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“Ciberaxé” : redes formativas e de difusão do conhecimento do candomblé.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DOUTORADO MULTI-INSTITUCIONAL E

MULTIDISCIPLINAR EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO

LÚCIO ANDRÉ ANDRADE DA CONCEIÇÃO

“CIBERAXÉ”: REDES FORMATIVAS E DE DIFUSÃO

DO CONHECIMENTO DO CANDOMBLÉ

SALVADOR

2019

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LÚCIO ANDRÉ ANDRADE DA CONCEIÇÃO

“CIBERAXÉ”: REDES FORMATIVAS E DE DIFUSÃO DO

CONHECIMENTO DO CANDOMBLÉ

Tese apresentada ao Programa de Doutorado

Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão

do Conhecimento, como requisito ao título de

Doutor.

Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Janja Costa

Araújo

Co-orientador: Prof. Dr. Ricardo Oliveira de

Freitas

Salvador

2019

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Lúcio André Andrade da Conceição. - 2019. 179 f. : il.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosângela Janja Costa Araújo. Coorientador: Prof. Dr. Ricardo Oliveira de Freitas.

Tese (DoutoradoMulti-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, Salvador, 2019.

1. Candomblé. 2. Ciberespaço. 3. Rede Ciberaxé. 4. Ambientes virtuais compartilhados. 5. Difusão do conhecimento. 6. Subjetividade. I. Araújo, Rosângela Janja Costa. II. Freitas, Ricardo Oliveira de. III. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Programa de Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento. IV. Título.

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LÚCIO ANDRÉ ANDRADE DA CONCEIÇÃO

“CIBERAXÉ”: REDES FORMATIVAS E DE DIFUSÃO

DO CONHECIMENTO DO CANDOMBLÉ

Banca examinadora da defesa de tese apresentada ao Programa de Doutorado

Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento da UFBA

Salvador, 12 de dezembro de 2019

BANCA EXAMINADORA

Rosângela Janja Costa Araújo________________________________

Orientadora) Doutora em Educação – Universidade de São Paulo

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Ricardo Oliveira Freitas___________________________________________

(Co-orientador) Doutor em Comunicação – Universidade Federal do Rio de

Janeiro

Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

Denise Maria Botelho_________________________

Doutora em Educação – Universidade de São Paulo

Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)

Zelinda dos Santos Barros___________________________________

Doutora em Estudos Étnicos e Africanos - Universidade Federal da Bahia.

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira

(UNILAB)

Eduardo Cambruzzi__________________________________________

Doutor em Engenharia de Automação e Sistemas – Universidade Federal de

Santa Catarina

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA)

Eduardo David de Oliveira_____________________________________

Doutor em Educação - Universidade Federal do Ceará

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Para Jorge Braga (in memoriam), meu pai, que, com certeza, faria uma grande

festa com mais esta conquista!

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, quero agradecer e pedir benção a todos os/as encantados/as que me conduziram e ampararam durante essa jornada. Não é tarefa fácil ser “pesquisador encarnado”, sobretudo com os compromissos que assumi, ao investigar realidades e sujeitos com os quais mantenho vínculo. Apesar da dificuldade, tenho o “acalento” da fé e o sentimento de meus pares, me dando boas vibrações para não desistir.

A minha mãe, Zélia Francisca, e a minhas irmãs, Luciana e Lívia, pelas ajudas, cada uma do seu jeito, eis o mais importante! Também a minha companheira Silene Arcanja Franco, que mais uma vez foi a quem eu recorria nas primeiras, segundas e terceiras versões escritas. Obrigado por estar presente e pela sua força!

A família de axé, do terreiro Vintém de Prata, através da minha Iyalorixá Marlene Rodrigues. Foi em nossa convivência que encontrei uma série de situações, que motivaram a proposição dessa pesquisa: as dúvidas, as queixas, as dificuldades, as preocupações e as convicções compartilhadas em momentos de conversa, de desabafo, em confidência e nas horas de celebração. É importante registrar, também, meu agradecimento pela paciência que tiveram comigo em várias situações em que estive mais agitado, angustiado, apreensivo para dar conta da escrita. A todos/as, muito obrigado!

Aos meus amigos e amigas do IFBA - campus Valença pelos estímulos para continuar, e pelo apoio no momento crucial em que conciliar os estudos com o trabalho estava se tornando algo quase impossível. São muitas pessoas, mas considero importante citar alguns, como Márcia Gonçalves, Eliete Barros, Genny Magna, Ivo Cardoso, Ava Carvalho, Marcus Ávila, Jamile Vilas Boas, Domingos Mainart, Moisés Nascimento... Enfim, valeu!

É importante congratular pessoas que, de forma mais específica, me ajudaram na construção dessa tese: minha orientadora, Dr.ª Janja Araújo, pela liberdade ao me deixar fazer várias escolhas durante o trabalho e, ao mesmo tempo, sendo sábia ao indicar pistas, dicas, sugestões sempre significativas; meu co-orientador, Dr. Ricardo Freitas, que se mostrou parceiro, sempre disponível, quando precisei acessar, solidário no compartilhamento de seus conhecimentos; a Dr.ª Denise Botelho, por receber meu texto de braços abertos, mesmo distante, e por convocar quem de direito, para fazer cumprir o papel que lhe coube nessa tese, laroyê! Ao Dr. Eduardo Oliveira, pelas provocações e desarrumações nas ideias, descortinando luzes de outros nortes, até então esquecidos; e com muito carinho, a Dr.ª Terezinha Froés, que em uma brilhante aula magna, me inspirou a escolher o DMMDC; aos demais professores do

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programa, como: Dr.ª Suely Messeder, Dr.ª Nubia Moura, Dr.ª Maria Inês, Dr. Dante Galeffi, o meu muito obrigado!

Ao Dr. Eduardo Cambruzzi, pela disposição para estar na banca, tratando de um tema tão distante de sua área de formação, mas sensível em chamar a atenção para os detalhes, que só o olhar matemático conseguiria perceber; a Dr.ª Zelinda Barros, que, gentilmente, aceitou meu convite e teve uma participação fundamental na etapa da qualificação, ao me dar segurança para seguir o caminho da etnografia virtual. Meu muito obrigado a ambos!

A Maíra Azevedo, que ao aceitar contribuir com um pouco de sua estória de vida e profissional, me fez perceber como pode ser construída uma imagem representativa na internet.

E aos/as colegas do DMMDC, Adilson Peixinho, Luís Carlos, minha filha Amanaiara Miranda, Clécia Queiroz, Flávia Damião, Mestre Cobra Mansa, Adriana Marmori, Manuela, Adelmo Xavier, Beatriz Cardoso (da secretaria).

Pessoal, finalmente terminei, valeu por tudo!

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Exu, Tu, que és o senhor dos caminhos da libertação do teu povo, sabes daqueles que empunharam teus ferros em brasa contra a injustiça e a opressão: Zumbi, Luiza Mahin, Luiz Gama, Cosme Isidoro, João Cândido. Sabes que, em cada coração de negro, há um quilombo pulsando, em cada barraco, outro palmares crepita os fogos de Xangô, iluminando nossa luta atual e passada. Ofereço-te, Exu, o ebó das minhas palavras neste padê que te consagra, não eu, porém, os meus e teus irmãos e irmãs em Olorum, nosso Pai que está no Orum Laroiê!

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RESUMO

Esta pesquisa estuda a rede ciberaxé, denominação criada para as diferentes plataformas digitais, dedicadas à circulação e difusão de conteúdo do universo religioso afro-diaspórico, ou seja, as experiências religiosas de matriz africana, criadas no Brasil e de outros países, compartilhadas pelas redes sociais virtuais. Neste ambiente virtual, são compartilhadas as primeiras citadas. O conteúdo é difundido sob o formato de imagens, sons, textos e vídeos (os laços desta rede), entre adeptos e simpatizantes (os nós desta rede) conectados numa nova ambiência de trocas e convivências. No ciberaxé, se tem acesso a serviços religiosos, fotos e vídeos de rituais, dos adeptos, das comidas, dos objetos e vestuários sagrados, criam-se espaços de interação entre adeptos e simpatizantes para troca de saberes do culto, na denúncia e combate às violências e intolerâncias sofridas. Esta pesquisa utilizou da etnografia virtual na plataforma do facebook, mais especificamente em um grupo, cujos participantes se dedicam a disseminação de conteúdo exclusivo do ciberaxé. A partir de critérios específicos da análise cognitiva, foram analisadas as postagens de cinco integrantes. Além destes, escolheu-se uma influenciadora digital, que além de versar sobre temas do universo do ciberaxé, inclui em suas postagens situações de racismo, sexismo, machismo e demais problemáticas socioculturais vivenciadas pela população negra. Sobre essas aplicou-se os procedimentos de análise de discurso e da semiologia direcionada a signos linguísticos e não-linguísticos. A perspectiva teórica se apoia em autores/as dedicados a análises das transformações socioculturais, bem como, os sentidos imbuídos às produções das populações negras nas diásporas; assim como, reflexões sobre os impactos das tecnologias de comunicação virtual na sociedade atual, na perspectiva de diferentes áreas de conhecimento. Assim, conceitos de ciberespaço, virtualidade, cultura e subjetividade emergentes destas discussões são postos em diálogo com a compreensão teórica de Exu sob duas perspectivas: uma enquanto símbolo que representa a comunicação via ciberespaço, como sendo “boca que tudo come”. A outra como fragmentos de pensamento de um coletivo e tradutor de uma compreensão de mundo. A pesquisa mostrou que o ciberaxé se constitui em um novo espaço de sociabilidade e de produção de subjetividade individual e coletiva de seus usuários. Alguns diferenciais se evidenciaram na produção de mudanças na lógica tradicional de socialização e aprendizagem dos saberes sagrados nas comunidades de candomblé, ao mesmo tempo em que abre espaço para o tensionamento de práticas do culto consideradas tradicionais e, por vezes, inalteráveis. Isto implica na elaboração de novas posturas associadas ao desmonte sobre o território do segredo, implicando em novas formas de pensar a noção do que é público ou privado, bem como a releitura a respeito do sagrado, buscando envolver novas tensões entre os mais novos e os mais antigos destas comunidades.

Palavras-chave: ciberespaço, candomblé, ciberaxé, difusão do conhecimento, subjetividades

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ABSTRACT

This research studies the ciberaxé network, a name created for the different digital platforms dedicated to the circulation and dissemination of content from the Afro-diasporic universe religious, that is, the religious experiences of African origin created in Brazil and other countries, shared by virtual social networks. The content is disseminated in the format of images, sounds, texts, and videos, (the bonds of this network), between adherents and sympathizers (The "us" of this network) connected in a new ambiance of exchanges and coexistences. In cyberaxé it has access to religious services, photos and videos of rituals, of adherents, food, sacred objects and clothing, spaces for interaction between adepts and sympathizers to exchange knowledge of worship, in denunciation and combating violence and intolerances suffered. This research used virtual ethnography on the Facebook platform, more specifically in a group, whose participants are dedicated to the dissemination of exclusive content of cyberaxé. Based on specific criteria of cognitive analysis, the posts of five members of this group were analyzed. Besides, a Digital Influencer was chosen who not only deals with themes from the universe of cyberaxé; she also includes in her posts, situations of racism, sexism and other sociocultural problems experienced by black populations. The procedures for discourse analysis and semiology linguistic and non-linguistic targeting signs were applied to them. The theoretical perspective is based on authors dedicated to analyses of socio-cultural transformations, as well as the meanings imbued with the productions of black populations in Diasporas; In addition to reflections on the impacts of virtual communication technologies on today's society, from different areas of knowledge. Thus, concepts of cyberspace, virtuality, culture, and subjectivity emerging from these discussions are put into dialogue with Exu's theoretical understanding from two perspectives: one as a symbol that represents communication via cyberspace, as being "mouth that everything eats". The other one, as thought fragments from collective and translator of an understanding of the world. The research showed that cyberaxé is a new space for the sociability and production of individual and collective subjectivity of its users. Some differentials were evidenced in the production of changes in the traditional logic of socialization and learning of sacred knowledge in candomblé communities while making room for the tensioning of cult practices considered traditional and sometimes unalterable. This implies the elaboration of new postures associated with disassembling over the territory of secrecy, implying new ways of thinking about what is public or private, as well as rereading about the sacred, seeking to involve new tensions between the youngest and oldest of these communities.

Keywords: cyberspace, candomblé, cyberaxé, dissemination of knowledge, subjectivities

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES E QUADROS

Figura 1: Desenho de Exu 14

Figura 2: Rosto de mulher com feridas, pessoa com indumentárias do orixá Omolú 58 Figura 3: Homen negro sem camisa, com colares e adereço nas mãos 58

Figura 4: Desenho de homem negro com arco, flecha e cobra no pescoço 91

Figura 5: Velas, búzios e mensagem Figura 6: Mensagem 96

Figura 7: Mãos com objetos 100

Figura 8: Três pessoas andando com roupas brancas 101

Figura 9: Mulheres com roupa de ração 101

Figura 10: Mensagem 108

Figura 11: Uma frase com questionamento 119

Figura 12: Rosto de mulher negra, mais texto 145

Foto 1: Pergunta feita no grupo Foto 2:Pergunta feita no grupo 51

Foto 3: Pergunta feita no grupo Foto 4: Pergunta feita no grupo 51

Foto 5: Pergunta feita no grupo Foto 6: Pergunta feita no grupo 52

Foto 7: Iyalorixá sorrindo e com trajes de candomblé 54

Foto 8: Homem abraçado a uma jovem com indumentária de candomblé 54

Foto 9: Grupo de pessoas abraçadas, com indumentarias de candomblé 55

Foto 10: Pessoa abraçadado a outra que está manifestada no orixá e vestida com indumentária de candomblé 55

Foto 11: Duas mulheres dançando no barracão, uma com indumentárias e outra manifestada no orixá 56

Foto 12: Criança incorporada com orixá, com as indumentárias de Xangô 56

Foto 13: Criança incorporada com orixá, com indumentárias de Iemanjá 56

Foto 14: Socerdotes e sacerdotisas do candomblé reunidas em evento 57

Foto 15: Ritual em tribo africana, homen manifestado com indumentárias, outras pessoas acompanhando 57

Foto 16: Escultura em madeira com guias do orixá Xangô 57

Foto 17: Ramo de folhas Erro! Indicador não definido. Foto 18: Self de Pororoca e outra mulher, ambas vestidas com roupa de ração 94

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Foto 20: Pororoca com pano na cabeça, comendo com a mão e deitada no chão 97

Foto 21: Caçador manifestado em orixá, carregando oferenda 104

Foto 22: Homem com esparadrapo na boca 109

Foto 23: Iyalorixá com as mãos em sinal de prece 128

Foto 24: Uma mão com um punhado de obís: 132

Foto 25: Maíra Azevedo sentada na cadeira 148

Foto 26: Maira Azevedo varrendo escadaria da casa de Oxumarê 151

Foto 27: Maira Azevedo, com trajes de candomblé e sorrindo 152

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAOS - Grupo de pesquisa em Conhecimento: Análise Cognitiva, Ontologia e Socialização

CEAO – Centro de Estudos Afro-Orientais ETFBA - Escola Técnica Federal da Bahia

ODEERE - Programa strictu sensu de Pós-graduação em Educação e Relações Étnico-Raciais da UESB NTIC -Novas Tecnologias de Inovação e Comunicação

SEDUC - Secretaria da Educação e Cultura do município de Candeias-BA STF - Supremo Tribunal Federal

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UESB - Universidade do Sudoeste da Bahia UNEB – Universidade do Estado da Bahia TICs – Tecnologias de Inovação e Comunicação

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 14

1. INTRODUÇÃO 21

1.1 Motivações teórico-metodológicas 27

1.2 Estado da arte: quando o trabalho está prestes a terminar, Exu reabre 28 1.2.1 O que se pode abstrair destes escritos? 40

1.3 Metodologia 41

1.3.1 Apontamentos etnográficos de um campo em construção 42

1.3.2 Navegando em uma comunidade virtual de axé 48

2. EXU E O CIBERESPAÇO: LOUVO A EXU, LOGO! 66

2.1 A virtualidade e as identidades no ciberaxé 69

2.2 Cultura, internet e ciberaxé 73

2.2.1 Modos de ser e fazer do povo do candomblé em constantes transformações 74

2.2.2 Hibridação dos saberes do candomblé no ciberespaço 80

2.3 Subjetividades na rede ciberaxé 83

3. ENTRE OS “NÓS” DA REDE: NAVEGANDO POR DENTRO DAS NARRATIVAS E SUBJETIVIDADES DO CIBERAXÉ 89

3.1 “Pororoca” 90

3.2 O caçador 100

3.3 Iyawô 108

3.4. Dofonitinha 115

3.4.1 A Dofonitinha provoca um debate!! 120

3.5. Iyalorixá 125

3.5.1 As narrativas de si da Iyalorixá 127

4. MAÍRA AZEVEDO: INFLUENCIADORA DIGITAL NA REDE CIBERAXÉ 136 4.1 Itinerância do pesquisador encarnado à influenciadora do ciberaxé 137

4.2. “Sou Preta, Gorda, Periférica, Mãe Solo, Nordestina, Candomblecista e Jornalista!” 139

4.3. Virtualidade real de “Tia Má”! 144

4.4. O privado, o público, o segredo e a visibilidade no ciberaxé: eis a questão! 150

CONSIDERAÇÕES FINAIS 160

REFERENCIAS 168

GLOSSÁRIO 172

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APRESENTAÇÃO

I – Te ofereço, Exu, minhas palavras!

Figura 1:Desenho de Exu

Fonte:fabebook, página pessoal,11/09/2019

Palavras têm poder de construir lembranças, sonhos, destruir vidas, projetar esperanças. Palavras podem ser meio, como também podem sintetizar um fim, há muito, almejado. Palavras determinam nosso destino, mas, às vezes, conseguem desfazer nossa existência. Escritas ou faladas elas estão no mundo, traduzindo o vivido e até o concebido; e a depender da boca ou da mão que sai, têm alcance e poder incrível. Palavras podem ser usadas de inúmeras formas. Aqui lhe ofereço as minhas, Exu como chave de transformação.

Peço-lhe um pouco de teu hálito sobre elas, para que possam traduzir o segredado nas minhas itinerâncias e observações, neste novo espaço que sai da “caixa”, criada por homens e mulheres, intocável, porém com capacidade de aproximar mundos, coisas, pessoas, transgredindo qualquer limite pensado. Não se preocupe, Exu, pois, na cabaça, os segredos, permanecem guardados! Porque, por mais que dedos ágeis manuseiem, habilmente, teclados, guardando palavras faladas, de quem por ouvido aprendeu, esquecem aquilo que vai junto no

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sopro da palavra e não pode ser transcrito. Sou desses! Digo, mas não falo. Porém, aqui lhe peço sua destreza e poder de articular, em seu nome, vós que guardais o axé!! Laroyê!

II - Saluba Nãnã! Para desembaraçar nós e fios.

Aprendi no candomblé a me apresentar trazendo minhas raízes: nasci filho de Jorge Braga e Zélia Francisca. Aos 21 anos, renasci no candomblé, no terreiro Ilê Axé Oxumarê, no fim de linha da Federação (Salvador-BA), que é dirigido pelo Babalorixá Silvanilton da Encarnação, o Babá Pêcê, como é mais conhecido. Fui confirmado ogan, com posto de assogbá, para ajudar minha mãe-de-santo, a Iyá Marlene de Nanã, também filha do terreiro Oxumarê, mas que estava no processo para fundação de sua roça, o Vintém de Prata1. Deste preâmbulo saem diferentes conexões, que funcionam como linhas, entrelaçando motivações, experiências, expectativas, saberes apreendidos, pessoas, configurando uma rede. Isto é uma construção minha, perante a qual interrogo, a princípio na expectativa de perceber melhor o fenômeno e buscar suporte para conclusão desta tese. Adoto esta postura de sujeito encarnado, a partir da contribuição de Paz, ao afirmar que:

Firmar-se como sujeito nesta condição é assumir uma conduta epistemológica onde as marcas corpóreas, os sentimentos e pertenças do sujeito-pesquisador constituem-se em potência criadora, insurgindo-se contra os cânones científicos pautados em uma razão pura e absoluta. Reconhecer-se como pesquisador encarnado é produzir a inversão no jogo da ciência hegemônica, que, no seu fazer, subalternizou e apagou os saberes e lógicas dos grupos e culturas compreendidas como menores. Encarnar as singularidades, marcas e trajetórias na pesquisa é romper com a modelagem científica produzida a partir do pensamento moderno, pois este instituiu o culto exacerbado à razão, negligenciando a complexidade do mundo. (PAZ, 2019, p.15)

Portanto, na condição de sujeito encarnado, que primeiro criou laços com o axé e só depois fez as leituras sobre a construção do conhecimento através da ciência ocidental, peço licença a minha mãe Nanã, representação do conhecimento entre as divindades africanas, a sapiência no desembaraço destes fios, que ora apresento! Uma primeira linha deste emaranhado, diz respeito a minha trajetória formativa, paralela à inserção no candomblé, quando terminava o curso técnico na antiga Escola Técnica Federal da Bahia – ETFBA2: período de intensa atividade na militância estudantil, nas manifestações políticas e na construção de minha

1 O terreiro Vintém de Prata está localizado na Estrada Velha do Aeroporto, Salvador - BA. 2 Atualmente é o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA.

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identidade racial. Ao final deste curso, procurei por trabalho, realizei várias atividades informais e, neste itinerário, enveredo pelo ensino e gosto da experiência!

Diante do insucesso na busca de emprego como técnico, me restava estudar, valor aprendido em casa. Fiz parte da primeira turma de alunos do atual Instituto Cultural Steve Biko. Lá, conheci pessoas como: Luiza Bairros, Jaime Sodré, Valdo Lumunba, Maisa Flores, Silvio Humberto, Maria Nazaré Lima, dentre outros/as, que ajudaram a me tornar quem hoje sou. Quando consegui entrar na universidade, em 1995, após três tentativas frustradas, ingresso levando toda esta bagagem e, na universidade, percebi que poderia ressignificá-la.

Uma nova linha se inicia no curso de pedagogia. A docência havia me seduzido! Na metade do curso, ingresso na iniciação científica, no Projeto Memória da Educação na Bahia, e novos horizontes se abrem, dentre eles conhecer a experiência educacional do terreiro Ilê Axé Opo Afonja3. O que li e vi neste terreiro, sobre a educação produzida, era a minha primeira constatação de subversão da ciência ocidental, ao se destacar o potencial pedagógico dos saberes do candomblé. Sempre acreditei nos valores do axé e em suas possibilidades para construção pessoal, contudo aquilo era novidade, um discurso pedagógico a partir do fazer da roça. Foram inspirações que subsidiaram minha pesquisa no curso de especialização lato-sensu, na UNEB, gerando um entrelaçamento de linhas, ou seja, minha trajetória no candomblé e na academia poderiam também se alinhar.

Contudo, uma terceira linha estava em curso. O convívio com minha família-de-santo na roça me implicava em uma atuação intermediária, entre os conhecimentos acadêmicos e as experiências aprendidas de meus mais velhos/as no axé. O lugar privilegiado, no terreiro Vintém de Prata, me proporcionava exercitar o apreendido como “educador”, com escuta sensível, buscando entender as dificuldades e questionamentos daqueles/as neófitos no culto, mas também como “sacerdote”, ao assegurar princípios apreendidos e relacionados com o cargo que me foi atribuído. Uma tarefa difícil, pois, no candomblé, ainda que existam princípios como coletividade, respeito aos diferentes sujeitos e às subjetividades, dentre outros, trata-se de uma instituição forjada dentro da sociedade brasileira e, portanto, que absorveu também suas mazelas. Nossos sacerdotes e sacerdotisas, mesmo pautadas por outra lógica diferente daquela da sociedade capitalista que, a partir de dominação, aniquila as diferenças, acabam reproduzindo, nas relações com sua família-de-santo, práticas que, a princípio, são lidas como autoritárias, machistas e sexistas. Receava incorrer no mesmo equívoco de exercer um modelo

3 Este terreiro foi fundado por Eugênia Ana dos Santos, a Mãe Aninha, Oba Biyi, por volta de 1830. A iniciativa

educacional da mini-comunidade Obá-Biyi , fundade dentro desse terreiro, teve como um de seus idealizadores O Mestre Didi, Deoscóredes Maximiliano dos Santos.

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de liderança sacerdotal, tal qual encontramos fora dos limites do sagrado, em várias instâncias da sociedade.

Em meu favor, contra o medo acima, havia o “lugar de escuta” das pessoas que ingressam no axé. Isto sempre me foi mais fácil, por enfrentar dificuldades semelhantes: conciliar atividades acadêmicas com a rotina de trabalho, as cerimônias no âmbito do culto, além da necessidade que sentíamos de vivenciar outros espaços de interação social (família, amigos, festas etc.). Entretanto, nos meus primeiros anos de convivência na casa de Oxumaré, percebi que ocupar outros papéis sociais, diferentes daqueles mais comumente exercidos pelos demais filhos e filhas-de-santo da comunidade, tornava-se um fardo a mais, sobretudo se isto significava conciliar as tarefas do axé com os estudos da faculdade, por exemplo. Eis mais uma linha, a quarta talvez, com a narrativa do aprendizado no terreiro Oxumaré.

Nesta época havia poucos membros da roça do Oxumaré na universidade4, reflexo do contexto social deste período, no qual o ensino superior não representava horizonte para muitos/as oriundos/as das classes sociais de baixa renda, que eram a maioria dos integrantes deste terreiro, no início da década de 90. Outro dado interessante, deste meu primeiro período de aprendizado do candomblé foi o protagonismo das velhas senhoras da roça, minhas egbomis, com seus dizeres versados, postura austera, silêncios gritantes, olhares e bocas que precisavam ser decodificados em cada situação. Disciplina, rigor e compromisso eram atributos que eu precisava demonstrar nas pequenas tarefas cotidianas para paulatinamente, ir ganhando o respeito e a confiança daquelas mulheres. Não consegui isto em um dia. Passei muitas experiências boas e ruins. Levei tudo isto como referência para ensinar aqueles que chegariam ao Terreiro Vintém de Prata, mas também queria modificar, melhorar algumas condutas, por acreditar que não precisava reproduzir muitas das dores sentidas, por considerar algumas posturas estereotipadas.

Voltando a falar do terreiro Vintém de Prata, procurava imprimir outra relação com os/as filhos/as-de-santo da casa. No Vintém, a maioria das pessoas estavam iniciando sua vida religiosa no candomblé, sem outras experiências semelhantes, portanto com outros hábitos, rotinas, prioridades alheias e, algumas vezes, conflitantes com o universo sagrado; diferente do cotidiano da casa de Oxumaré, que vem de uma linhagem familiar, de várias gerações de parentes, dos mais antigos aos mais novos, todos crescendo em meio ao culto aos orixás.

4 Atualmente a realidade dos membros mudou. Além de terem vários/as filhos/as da casa estudando na graduação

e na pós-graduação, tem os que chegam com suas titulações acadêmicas adquiridas. Bom também frisar, que estou me restringindo aos filhos/as da casa, daquela época, moradores da cidade de Salvador, visto que existiam outros/as filhos/as residentes em outras cidades e estados do Brasil, os/as quais eu não sei informar sobre suas escolaridades.

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Portanto, se iniciar na casa de Oxumaré é encontrar hábitos já estabelecidos. No Vintém de Prata os hábitos ainda estavam sendo instituídos.

Não faço comparações de cunho qualitativo, são terreiros fundados em contextos históricos distintos e, consequentemente, com diferenças. Contudo, são estas diferenças que me ajudam a perceber os conflitos daqueles/as que começavam o percurso religioso: de cumprir resguardos, atender às exigências dos rituais, guardar princípios e valores, que minhas egbomis tanto me cobraram, em meu período de aprendizado na roça do Oxumaré. O perfil destas pessoas também me chamava a atenção: muitos militantes de movimento social, professores, estudantes universitários, profissionais de empresa privada, desempregados/as, com rotinas que a inserção na dinâmica do axé lhes exigiria algo radical. Muitas delas tinham, em seus passados de vida, heranças de parentes ligados ao candomblé. Porém, por motivos diversos, romperam a ligação e agora procuravam (ou, ao menos tentavam) reatar sua relação com a religião.

Este era o novo perfil das pessoas que chegavam para o candomblé, não só no Vintém de Prata, como também no Oxumaré e em várias casas de candomblé com quem eu mantinha contato. De certa forma, isto era compreensível, na medida em que os processos de busca identitária e afirmação cultual negra estavam em curso na sociedade de muitas formas (as políticas afirmativas e a ampliação de acesso para universidades; a efervescência dos blocos afros de Salvador, no final do século XX e início do XXI; a conferência de DURBAN, a lei 10.639/2013 e a construção do Estatuto da Igualdade Racial etc.) e, neste processo, a desconstrução do medo em relação aos terreiros de candomblé fez com que as pessoas procurassem reencontrar suas raízes esquecidas.

Esta nova configuração de membros, compondo os terreiros, permitia-lhes outras formas de interação com a sociedade. Assim, iniciativas nas áreas educacionais, de saúde e profissionalização eram reproduzidas em vários terreiros de candomblé, em Salvador, impulsionadas por programas governamentais ou iniciativas como as do CEAFRO-CEAO/UFBA5. O terreiro Vintém de Prata esteve nestas experiências, oportunizando aos seus

integrantes outros protagonismos (como professores, gestores, profissionais da cultura, da saúde etc.) em prol do fortalecimento sociocultural de sua comunidade e dos moradores em seu entorno, em especial dos jovens. Ação importante, do ponto de vista político, mas que trouxe novas rotinas para dentro destes espaços litúrgicos, pois se, no passado, os terreiros acolhiam pessoas do entorno para atendimentos religiosos e socialização, agora o formato de intervenção

5 O CEAFRO foi um programa do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) que é vinculado a Universidade

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pressupunha planejamento, projetos, ação sistematizada a partir de conhecimentos específicos, diferentes dos saberes tradicionais do candomblé. O fato é que esta interação entre pessoas oriundas de diferentes comunidades de conhecimentos (tradicionais e epistêmicos) propiciou não só a disseminação e a desmistificação de estereótipos negativos, construídos, historicamente, sobre os terreiros de candomblé, como espaço a possibilidade de pensar estes locais enquanto um manancial de pressupostos epistemológicos para novas proposições educacionais. Foi o que fiz em meus estudos na especialização e no mestrado, ambos na Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

Estas linhas, acima, dissecadas, se entrelaçam e formam uma teia, uma rede, que me propicia pensar e elaborar. Assim, termino a pesquisa na especialização e disputo uma vaga no Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade, da UNEB. Agora, meu esforço é para investigar o aprendizado dos rituais, ir além do que Mestre Didi fez, mas também acreditando em processo educativo peculiar. Assim, surgiu a Pedagogia do Candomblé. Esta pesquisa ocorreu em uma roça diferente de onde me iniciei: o Ilê Axé Obanã, situado em Lauro de Feitas (BA).

Novas linhas começam e se configuram. No período do mestrado, participo de vários encontros de pesquisa, dentro e fora do Estado da Bahia. Foi um período também em que ocorreram vários fóruns, se propondo a discutir a aplicação da lei 10.639/20036 nas escolas da

educação básica. Convidavam-me para tratar do tema religiosidade afro-brasileira e de como abordá-la em sala de aula, um assunto que, segundo as falas dos/as professores/as, gerava polêmicas entre os estudantes e seus pais. Descobri o quanto os profissionais de educação carecem de orientações quanto a aplicação da lei 10.639/2003 e a como lidar com a religiosidade afro-brasileira nas escolas. Foi então que, em 2005, recebi o convite para trabalhar na Secretaria da Educação e Cultura do município de Candeias-BA (SEDUC), atuando como coordenador de Educação e Pluralidade Cultural.

Além de Candeias, outro lugar significativo foi a Universidade do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de Jequié, no programa ODEERE7, fundado pela Prof.ª PhD Marise de Santana. Ministrei, por vários anos, aulas naquele curso de extensão. Nessa caminhada, já em 2014, começo a frequentar, como ouvinte, a disciplina Diferença e Tradição: Cultura e Diversidade no Pensamento Social Brasileiro, do Programa de Doutorado Multi-institucional

6 Lei que trata da obrigatoriedade da inserção de conteúdos referentes a história da África e cultura afro-brasileira,

nos currículos das escolas de Educação Básica,

7 Fundado inicialmente como curso de extensão para formação de profissionais para atuar com educação e relações

étnico-raciais, agora em 2014 tornou-se um Programa strictu sensu de Pós-graduação em educação e relações étnico-raciais.

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e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento, ministrada pelo Prof. Dr. Eduardo Oliveira (UFBA/DMMDC).

Embora tenha participado de poucos encontros, percebi, nas discussões, que poderia não só continuar a discutir o processo pedagógico na roça, mas também ampliar o debate, dialogando em torno dele, acessando outras áreas do saber, sobretudo, porque as comunidades detentoras dessas tradições vêm passando por transformações. Essa foi a impressão adquirida, no contexto da disciplina, o que me inspirou a formular o projeto, pleiteando vaga para doutoramento no programa8. A experiência foi ainda mais significativa porque no mesmo ano, 2014, em novembro, conheci a prof.ª Dr.ª Teresinha Fróes (UFBA/DMMDC), quando ministrou a 1ª aula magna no recém criado programa strictu sensu de pós-graduação em Educação e Relações Étnico-Raciais da UESB/ODEERE. Na ocasião, ela tratou das diferentes comunidades produtoras de saber e da responsabilidade que os novos cursistas tinham em um programa com tal perfil, para fazer a difusão do conhecimento das comunidades quilombolas, indígenas, de matrizes africanas, ainda visto de forma desigual em relação aos demais conhecimentos, sobretudo os acadêmicos.

Na aula magna, fui presenteado, pela prof.ª Terezinha Fróes, com o livro “Análise Cognitiva e Espaços Multirreferenciais de Aprendizagem”. A leitura sobre o campo da análise cognitiva e as experiências desenvolvidas pelo grupo CAOS9, dialogando sobre o quanto tem

sido tarefa árdua o trabalho com diversos sistemas de estruturação do conhecimento (cientifico, tecnológico, artístico, religioso etc.) e com diferentes tipos de conhecimento, procurando instituir formas de interação entre eles e entre as respectivas comunidades produtoras, passei a pensar nas questões que vivenciava em minha roça de candomblé, cujo público atual era bem mais diversificado, transitava em várias destas comunidades produtoras de conhecimento o que talvez justificasse as tantas tensões nas relações entre os membros, quanto ao cumprimento dos princípios e valores do candomblé. Até porque, estas pessoas, ainda que não transitassem nas diferentes comunidades, podiam burlar mecanismos tradicionais (situação específica das comunidades de candomblé) e valer-se do ciberespaço para acessar os saberes destas que lhes eram estranhas. Esta era uma realidade também para as religiões afro-brasileiras, que já há algum tempo, vêm assegurando seu espaço na esfera virtual da internet. Polanyi (1976, apud. FRÓES BURNHAM, 2012) diz que estabelecer comunicação entre os sujeitos – individuais e coletivos – produtores de conhecimento, de comunidades diferentes, exigem processos

8 Programa de Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento.

9Grupo de pesquisa em Conhecimento: Análise Cognitiva, Ontologia e Socialização, criado em 2010 e vinculado

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mediadores mais elaborados, capazes de transformar a complexidade em linguagens próprias ou equivalentes, além de experiências em que se compartilhem conhecimentos tácitos, ao tempo em que se intercambiam modos de viver as respectivas culturas e as atividades ordinárias do cotidiano. Isto direcionou meu olhar para o fenômeno da difusão de saberes do candomblé, via ciberespaço, redes sociais e mídias digitais.

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INTRODUÇÃO

As religiões afro-brasileiras estão no ciberespaço. E não se trata de um fenômeno novo. A partir do final dos anos 90, diferentes atividades e segmentos da sociedade foram ocupando espaços na rede virtual. O mesmo aconteceu com os adeptos das religiões afro-brasileiras, o “povo-de-santo”10. Às vezes, individualmente, noutras através de suas casas de culto, criaram

no espaço da rede web, o que nesta pesquisa vou denominar de “ciberaxé”, equivalente as homes pages, blogs, sites, os canais, em diferentes veículos digitais, com objetivos distintos, como: oferecer serviços religiosos, compartilhar suas atividades (fotos e vídeos de rituais, dos sacerdotes, das comidas, dos objetos e vestuários sagrados etc.); interagir com adeptos e simpatizantes na troca de saberes do culto; denunciar e combater violências, intolerâncias sofridas; buscar formas legítimas para assegurar o pleno exercício da cidadania e direito constitucional de expressão da fé. Até aqui, só aparecem benefícios. Mas será só isso?

O ciberespaço é um novo meio de comunicação, que surge da interconexão mundial de computadores e nomeia não só a infraestrutura material de comunicação digital, como também o oceano de informações nele contidos, assim como os seres humanos que nela navegam e o alimentam (LEVY, 1999). Para Levy, a cibercultura é um neologismo, que intitula um conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o ciberespaço. O ciberaxé é parte deste ciberespaço, mas também um neologismo criado para expressar a parte da rede dedicada a circular conteúdos sobre a religiosidade afro-brasileira (sons, imagens, textos, letras, falas etc.), através de diferentes plataformas digitais (facebook, twitter, instagram, youtube) e dispositivos eletrônicos (computadores, tablets, smartphones, celulares e demais equipamentos).

A tecnologia desenvolvida com o ciberespaço condicionou, nas sociedades modernas, detentoras destas tecnologias, os afazeres cotidianos, as relações humanas, o lazer, as atividades econômicas, comerciais e políticas. Tudo hoje encontra, de alguma forma, espaço nas redes virtuais, mesmo que concomitante aos espaços convencionais. Algo quase não opcional, dada a forma como isto está integrado em nossas vidas, sobretudo para aqueles/as das gerações mais contemporâneas.

10 O termo “povo-de-santo” é usado comumente pelos membros do candomblé da Bahia, sobretudo na cidade de

Salvador para se identificarem. O termo ficou popularizado nestas comunidades, principalmente através dos pesquisadores/as sobre religiosidade afro-brasileira, que adotarem este termo em seus escritos.

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Neste cenário de crescente digitalização, a cibercultura possibilita que as religiões afro-brasileiras, originalmente, organizadas a partir de princípios e valores tradicionais, tais como oralidade, vivência coletiva, respeito aos mais velhos, herdadas de antigas civilizações africanas, convivam com as práticas culturais das sociedades modernas. Isto, segundo Tramonte (2001), é uma lógica que resulta em um esforço de convivência que alia modernidade11 e

tradição, e indica uma atuação aberta ao intercâmbio com a sociedade como um todo, sem deixar de potencializar a informatização e comunicação eletrônica, como um canal de diálogo, democratização do conhecimento e construção de processos de incorporação cultural.

Por outro lado, estas mesmas religiões guardam peculiaridades em seu sistema de comunicação e educação. Segundo Luz (2000), o candomblé dá corpo às culturas de participação, em que a apreensão do conhecimento e das informações do código grupal só tem significado quando incorporada de modo ativo, dinâmico, nas relações interpessoais concretas que irão constituir um sistema iniciático, aprendido por meio de experiências vividas coletivamente. Ou seja, é naquilo que se sente, se cheira, se pega e se imagina que encontramos as explicações para os saberes da liturgia afro-brasileira. A aprendizagem no candomblé é pautada em uma pedagogia própria, na qual os ritos e mitos são fundamentais e têm como elementos estruturantes: o conflito, a aprendizagem vivenciada, a unidade entre dimensões objetivas e subjetivas do ser, o elemento artístico, as muitas temporalidades e o respeito ao saber dos antigos (CONCEIÇÃO, 2006)

Para Thompson (2001), a mudança tecnológica sempre foi crucial para a transmissão cultural ao longo da história, pois altera a base material e os meios de produção e recepção dos quais este processo depende. Tramonte (2001) nos diz ainda que a digitalização e a cibercultura possibilitam que as religiões afro-brasileiras convivam com as práticas culturais das sociedades modernas, pois se trata de uma lógica que resulta em um esforço de convivência que alia modernidade e tradição e indica uma atuação aberta ao intercâmbio com a sociedade, como um todo, sem deixar de potencializar a informatização e comunicação eletrônica, como um canal de diálogo, democratização do conhecimento e construção de processos de incorporação cultural. Raciocínio semelhante encontra-se nos trabalhos de Freitas (2003; 2010; 2014; 2015), Santos (2001;2002); Lopes (2011, 2012); Silva (2013), assim como a premissa do aprendizado do sagrado na vivência na roça, embora considerem importante o que se acessa no ciberaxé.

Ainda que haja esforço de convivência entre as práticas criadas e reproduzidas pelos povos-de-santo mais antigo, com as práticas mais recentes (aquelas adaptadas e/ou modificadas

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por fatores diversos) no interior das roças de candomblé, acredito que as inovações tecnológicas estejam também tensionando para que haja transformações nessas comunidades, inquirindo-as a repensar sua existência. De dentro da roça tenho acompanhado conflitos no cotidiano das relações que acredito tenham vínculo com essa difusão virtual de saberes. São frequentes as queixas de sacerdotes mais antigos, com relação ao perfil daqueles que se iniciam, em função de seus questionamentos, por resistirem às regras dos rituais e às etapas seguidas dentro do culto, conforme ensinamentos adquiridos das gerações anteriores. Já entre os que se iniciam, aparece outra perspectiva de críticas: as formas tradicionais de aprendizagem e sociabilidade do candomblé, consideram que são antagônicas ao modo de vida na sociedade atual, além de ansiarem por respostas a aspectos específicos de sua existência que os/as lideranças religiosas não conseguem responder ou não trazem soluções a contento.

Não se trata apenas de um conflito de gerações ou da diferença entre modos de vida dentro da roça “versus” fora da roça; suspeito que tenha relação com a facilidade dessas pessoas (os/as iniciantes) acessarem os saberes do culto, virtualmente, de maneira indiscriminada, em qualquer tempo, sem qualquer tipo de mediação pelos/as mais antigos/as, de forma autônoma e, em muitos casos, distantes do espaço físico da roça. Eles/as (em sua maioria mais jovens na idade cronológica) chegam trazendo “informações” pesquisadas não só na literatura acadêmica sobre religiosidade afro-brasileira, mas também no ciberaxé (blogs, sites, páginas em redes sociais, canais de vídeos e demais veículos do ciberespaço de publicação de imagens, textos e sons sobre a temática do candomblé) e problematizam os fazeres instituídos, sobretudo se diferem do “apreendido”, teoricamente, em suas “pesquisas”. Se, no passado, as possibilidades de acesso ao saber litúrgico do candomblé, fora dos procedimentos tradicionais dessas comunidades, só aconteciam através das publicações acadêmicas, por alguns poucos que conseguiam atingir os níveis escolares universitários e/ou acessavam literatura tão peculiar, atualmente, com as diferentes publicações no ciberespaço envolvendo o sagrado, qualquer pessoa pode se arvorar a expressar opiniões sobre o assunto, mesmo sem nunca ter cruzado, de fato, os limites físicos da porteira de uma roça de candomblé. E o mais interessante, um internauta afro-religioso12 pode conseguir seguidores virtuais, sejam eles/as pertencentes ao povo-de-santo ou não!

Um exemplo ilustrativo dessa problemática, trago de minha convivência com aqueles/as que entram para a feitura do santo13. Temos os/as que possuem laços consanguíneos com

12 Expressão usada na dissertação de mestrado de Silva (2013)

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pessoas da família-de-santo14, e, portanto, com mais probabilidade de ter crescido em um universo que lhes é mais conhecido15. Para este perfil de iniciado/a, o acesso aos saberes do

candomblé, pelas redes virtuais, pode funcionar como um incremento, um espaço de trocas culturais, algo a mais no processo de interação, aprendizagem e formação do sujeito e para sua comunidade litúrgica. Porém, existem aqueles que não possuem esta consanguinidade, muitas vezes, alheios à dinâmica e à realidade física e material de uma roça de candomblé. É frequente só interagirem com esses espaços no processo de feitura-do-santo. Para o segundo perfil que, por curiosidade, acessa, antes do seu processo de iniciação, experiências similares disponíveis no ciberaxé, a interpretação sobre os saberes visualizados, virtualmente, pode assumir outros significados.

O virtual, para Pierre Levi (1999), não se opõe ao real, nem ao material. Ainda que não esteja fixo em nenhuma coordenada de tempo e espaço, o virtual existe, ele é real, mas está desterritorializado. Portanto, a virtualidade para o segundo perfil de iniciados/as, que interagem no ciberespaço, pode ter um valor mais significativo. O ciberespaço, ainda segundo a concepção de Levy, amplifica, exterioriza e modifica funções cognitivas humanas, como o raciocínio, a memória e a imaginação, desenvolvendo outra maneira de se relacionar com o saber16.

Ora, conheci muitas pessoas que, às vésperas do processo da feitura do santo, manifestaram expectativas e dúvidas em função de terem tomado conhecimento, antecipadamente, através da leitura17 ou por terem ouvido e/ou visto publicações sobre os

procedimentos internos ao culto. Coisas antigamente guardadas, como fundamentos do sagrado, atualmente encontram-se divulgados indiscriminadamente, em diferentes formatos e mídias! E não só os/as que se iniciam manifestam esse comportamento! Entre os já iniciados/as também; nestes casos, buscando aprimorar seus conhecimentos, através das consultas virtuais, lançam questionamentos sobre práticas consideradas, até então, como de “tradição” imutável.

Esses fenômenos, provocados pela inserção da tecnologia de comunicação, via internet, ao universo do candomblé, sobretudo através de seus adeptos, sugere mudança, de maneira

14 Nome dado aos membros iniciados e pertencentes a uma mesma casa de candomblé.

15 Os laços consanguíneos, no candomblé, são irrelevantes para formação das família-de-santo, bem como para

definição dos papeis nessas comunidades. Porém, a referência à consanguinidade no texto foi para destacar um crescente fenômeno da atualidade: o da aproximação de novos membros para o candomblé sem laço consanguíneo ou relações de amizade com os membros da roça e sem proximidade física onde este se localiza. Para essas pessoas o aprendizado cotidiano requer outros arranjos.

16 Embora faça, nesta tese, a associação do virtual com o ciberespaço importa dizer que para Levy o virtual vai

além da tecnologias digitais. Como exemplo, ele cita a palavra “árvore” como uma entidade virtual capaz de representar a árvore que está situado em um dado lugar e tempo.

17 Desde Nina Rodrigues (1935) até os dias atuais, são muitas as publicações acadêmicas no campo dos estudos

afro-brasileiros, com intelectuais brasileiros e estrangeiros, estudando as várias manifestações da religiosidade africana que se reestruturaram no Brasil, no período pós-abolição.

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geral, na forma como as pessoas se relacionam entre si e com mundo. Portanto, está relacionada ao fenômeno da cultura, mas com desdobramentos em outros setores sociais, como na política, economia, comercio, educação, etc. Neste sentido, o candomblé, mais cedo ou mais tarde, também seria afetado. Assim, a pergunta inicial dessa investigação era: como se estrutura esta rede virtual difusora de conhecimentos sobre o candomblé? Para isso, escolhi a plataforma facebook e um grupo fechado dentro dele, que tem como objetivo principal trocar informações sobre candomblé. Afinal de contas, o novo é a inserção da comunicação virtual no que se refere à disseminação de saberes do culto! Porque as formas tradicionais usadas no cotidiano das comunidades, para transmissão e perpetuação de sua existência, como linguagem corporal, símbolos, musicalidade são aspectos que diferenciam e identificam estes grupos perante outros segmentos sociais.

Entretanto, durante a pesquisa, à medida que fui acompanhando as postagens no grupo do Facebook selecionado, me apropriando de características do mesmo, compreendendo sua dinâmica de funcionamento e, paralelemente, desenvolvendo leituras para construção de uma perspectiva teórica que fornecesse o entendimento para as questões de partida da pesquisa, me dei conta de que o ciberaxé, enquanto pequena parte dentro da rede maior que é o ciberespaço, cujo tema central é o candomblé, tem como “nós” as pessoas, os internautas, que podem ou não ser membros do candomblé. Esses “nós” geram interações, “laços”, a partir dos diferentes temas produzidos por estes sujeitos, em suas relações com o candomblé. A estrutura, portanto, já estava dada, tornando irrelevante a minha pergunta inicial!

Por outro lado, comecei a perceber que a rede ciberaxé, enquanto meio, fornece possibilidades, alternativas que interferem na conduta dos sujeitos vinculados a essa rede, mas também fora desde espaço. No caso, me refiro às subjetividades expressas por esses internautas, nos levando a criar interpretações de como estabelecem relação com a comunidade do candomblé e com o sagrado. São novas formas de sociabilidade produzidas com o advento dos meios virtuais, que passam a coexistir com as práticas tradicionais de transmissão e difusão do axé e que geram implicações na dinâmica interna das comunidades. Acreditei serem esses efeitos produzidos pelo fenômeno da rede ciberaxé e que, com um estudo mais aprofundado, poderia compreender melhor como vem se dando esse processo.

Então, formulei como pergunta de partida a seguinte questão: De que forma a rede ciberaxé influencia seus usuários? Na sequência, estabeleci como objetivo geral da pesquisa: Analisar a rede formativa e de difusão virtual de conhecimento do candomblé – o ciberaxé, a partir de uma de suas plataformas – o Facebook. Os objetivos específicos foram: 1) Mapear e classificar as publicações no Facebook consideradas do ciberaxé; 2) Analisar a

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produção de alguns “nós” (os/as usuários/as) da rede ciberaxé, em um grupo específico do Facebook; 3) elaborar reflexões sobre a influência da rede ciberaxé para as comunidades de candomblé. A pesquisa me levou a concluir que o ciberaxé é uma rede, que faz parte de uma rede maior, virtual e mundial de comunicação entre computadores e similares18. No caso

específico da rede ciberaxé, ela se dedica à circulação e difusão de conteúdos do universo religioso afro-diaspórico19; sob o formato de imagens, sons, textos e vídeos (os laços desta rede), tanto de forma separada como conjugada, entre adeptos e simpatizantes (os nós desta rede) conectados as diferentes plataformas virtuais disponíveis. A rede ciberaxé se constitui em um novo espaço de sociabilidade; e a produção de subjetividade individual e coletiva entre seus usuários representa o grande diferencial pois insere mudanças na lógica tradicional de socialização e aprendizagem dos saberes sagrados nas comunidades de candomblé, ao mesmo tempo em que abre espaço para o tensionamento de práticas do culto consideradas tradicionais e inalteráveis.

Esta é uma pesquisa baseada na etnografia virtual (HINE, 2004; RECUERO, 2015) realizada na plataforma do Facebook. Umas das primeiras atividades foi estabelecer a construção de um campo20 para ser estudado. A partir de então, foi possível mapear alguns exemplos de internautas (o passo a passo dessa escolha aparece no próximo subtópico) que, desde a forma como se apresentam na rede, passando pelo que compreendem do candomblé e assuntos correlatos, ao fazerem questionamentos, compartilharem produções alheias, utilizando diferentes formatos (imagens, sons, vídeos e textos) e gêneros textuais externam suas narrativas e criam um espaço de interlocução virtual capaz de interferir na subjetividade daqueles/as conectados na rede ciberaxé. O estudo do corpus da pesquisa seguiu os procedimentos adotados por Gill (2003), para análise de discurso, e de Penn (2003), sobre semiologia aplicada a signos linguísticos e não-linguísticos com os quais realizo exame minucioso dos diferentes gêneros textuais e das imagens e fotos postadas por um grupo de internautas, escolhidos a partir de critérios definidos na tese.

18 Refiro-me aos smartphones, tablets, notebooks e demais dispositivos moveis possíveis de se conectar à internet. 19 São as experiências religiosas de matriz africana criadas no Brasil, mas também, em outros países que costumam

ser compartilhadas nas redes sociais virtuais.

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1.1 Motivações teórico-metodológicas

A problemática apresentada foi concebida, inicialmente, em meu convívio em comunidades do candomblé, nas quais seus membros estão se vendo impelidos, mesmo com divergências internas, a repensar a relação com o sagrado, dadas as possibilidades, hoje, da disseminação de ideias através dos meios de transmissão de saber virtual, veiculando conhecimentos do culto. Trata-se de mais um processo de transformação e adaptação experimentado pelas populações negras, desde o pós-abolição, em suas diferentes formas de manifestação da religiosidade afro-brasileira, espalhadas pelo Brasil.

Esta potencialidade, para estar sempre em renovação contínua das expressões culturais negras, reflete, em parte, a maneira como os descendentes de africanos daqui interpretaram as circunstâncias objetivas encontradas em seu entorno. Valendo-se do repertório de que conhecimentos que dispunham, perante condições adversas, passaram a imprimir sentidos às coisas e às formas de fazer existentes, atribuindo-lhes suas crenças e visão de mundo. São signos e sentidos que passaram (e continuam passando) por readaptações, práticas sincréticas e demais processos de hibridização, tendo como objetivo maior a preservação do legado, a continuidade do rito. E, realizar o rito, cumprir o ritual significa dar conforto para o povo-de-santo, é enfim celebrar, mesmo que no percurso haja excessos ou faltas, porque o que caracteriza o êxito do rito é o esforço em realizá-lo, é se direcionar colocando todo seu empenho para a realização do ato. Os elementos que compõem o ritual (as vestes, as comidas, a música, os instrumentos, etc.) são circunstâncias, são adaptações, conforme o lugar e tempo.

Estas são compreensões inspiradas em autores como Hall (2009), Sodré (1988 e 2005), Luz (1995), Oliveira (2007), Sousa (2003), dentre outros, dedicados a análisar as transformações sociais, sob o viés da cultura, bem como os sentidos imbuídos nas construções culturais produzidas pelas populações negras nas diásporas. Assim, busquei abstrair destas discussões subsídios para o que ocorre no Brasil, mais especificamente no contexto dos candomblés de Salvador (BA). Os impactos das tecnologias de comunicação virtual na sociedade têm feito parte da tônica de produção de conhecimento em áreas, como filosofia (LEVY,1999; SANTAELLA, 2013), sociologia (CASTELL,1999), comunicação (SODRÉ, 2012; SIBÍLIA, 2016; MORAES, 2001).

Nesta pesquisa, parto dos conceitos de ciberespaço, virtualidade, cultura e subjetividade, apresentados por este autores, para um diálogo a partir da compreensão de Exu (entidade nagô e um dos princípios cosmológicos do sistema religioso afro-brasileiro, é ele que estabelece a dinâmica do sistema) sob duas perspectivas: uma, enquanto símbolo que representa a

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comunicação via ciberespaço, na qual tudo está dentro, tudo vem sendo assimilado, da mesma forma que Exu tem a “boca que tudo come”. A outra, concebe Exu e os mitos em torno dele como fragmentos de pensamento de um coletivo e como tradutores de uma compreensão de mundo. Uma sabedoria similar, que perpassa histórias ouvidas de sacerdotes mais velhos no candomblé, e outras experiências vivenciadas nessas comunidades.

São esses entendimentos sobre Exu que uso para dialogar com os conceitos mencionados e para demostrar que, sob uma certa lógica, muitos deles mostram sintonia com o universo simbólico de culto aos orixás, voduns e inquíces, desfazendo a ideia de que as posturas exigidas aos usuários do ciberespaço sejam, diametralmente, opostas aos modos de ser e agir exercidos pelo povo-de-santo. Há, em verdade, muitas semelhanças. A construção dessa narrativa, consagrando à dinâmica litúrgica do candomblé a possibilidade de ser fonte de referencial epistemológico, se apoia em trabalhos de autores aqui já citados.

1.2 Estado da arte: quando o trabalho está prestes a terminar, Exu reabre!

Seguindo esta perspectiva, segundo a qual Exu nos inspira a seguir uma lógica de pensamento, trago a referência do círculo que, nos cultos afro-brasileiros, é uma representação marcante. O círculo que os adeptos do candomblé fazem quando vão dançar o xirê, que equivale ao momento quando celebram, dançando e cantando para os orixás, inquices ou voduns. Trata-se de momento solene, no qual danças e cantigas entoadas invocam o sagrado, Trata-seguindo uma ordem: Exu é o primeiro reverenciado, enquanto Oxalá é quem fecha este círculo. Contudo, círculo não tem início nem fim. Exu, que está no começo, ao fechamento de cada círculo, reabre, estabelecendo um novo, formando um ciclo contínuo; o que condiz com seu papel transformador. Assim, ao pesquisar estudos anteriores a este, sobre candomblé e ciberespaço pensei nas lacunas relacionadas a este campo de discussão, mas também nas transformações possíveis em função da natureza dinâmica e inovadora das TICs.21

Um dos primeiros dados encontrados foi a baixa produção sobre o assunto, no cenário acadêmico nacional. Cabe destacar que a maioria são pesquisas originárias de programas de pós-graduação, nas áreas de antropologia, comunicação e interdisciplinar, todos publicados a partir do ano 2000, coincidindo com o período de desenvolvimento da rede internet no Brasil.

21 Importa dizer que as TICs se referem a inúmeros tipos de tecnologias, dentre as quais temos as tecnologias

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Um dos primeiros trabalhos neste campo é a tese de doutorado de Ricardo Freitas, defendida em 2002 e publicada em 2014, que reúne dados pesquisados entre março de 1998 e dezembro de 2001, envolvendo a presença dessas comunidades na internet. Nela, o autor procura analisar o lugar ocupado pela mídia para reconfiguração do campo afro-religioso, a partir da popularização do acesso às tecnologias digitais pelas classes populares brasileiras e, mais especificamente, pelos adeptos das religiões brasileiras. Ele diz ter sido motivado pelas transformações ocorridas nessas religiões centradas na tradição oral, após processo de midiatização e hipertextualização do sagrado. Em função disso, Freitas traz dois destaques: a importância do uso das novas tecnologias digitais pelos adeptos das religiões afro-brasileiras, ressignificando práticas litúrgicas, em contraposição às narrativas míticas que perpetuam traços e formas religiosas através da oralidade; o outro destaque refere-se a exploração da dimensão estética e artísticas, destas comunidades na internet, corroborando frivolidades, extrapolando os limites do sagrado e do religioso e apresentando sua faceta mais profana, que é a espetacularização. O objetivo da pesquisa foi entender o modo como o uso das novas tecnologias de informação e comunicação e a apropriação das tecnologias digitais pelo povo-de-santo constroem novos modos de sociabilidade, que se concretizam no plano do mundo virtual, como realidade off-line22 (FREITAS, 2014, p.11).

O trabalho chama atenção para o porquê de a internet, na época em que foi feita a pesquisa, estar restrita às camadas sociais com maior poder aquisitivo, portanto um mecanismo de comunicação ainda não popularizado. Entretanto, no início da década de 90, os brasileiros que moram fora do Brasil e estrangeiros diversos, que possuíam alguma relação/afinidade com o candomblé, estabeleciam contatos virtuais com o povo-de-santo daqui, através das listas, fóruns e grupos de discussão que configuravam as comunidades virtuais reunidas em torno de interesses comuns. Para Freitas (2014, p.15), este momento de ciberinformatização das religiões afro-brasileiras se relaciona a transnacionalização dessas, ou seja, à “exportação” das formas religiosas afro-brasileiras para os Estados Unidos e Europa. Contudo, o estudo sobre a sociabilização proporcionada pela internet, conectando adeptos e simpatizantes das religiões afro, brasileiros e estrangeiros, em alguns casos, até de outros segmentos religiosos, não discutiu o desdobramento disso para o interior dos cultos, tampouco se propôs a analisar as compreensões produzidas pelos seus participantes.

22 Nesta pesquisa o autor utiliza a expressão off-line para distinguir quando for tratar de realidade virtual, realidade

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Em um artigo publicado em 2003, Freitas traz uma análise sobre “o lugar ocupado pelos meios comunicacionais e pelas novas tecnologias de comunicação para a reconfiguração do campo religioso afro-brasileiro – mais especificamente do candomblé” (FREITAS, 2003, p 63). A primeira referência do autor, indicando interferência no modelo afro-religioso-brasileiro, criado pelos descendentes de africanos escravizados, é a tradição oral, citada como “instrumento para implementação e perpetuação desse sistema no século XIX”, mas que, a partir do século seguinte, inúmeros trabalhos bibliográficos voltados ao estudo do candomblé, de diferentes formas, muitas inclusive desvelando segredos e rituais antes restritos aos integrantes do culto, suscitaram de certa forma, fragilização no referencial da oralidade, dada a importância que os adeptos do candomblé davam a essas publicações (FREITAS, 2013, p.67). Segundo o autor, as publicações seriam “uma reelaboração do acervo memoralista e da narração mítica, tradicionalista e metafórica afrobrasileira”, que outrora se encontravam na tradição oral, contudo:

[...] a religião atextual, centrada na oralidade, vai, aos poucos, transformando-se numa religião textual, tecnologizada e, por fim, digital [izada] ou hipertextual [izada] – por conta da pressão e sedução causada pelas forças midiáticas e da inclinação que essas religiões têm para [re] formular processos de fusão, [re] adaptação e [re] articulação.(Idem)

Freitas diz que, a partir da aparição do candomblé na produção editorial, em seus diferentes tipos (literatura científica e ficcional, jornais e revistas), as transformações dos meios de comunicação encarregaram-se de integrar em seu acervo, diferentes formatos (desde as radiofônicas até as ciberinformacionais) de produções sobre o candomblé, que passa a reorganizar as formas tradicionais de culto e lhe permitiram mais visibilidade, tanto no Brasil como no exterior. Em seguida, Freitas em seu artigo, começa efetivamente sua análise sobre os diferentes formatos comunicacionais: os impressos, as radiofônicas, as de cinema e TV e, por fim, as da internet.

Em outro artigo, o autor faz reflexões sobre um projeto de pesquisa em andamento, que objetiva investigar a forma como jovens de religiões afro-brasileiras elaboram estratégias coletivas de cooperação, através de ações colaborativas organizadas, com base na utilização de novas tecnologias de informação e comunicação (NTCI) e nas redes sociais, visando verificar a importância do acesso às NTCI e à internet para a reogonização de grupos e comunidades desprestigiadas pelos diferentes recortes: de gênero, raça, classe, pertencimento religioso e regionalismo (FREITAS, 2015, p.612). Nesta apresentação do objetivo do projeto de pesquisa, um dos princípios que bem caracterizam as comunidades do candomblé – cooperação e

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