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Fonte: grupo selecionado, em 07/07/2018

BOCA FECHADA

[1] Não é nem nunca foi o foco da Soul Yawo tratar sobre assuntos ritualísticos, nem apontar "marmotagens" ou seja lá o que for denegrir ou explanar ainda mais a nossa religião que já é tão espezinhada por seus próprios fiéis, [2] nosso objetivo sempre foi tratar da ORIENTAÇÃO DE CONDUTA HUMANA [3], e hoje, vamos falar de [4]uma conduta que muitos antigos tem tido, e os novos tem se espelhado. [5] Só pode ser considerado sacerdote quem tenha o mínimo de conhecimento teológico, filosófico e ritualístico de uma determinada religião. O Candomblé é uma religião iniciática com características e rituais próprios e, uma dessas características, é preservar certas informações da iniciação, da introdução de um indivíduo ao culto de Orisà, somente sendo difundida entre aqueles que já passaram por tudo isso. [6] Hoje o que mais vemos são os antigos (muitas vezes até conhecidos) [7] jogando ao vento coisas que até ontem eram segredo, muitas vezes guardado sob juramento, e hoje estão em qualquer página de internet, para acesso de qualquer um, inclusive daqueles que querem destruir nosso culto. [8] Quantas páginas de umbanda e candomblé no Facebook você conhece? [9] Quantas vezes você já presenciou nessas páginas, assuntos internos que não deveriam ter saído das dependências da egbé? [10] Quantos grupos criados com intuito de apontar o "erro" dos outros você participa ou já ouviu falar? [11] Os próprios antigos, que outrora cobravam de seus mais novos o segredo, hoje semeiam essas informações em qualquer lugar. [12] Há quem diga que o fim do candomblé é consequência de uma juventude descompromissada, será mesmo? [13] Jovem, faça sua parte e não seja mais um!

Motumbà (facebook/ Grupo Selecionado, 07/07/2018)

Este é o perfil dos textos de Iyawô. Segundo a classificação de textos apresentada nesta tese, pode ser enquadrada em dois tipos: Ponto de vista do sagrado e Relação com a

hierarquia no candomblé. Na ocasião teve 06 comentários e 25 compartilhamentos. Mesmo

toca em uma questão delicada, pois atinge as relações no interior das comunidades e, sobretudo as hierarquias constituídas. Na frase [1] vejo uma definição objetiva daquilo que a página não se propõe a fazer. Ela delimita e é expressa, de forma crítica, uma postura recorrente entre o povo-de-santo para com seus pares, mesmo antes da existência das redes sociais, que é a de tecer comentários, em sua maioria negativos, em relação ao que é visto noutras casas de candomblé, prática conhecida como “fuxico de candomblé”, inclusive já estudada pelo antropólogo e babalorixá Júlio Braga74. A crítica chama o leitor para uma mudança de postura, que deve começar, segundo o Ator 03, de dentro para fora visando desfazer o “espezinhamento” pelo qual passa a religião.

Na sequência, a frase [2] diz literalmente, qual o objetivo do texto; escrito em caixa alta, sugeri chamar a atenção do leitor sobre conduta humana. Porém, qual o entendimento do Ator 03 sobre esta expressão? Em [3] inicia com uma frase como se anunciando o assunto correlacionado ao tema primeiro (conduta humana). Em [4] afirma que se trata de comportamento recorrente, desde as pessoas mais antigas no candomblé e repetida atualmente pelos mais novos. Ora, a princípio seguir os mais velhos é um ensinamento no candomblé considerado inclusive como dogma, como um tabu impossível de ser quebrado. Na continuidade do texto, a crítica de Iyawô irá ganhar mais argumentos. No intervalo [5] verificamos uma breve explicação sobre quem pode ser considerado sacerdote no candomblé e observações quanto a preservação dos segredos do culto. Até aí tudo bem! Porém, a inquietação deste internauta é finalmente apresentada nos intervalos [6 e [7]. Vale ressaltar que em [6], há a indicação de quem são os alvos da de seu descontentamento. Desde aí há uma quebra do código de conduta daquilo tradicionalmente transmitido como ensinamento do culto, a obediência passiva e sem contestação dos iniciantes com relação aos seus/suas mais velhos/as. Ator 03 é um noviço do axé, no texto ele quebra a hierarquia ao apontar erros dos mais velhos do axé que expõem segredos litúrgicos, nas redes virtuais.

O fundamento das críticas de Iyawô aparecem em [7] e é reforçada em [8], [9] e [10] com questionamentos, que qualquer internauta seguidor do ciberaxé, ou que minimamente participe dos grupos de whatssap (hoje muitos comuns nas roças de candomblé) entenderá o sentido de suas interrogações. Contudo, pode ser constrangedor, para aqueles que leram e concordam com o texto, se expor nos comentários endossando-o. Afinal existe uma rede de contatos e relações on-line e off-line, nas quais estão pessoas mais novas e mais velhas no axé que acessam estas publicações. Ainda assim, ocorreram seis comentários e ao menos 25 vezes!

Abaixo trago os comentários postados. Utilizei as letras de A-F para identificar os comentaristas e preservar seus anonimatos:

AGeovana AraujoMuitas casas hoje em dia devem desconhecer o significado de receber mojuba. Por isso está esse circo. Dentro tudo isso eu só tenho a agradecer ao meu Ilê, ao meu Babá e meus orixás.

B BZan Branco Vamos respeitar o awo e nossos juramentos

C Mariana Aparecida Perfeita descrição dos atuais acontecimentos Oculte ou denuncie isso

DAntony Ty Odé

Realmente..

Bem isso que entendo e vejo. Amei... Compartilhando... Meu motunbaxe... Mojubá. E Micael Trevisan

F Deia Lobo Se os mais velhos fazem isto o que será dos mais novos tem genti pegando coisas na interneti e fazendo besteiras na cabeça das pessoas quem confiar eis a questão falou tudo nos fazemos um juramento e levamos para o túmulo só sabe quem passa pelo camdoble que quiser saber tem que passar pelo que eu passei pra saber e dese jeito mutumba axe (Facebook, grupo selecionado, 07/07/2018)

Todos os comentários estão em concordância com o teor do texto. O internauta A

denomina esta situação de “circo”, mas exclui seu terreiro de candomblé, que em sua avaliação, difere dos demais quanto a este comportamento. Esta acusação de A, sobre as demais casa de candomblé serem desconhecedoras do “receber mojuba”, e por isto parecerem um “circo”, expressa uma prática corriqueira e muito antiga entre as roças de candomblé, de antes mesmo da existência da internet, que Braga (1988) chamou de “fuxico de candomblé”. Se refere circulação de informações entre membros de candomblé, que acorria de forma velada, as escondidas, de “boca a ouvido”, como estratégia de preservação de segredos entre mais graduados na hierarquia sacerdotal, e também sua transgressão ao possibilitar a difusão de saberes com filhos/as-de-santo mais curiosos. O fuxico de candomblé foi um meio que serviu, ao mesmo tempo, para manter a comunidade de axé informada de todos os assuntos que pudessem atingir as casas de candomblé. É possível então, que A esteja reproduzindo fuxico de candomblé, que pode ou não, ter fundamento. Os demais internautas, com exceção de B, expressam conhecimento sobre a situação abordada no texto, de revelação de segredos no ciberespaço pelos/as mais antigos do axé. Nestes comentários novas acusações aparecem, inclusive citando exemplos internos, por exemplo, A cita o “mojuba” e F faz menção ao “ato de juramento”. O que isto indica? Foi intencional? O que podemos abstrair desta conversações?

A afirmação feita em [11], embora se refira a um fenômeno que atualmente se manifesta fartamente pela internet, através das diferentes plataformas virtuais, não aconteceu só agora, tampouco por estas vias. Revistas e jornais no passado, já veicularam fotos de cerimonias e rituais secretos do candomblé, com a permissão de sacerdotes/tisas, causando grande alvoroço na comunidade afro-religiosa. Iludidos com a promessa do prestigio advindo com as publicações ou em troca de benefícios financeiros e pequenas reformas estruturais para suas casas de culto, muitas lideranças religiosas, sobretudo aquelas mas periféricas e com pouca visibilidade na sociedade, abriram espaços e afazeres dos recônditos sagrados, para olhos alheios e com interesses, que na maioria das vezes, resultaram em pouco ou nenhum ganho para estas comunidades. Um exemplo clássico foi a publicação na revista O Cruzeiro, em 1951, da reportagem de José Medeiros intitulada “A Purificação pelo Sangue”, na qual continha fotos dos principais momentos da iniciação ao candomblé, costumeiramente reservada a poucas pessoas do culto, por isso a indignação da comunidade religiosa. Estas fotos foram tiradas em Salvador e depois reunidas para publicação do livro Candomblé, pelo mesmo autor (SILVA, 2006).

A própria formação da área de estudos sobre religiosidade afro-brasileira que tem em seu percurso pesquisadores militantes e acadêmicos, seguindo a classificação feita por Oliveira (2007), que produziram suas etnografias a partir de extenso material fotográfico, gravações de áudio, cadernos de secretos, etc. adquiridos no convívio entre o povo-de-santo, já representa uma quebra desta premissa da manutenção de segredos no âmbito, unicamente intra-religioso. Entretanto, no trecho da narrativa [11], que faz referência ao descuidado com relação ao segredo, acredito que a problemática da divulgação sem critérios (na hipótese de ser um problema!) tenha mais haver com o controle sobre a transmissão do conhecimento litúrgico (mais especificamente, quem o faz), do que sobre a revelação do mesmo (o conteúdo em si). É de Silva quem trago esta afirmação, e ele reforça a mesma dizendo que o segredo:

[...] opera como uma estrutura de termos de significação variável que se definem por oposição e contraste, em meio a relações de poder e concorrência existentes entre os membros dos grupos religiosos e destes entre si. Por isso o conhecimento, nessas religiões enfatiza sobretudo os contextos performáticos de fala: quem fala, para quem se fala, o que, quando e onde se fala etc. (SILVA, 2006, p.134)

Castilho (2010), dirá que há uma tendência a privilegiar a tradição oral como característico das religiões afro-brasileira e oposto a escrita. No entanto, esta pesquisadora, ao aprofundar esta questão vai verificar que na medida que texto escrito e as imagens, abrem

margem para uma aprendizagem descontextualizada, fora da vivência dentro das comunidades, perde-se a complexidade e riqueza que lhe são inerentes. Outro aspecto, segundo esta mesma autora, é que textos e imagens são matérias que extrapolam o corpo, podendo circular irrestritamente, veiculando inclusive os chamados segredos do culto, que antes mantinham-se guardados sob tutela e os rigores dos/as religiosos mais antigos.

Diante destas evidências sobre o trânsito dos segredos do culto, ser uma prática corriqueira na história dos candomblés, ocorrida muito antes das redes no ciberaxé o que se pode inferir, sobre esta publicação do Ator 03 é que este criou um canal, capaz de possibilitar o livre exercício de outras narrativas, para dentro destas comunidades(e sobre as práticas lá desenvolvidas), partindo dos mais jovens na hierarquia, direcionada a todo/as dentre da Roça. Os tensionamentos experimentados no interior das relações cotidianas, agora podem ser expressos, relatados em texto expondo tudo aquilo que lhe incomoda. O compartilhamento deste material propicia uma audiência, estreita histórias afins, além de criar um espaço de trocas, que ampliam o olhar sobre um modelo religioso, a princípio organizado para o aprendizado iniciático.

Contudo, a alternativa de existir estes canais comunicativos no qual se pode relatar experiências, discuti-las, compartilhar situações vividas no e sobre o processo iniciático, com pessoas diretamente vinculadas a este percurso (no caso, os/as seus/suas mais velhos/as diretos), e outros indiretos, ou também com pessoas mais distantes, cria um espaço de sociabilidade mais livre, autônomo e mais flexível quando comparado a sociabilidade off-line da Roça. Se antes os conflitos gerados entorno do ingresso no axé, se davam mais numa dimensão mais interior, com o sujeito sozinho tendo que lidar com os mistério entorno do sagrado (estado de transe, as danças, dormir no chão, labutar com animais, entrar no mato, etc.); hoje ele/a encontra outras vias de exteriorização destes conflitos que continua interferindo sobre si, porém podendo acionar mais olhares para opinar e lhe dar audiência.

3.4. Dofonitinha

Escolhi Dofonitinha por dois motivos. Inicialmente pelo chamariz de seu perfil: na identificação do facebook o primeiro nome é o seu civil e o segundo nome equivale a sua posição no barco de yawô75 quando foi iniciada – “dofonitinha” (a segunda do barco). Ela não

é a única internauta no ciberaxé a fazer isto, no grupo selecionado, por exemplo, encontraremos muitos outros perfis trazendo o orunkó76, ou seu cargo no terreiro (ogan, ekedi, iyalorixá, etc.), ou ainda o orixá e ou entidade para quem foi consagrado associado ao nome, por exemplo Paulo de Oxóssi. O uso de elementos ligados a pertença religiosa, no perfil dos usuários das redes sociais, tem implicações importantes na compreensão de Borges:

Quando eu cheguei ao terreiro, em 2014, os/as candomblecistas raramente postavam foto ou alguma coisa que fizesse menção a sua religião nas redes sociais digitais. Nem fotos suas postavam em seu perfil. Utilizam imagens que se aproximavam das suas identidades e gostos pessoais, como fotos de máscaras africanas ou de cachoeira. Timidamente, nos últimos anos fui percebendo que alguns vão dando visibilidade a sua religião alterando seu nome no Facebook como seu orunkó – nome que recebe após a iniciação no candomblé. Como Lima de Kaô é o perfil atual de Patrícia Lima, Kaô é parte da saudação do orixá Xangô que é seu orixá. E temos também Onylakayê Lourival Piligra Júnior, Lourival Piligra é Ogan Oba no terreiro pesquisado, depois de sua iniciação no terreiro ele acrescentou no seu nome de perfil, no Facebook, o Onylakayê que é seu orunkó. Temos também o Ogan Eduniná que após sua iniciação alterou o seu perfil no Facebook para Paulo Eduniná Fumaça. Além de alterar seus nomes, eles também postam fotos com suas roupas e fios de contas, como sinais diacríticos da sua religião. Considerei esse movimento como dispositivo de aprendizagem e propus um diálogo como eles sobre memória, identidade e pertencimento a partir do Orunkó no Facebook. (BORGES, 2017b, p.229)

Esta autora desenvolve este argumento, a partir dos sujeitos de sua pesquisa de campo, os membros do Ilê Axé Odé Aladê Ijexá, localizado no Banco da Vitória em Ilhéus (BA). Segundo Borges, as diferentes plataformas virtuais (facebook, blogs, youtube, whatssap, etc.) são mais do que apenas meios de compartilhamento de conteúdo diverso, elas significam espaços de interfaces para autoria e publicação online, no qual os envolvido podem colaborar

75 Barco de Yawô é como chamamos o grupo de pessoas que estão em processo de iniciação. Neste grupo é

estabelecida uma ordem, onde o primeiro é denominado dofono, o segundo dofonitinho, o terceiro é o famo, o quarto é famotinho, e demais nomes irão ser dados à medida que mais pessoas estejam no “barco”.

na construção do conteúdo e criar em co-autoria, com possibilidade de editar, de agirem como imprensa e estarem convidados a “interferir e seduzir as pessoas, independe da idade, orientação sexual, religião, partido político, etnia, etc., que estão imersos nas redes sociais digitais”. Esta possibilidade de interface da redes sociais virtuais, tem extrapolado o espaço não-formal e vem sendo explorado no processo formativo de muitas maneiras, sobretudo na educação. Isto a motivou a escolher o Facebook, como espaço de interação e troca de saberes tradicionais, do terreiro selecionado como campo de sua pesquisa, pois era algo que eles já exercitavam e no processo da pesquisa poderia ser ampliado. (BORGES, 2017b, p.230)

Portanto, quando Dofonitinha utiliza sua posição no barco de Iyawô, na identificação de seu perfil, esta internauta pode ter assumido tal atitude, em função do aprendizado na interface formativa das redes, no qual perpassa todo um processo de empoderamento, visibilidade, fortalecimento, promovida por outros membros do axé, que antes já atuavam nestes canais, com este propósito. De fato, impressiona quando acessamos os espaços virtuais na internet e encontramos perfis, nos quais o elemento inicial de identificação, o nome ou a imagem/foto associada, é algo reconhecido em seu universo religioso. Trata-se do primeiro determinante para a continuidade ou não, do processo interativo, pois é através daquilo que inicialmente vemos, seja na imagem ou nome, que nos sentimos mobilizados a dar outros passos, daí formamos uma pré-impressão que irá se fortalecer, ou não, a medida em que a interação avance nas demais camadas da mediação.

Mas que importância tem este nome para o povo-de-santo, a ponto de vê-lo (ou não) numa identificação de perfil, seja algo tão significativo? A Iyalorixá, mãe Darabi, do Ilê Axé Odé Aladê Ijexá, diz que a resistência do povo do axé está na preservação do nome, ou seja, da sua identidade nagô. Ao mesmo tempo, diz também que o nome deve ser preservado que ninguém precisa saber tudo sobre nós (BORGES, 2017b). Este nome recebido no processo de iniciação nos remete a nossa ancestralidade e, portanto, a ideia de que nossa existência é uma continuidade, é parte de um todo. Guarda significados sobre o nosso estar aqui e agora, assim como pode estar relacionado a como escolhemos nos identificar para o mundo. É frequentemente composto por duas ou três palavras. Em algumas roças de candomblé, costuma ser mantido em segredo e só pronunciado em ocasiões especificas. Noutras roças, se utiliza uma parte deste nome, publicamente, como denominação social deste sujeito; mas, há ainda os casos em que inexiste qualquer tipo de ressalvas neste sentido.

Recuero diz que os perfis dos internautas nas redes sociais são elementos relevantes para delimitação dos internautas e dos participantes nas conversações. Esta autora, com base no trabalho de Boyd e Herr (2006), afirma serem as representações nos perfis constituídos e

construídos através de um corpo comunicativo em conversação com outros corpos representativos, ou sejam, estes perfis seriam representações das conversações (RECUERO, 2015, p.140). Isto converge com as ideias de Borges, sobre as redes sociais virtuais serem interfaces de produção e co-produção, com amplo potencial formativo. E lança luz para entender o comportamento de Dofonitinha, ao utilizar este nome na representação no seu perfil; pode expressar um ação do grupo Selecionado que, ao compartilhar conhecimentos do candomblé, influência no combate os efeitos do longo processo de discriminação e violência sofrida pelas religiões afro-brasileira, iniciado desde o período escravista, e que ainda perdura de muitas formas na sociedade atual. Efeitos como a necessidade de se preservar, de se esconder:

Nunca foi fácil para o povo nagô assumir a sua identidade. Na época da escravidão no Brasil, os negros que vieram dos países africanos foram proibidos de cultuar sua religião, falar a sua língua e utilizar qualquer insígnia que representasse o seu axé e, consequentemente, as suas heranças culturais. Vários foram os processos de resistência que o povo nagô utilizou para preservar a sua identidade religiosa. O sincretismo religioso e o silenciamento da sua fé são algumas das estratégias de luta mais utilizadas pelo povo nagô. Quem nunca ouviu a expressão “coisa de preto” como uma negativa à nossa identidade cultural não é brasileiro. (BORGES, 2017b, p.234)

Dofonitinha pode ter sido influenciada e aprendido no grupo selecionado a adotar uma alcunha engajada com sua pertença religiosa, assim como outros/as neste grupo costumas fazer. Por outro lado, afinal de contas Exu nos ensino que há sempre um contraponto, essa visibilização tem assumido, em alguns casos, uma condição que, pela intensidade, carece de reflexão. Sibília, por exemplo, analisa que este modo de vida construído na visibilidade, associada a ânsia de compartilhamento são heranças do século XIX. Esta autora lembra várias referências percussoras deste pensamento, como Guy Debord que previu a espetacularização do mundo como consequência do capitalismo e desenvolvimento da indústria cultural. E as promessas advindas com a invenção do cinema, posteriormente da TV, da indústria de massa, e mais recentemente da internet: “[...] as redes informáticas e as mídias sociais estariam cumprindo essa promessa que nem a televisão e o cinema puderam satisfazer.” (p.349).

Mas o contraponto, que anunciei acima, diz respeito a banalização da vida privada hiper- visualizada com os avanços da ferramentas de auto-exposição da internet. Lemos (2002), citado por Sibília, dirá que a vida privada, exposta pelas webcams e diários pessoais, tem se transformado em um espetáculo aos olhos curiosos, tornando a vida vivida uma banalidade radical. Então se o nome Dofonitinha, guarda significações compartilhas entre a própria autora

e demais olhos da comunidade de axé, o que se pode dizer dos demais olhares leigos que também estão on-line nesta comunidade virtual? Afinal, é previsível que haja no grupo pessoas