas não só relacionados ao candomblé, mas também relacionados ao racismo, machismo, sexismo e intolerância religiosa. Com essa influenciadora digital, além da análise sobre publicações selecionadas, teço reflexões também sobre o conteúdo da entrevista semi- estruturada realizada, na qual conversamos sobre sua trajetória até tornar-se influenciadora digital e suas posições sobre temas como: o papel da internet e seus limites, o ciberativismo, o candomblé na internet e sua compreensão sobre o que pode ser público e/ou privado no âmbito das redes sociais virtuais.

EXU E O CIBERESPAÇO: LOUVO A EXU, LOGO...!

E diz que Exu, quando nasceu, teve uma fome sem fim.

E seus pais, Orunmilá e Iemanjá, lhe davam de um tudo para aplacar a fome, mas sem sucesso.

De primeiro sugou todo o leite dos peitos de Iemanjá e continuou berrando de fome:

-Cumê, quero cumê!

Orunmilá trouxe o que havia de mantimento na despensa e ofereceu ao filho que, escancarando uma bocarra de jacaré, engoliu tudo sem nem mastigar e continuou:

-Cumida! Tenho fome!

Veio gente de todo canto trazendo grãos, frutas, verduras. Ofertaram aves, peixes, quadrúpedes, bois inteiros, e até um búfalo velho da carne bem dura trouxeram, pra ver se aplacava a fome sobrenatural do recém nascido. Mas nada saciava a fome de Exu, o arado!

Já sem alimentos, o povo viu assombrado Exu avançar sobre os telhados, as paredes das casas, as árvores, os matos e próprio chão. A tudo tragava com uma avidez que só parecia aumentar, na medida em que engolia o que encontrava pela sua frente (...)Veio gente de todo canto trazendo grãos, frutas, verduras. Ofertaram aves, peixes, quadrúpedes, bois inteiros, e até um búfalo velho da carne bem dura trouxeram, pra ver se aplacava a fome sobrenatural do recém nascido. Mas nada saciava a fome de Exu, o arado! Já sem alimentos, o povo viu assombrado Exu avançar sobre os telhados, as paredes das casas, as árvores, os matos e próprio chão. A tudo tragava com uma avidez que só parecia aumentar, na medida em que engolia o que encontrava pela sua frente (...)

O ciberespaço é domínio de Exu que, por extensão, comanda o ciberaxé, parte da imensa rede virtual. O esforço ao longo desse texto será desenvolver esse argumento. O mito é um primeiro fundamento dessa defesa argumentativa, com a qual explico a participação dos membros do candomblé, usuários das redes sociais virtuais, socializando assuntos da liturgia afro-brasileira.

No mito, Exu demostra sua fome incontrolável, consumindo tudo que aparece a sua frente. Diferentes tipos de comidas, coisas, animais, plantas, não importa a natureza, tudo, absolutamente tudo, serve de alimento para Exu. O mito dá indícios da relação entre os membros do candomblé e Exu; é o primeiro a ser louvado antes de qualquer ritual, sente-se agraciado com tudo aquilo que lhe oferecemos, sobretudo se for de boa qualidade! Dessa forma, ele se posiciona muito próximo de nossos afazeres cotidianos e lugares pelos quais circulamos. Percebo o mesmo com o ciberespaço e nossa relação com as redes sociais virtuais. Lá, encontramos tudo e qualquer assunto ao navegarmos pelos sites, blogs e páginas da internet. Uma diversidade de posicionamentos políticos, ideológicos, econômicos, assuntos, de pessoas,

formas e lugares se acessa só com o movimento do mouse, além do registro de atitudes mais elementares que realizamos, como o acordar, a maneira de sorrir, e se enraivar. Se a fome de Exu se mostra contínua, insaciável, se ele está presente em nossas rotinas, como uma sombra; no ciberespaço vejo algo equivalente: um ambiente de sucessivas movimentações, onde absolutamente nada é estático e tudo se mostra como uma extensão de nós mesmos!

Mas, para além das semelhanças destacadas, quero empreender um esforço maior de análise. No sistema religioso afro-brasileiro Exu representa uma força impulsionadora das mudanças, aquele que assegura a dinâmica de movimentação da energia vital nessas comunidades religiosas, está associado às transformações do cosmo, à comunicação dos seres, às interações entre os contrários, consubstanciando uma perspectiva de entendimento e de como se conduzir no mundo. Sendo assim, é possível tomar Exu e suas descrições antropológicas e