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Pororoca com pano na cabeça, comendo com a mão e deitada no chão

Fonte: Facebook, Grupo selecionado, 09/10/2018

Navegando pelas postagens desta internauta, no grupo selecionado63,encontrei a foto 20, na qual ela parece estar manifestada de erê, em uma celebração. Na foto ele veste uma roupa de chita (tipo de pano colorido), está com torço amarrado como laço para frente, deitada com a

63 Um dos recursos desta plataforma é o de poder ver todas as publicações que a pessoa fez no grupo, desde quando

barriga virada para o chão, as pernas levantadas e cruzadas, com uma mão segurando o prato e comendo com a outra mão, Logo a sua frente tem uma garrafinha rosa de plástico. O olhar e o semblante é de quem, enquanto come, arquiteta uma travessura. Ao seu redor estão várias crianças. Ao lado delas vejo partes de roupas feitas com mesmo pano, talvez outras pessoas vestidas semelhantes. Nesta postagem, Pororoca coloca o seguinte texto, do tipo Relato pessoal

ou desabafo64:

[1] Como dizer NÃO a essa energia tão maravilhosa? [2] Ela nasceu e já foi trazendo muita alegria as nossas vidas. [3] Suas traquinagens, brinquedos, doces e frango assado...

[4] Fazem a nossa vida ficar mais suave. [5] Porque SORRIR ainda é o melhor remédio. [6] Salve toda falange de Erê! Salve Ibeiji!

[7] 🎈🎂🍰🍼🍭🍬 Salve as crianças! [8] #Pororoca minha boneca.

[9] Bom dia, Irmãos de fé! (grifo meu)

A numeração, ao lado das frases do texto são codificações (GILL, 2003, p.253) para analisar o texto em partes. Esta técnica será utilizada na demais análises textuais que aparecerem nesta tese. Na frase [1], o questionamento em forma de negação, sugeri para quem a lê, a ideia de impossibilidade de qualquer interdição, de abertura e liberdade absoluta. Para o povo-de-santo, sobretudo às pessoas que incorporam de erê é comum o sentimento de constrangimento, pelas peripécias praticadas quando manifestadas, mesmo sabendo que não agem sob vontade própria. Talvez, a influência dos valores normativos da sociedade, que enquadram (e desenquadra) comportamentos conforme pessoa, idade, sexo e origem social. Esta visão de mundo chega com os adeptos ao adentrarem os muros das roças de candomblé, e são uma das causas de conflitos que acompanham o aprendizado daqueles/as que se iniciam, constituindo-se, inclusive, em um elemento pedagógico do candomblé. Portanto, a frase [1] cumpri um proposito neste contexto: o de valorizar uma condição própria do candomblé, a de conceder seu corpo adulto para que uma energia de criança assuma temporariamente seu controle e promova ações que se contrapõem a normatizada da sociedade.

As frases [2] e [3] trazem características desta nova condição que “nasce”, que tem vida e é compartilhada com a Atriz 01 ao escrever “nossas”, uma qualidade ratificada na frase [4]. Considerando os preconceitos daqueles/as que ainda não descontruíram este olhar, mesmo desejando se iniciar, tais afirmações podem surtir efeito significativo, afinal, estas frases são

relatos de quem vivencia a incorporação. No trecho [5] a experiência de incorporar de êrê é traduzida como atitude de “sorrir” e é sugerida a outros que não conseguem fazer isto, como se fosse um remédio. Nas [6] e [7] Atriz 01 expressa o destino de sua adoração e explicita a relação entre erê, ibeji e crianças. Será que esta relação é clara para todos que a leem na página?

Na frase [8] é possível entender que esta internauta manifesta seus sentimentos sobre a erê de nome “Pororoca”, que incorpora nela, tomando seu corpo nas cerimonias que acontecem na roça de candomblé. Contudo, é possível compreender agora a citação da “pororoca” em seu facebook, na sua linha do tempo, na apresentação quando escreve: “Suave e moderada, Como a Pororoca! 😆”. É dá erê quem ela está falando, embora esteja se apresentando, ou seja, uma expressão de sua espiritualidade, daquilo que você crê sendo usado para “se apresentar”, para se mostrar. Trata-se de mais uma mostra de como ela escolha expressar seu pertencimento, os elementos que lhe referenciam, que dizem ao outros quem ela é, como ela escolhe se mostrar socialmente. É, portanto, uma forma de identidade diferenciada, pois quebra paradigmas sociais e convenções sociais de exposição de si.

As demais publicações de Atriz 01, no período escolhido, quase não possuem textos de sua autoria. Apenas Interjeições, do tipo mensagens, pedidos e saudações evocando o sagrado. Tem também expressões como “Bom dia, irmão de fé!”. Quando aparecem textos são conforme as três classificações apresentadas65: Ponto de vista do sagrado, Relação com a hierarquia no

candomblé e Segredos e fundamentos, normalmente originários de compartilhamento de

outros internautas. Já citei que ela participa de outros grupos com objetivos semelhantes. Todas trazem fotos, vídeos ou imagens, em todas as classificações e categorias apresentadas no início desta tese. Com exceção do texto analisado acima, que estava fora do período escolhido, não foi encontrado, dentro do período selecionado, publicações do tipo Relato pessoal ou desabafo. Também não encontrei nenhuma postagem como perguntas ou questionamentos. Acredito que sua condição como uma das administradoras do grupo selecionado, ao tempo que impulsiona a uma participação mais ativa e eclética quanto ao tipo de postagem, lhe inibe de promover debates internos e suscitar condutas não aceitas no grupo. É bom lembrar que uma das interdições apresentadas aos membros é quanto ao desrespeito entre os mesmos, sob o risco de expulsão do grupo, afinal, consta esta observação na aba “Sobre” do grupo.

3.2 O caçador

Ele está no grupo Selecionado desde 21 de dezembro de 2013, trabalha como gerente em uma empresa de construção, em Guarulhos (SP). Na aba “Sobre” não há indícios de que tenha relação com o candomblé. Entre os filmes assistidos aparece “Xirè dos Orixás – Festa da natureza”, um documentário que apresenta 16 orixás do panteão do candomblé. Ricardo Esposito Cunha é diretor, roteirista e produtor deste filme. Na aba de “Fotos” nenhuma indicação de ligação com candomblé.

Me chama atenção que Caçador, em sua linha do tempo no facebook, posta muitas fotos de si próprio66 (estas em maior quantidade); e dos lugares onde vai ou com amigos/as, embora em menor proporção. Isto, a princípio pode não significar nada, entretanto, no grupo Selecionado, as suas postagens contêm uma característica que as diferenciava das demais. Ele, ao postar escreve textos que nesta tese classifico como interjeições67. Ele faz a postagem com frases: “Concorda comigo diga asé...” ou “acredita nisso diga asé...” e “Só os verdadeiros sabe deixe seu Ase...”, associada a imagens, que nesta tese classifico como montagem68, conforme exemplos abaixo:

Figura 7: Mãos com objetos

Fonte: Facebook/Grupo selecionado

66 Não classifiquei estas como sendo do tipo espelho, por não apresentarem elementos relacionados ao candomblé,

embora tenha sempre ele ao centro delas.

67 Na classificação que apresento na pag. 34 desta tese, consta: “5. Interjeições – mensagens, pedidos e saudações

evocando o sagrado”.

Figura 8: Três pessoas andando com roipas brancas

Fonte: facebook/ grupo seleciondado

Figura 9: Mulheres com roupa de ração

Fonte: Facebook/Grupo selecionado

Ao aplicar as orientações da semiologia para análise da figura 07, verifico que o texto inserido na mesma retira a ambiguidade que lhe é inerente. Nesta imagem se estivesse só as mãos sem o texto, daria margem a muitas interpretações. Porque uma diferença importante entre linguagem e imagem é que “a imagem é sempre polissêmica ou ambígua. É por isso que a

maioria das imagens está acompanhada de algum tipo de texto.” (PENN, 2003, p.322). A esta relação entre texto e imagem Barthes69 deu nome de ancoragem.

Continuando, faço a análise de primeiro nível, “que Barthes chama de denotação, o leitor necessita somente de conhecimento linguístico e antropológico” (Idem, p.324), que equivale ao sentido literal dos elementos que a compõem. Baseado nisto, identifico um par de mãos com um punhado de búzios; um outro par de mãos, tendo uma segurando um colar e outra uma vara; e a quinta mão está sozinha e está com a palma virada para baixo, sob uma esteira, a mesma onde estão as demais mãos. Estas mãos estão lado a lado formando um círculo. No canto esquerdo, inferior da imagem, está o que parece ser a assinatura de quem a criou.

Passando para um segundo nível de análise, busco que cada um destes elementos acima pode conotar, ou seja, que associações são trazidas à mente? Que relações estabelecem entre si? Que conhecimentos culturais são exigidos para ler este material? (Idem, p.328). Este trabalho pode seguir indefinidamente, pois diferentes arcabouços de conhecimento podem acessados e aplicados sobre a imagem. Neste sentido, a questão da subjetividade aparece denunciando a natureza idiossincrática da leitura da imagem. Penn complementa dizendo:

O conceito de Barthes de léxico torna-se útil aqui. O que será mais importante para o analista não é o idiossincrático, mas as associações e os mitos culturalmente partilhados que os leitores empregam (Penn, 2003, p.334)

O mito para Barthes representa uma confusão imperdoável entre história e natureza, é o meio pelo qual uma cultura invisibiliza ou naturaliza suas próprias normas e ideologia, enquanto o léxico é a uma parte do plano simbólico da linguagem que equivale a um conjunto de práticas e técnicas. O léxico se refere aos níveis de interpretação, que Barthes, classifica o primeiro como denotação e o demais de conotação, enquanto outros pesquisadores recorrem a denominações distintas para se referir a esta mesma prática, um recurso interpretativo socialmente partilhado (Penn, 2003, p.324).

Com base nestas explicações conceituais da semiologia, retomo a análise da imagem 4, e a frase do tipo interjeição que acompanha a postagem do Ator 02. Nela ele convida o outro a concordar e se vale da palavra axé, muito significativa para o povo-de-santo, tocando, portanto, no sentimento daqueles que o acompanham. O texto na imagem, também apela para um princípio caro aos adeptos do candomblé, a simplicidade. São frequentes as postagens neste grupo, de outros internautas questionando os valores dos materiais usados nos cultos e dos

69 BARTHES, R. Elements of Semiology [trans. A. LAVERS & C. SMITH, 1967]. New York, NY: Hill

serviços religiosos cobrados por pais e mães-de-santo; uma contradição na visão de muitos que, por exemplo, se baseiam em narrativas das lendas e contos sobre os orixás, trazendo situações de humildade e desprendimento material destes; ou aqueles/as que se apegam as origens do candomblé, desenvolvida e praticada inicialmente por negros/as, em sua maioria de baixa renda. Também relacionado a questão da simplicidade no candomblé, outro assunto muitas discutido no grupo Selecionado é luxo e ostentação nas vestimentas do povo-de-santo, nas indumentárias dos orixás e na ornamentação de festas de candomblé, em algumas casas que costumas filmar e compartilhar no ciberaxé.

Então, o sentimento de indignação e contestação, com relação aos altos valores circulando no comércio religioso atual e o excessivo glamour nas celebrações litúrgicas é frequentemente compartilhado nas redes de ciberaxé. Há quem considere todo este investimento equivocado, assim como existem aqueles que defendem e valorizam esta prática. Encontrar mais uma postagem relacionada a questão, tende encontrar a solidariedade de muitos. Creio, entretanto, que neste caso da figura 07, os outros significados que poderiam ser abstraídos só da imagem (sem o texto), foram sobrepostos pelo apelo da mensagem, que de forma subjetiva, consegue levantar uma crítica sobre a ausência de simplicidade, em algumas casas de culto. Não há explicitação de nenhum caso, cria-se uma imagem emblemática em que texto e mensagem traduzem ideias, com múltiplas direções de sentido como costuma ser as mensagens de Exu, que nos deixa margem para fazermos relações com diferentes situações.

Se, na linha tempo do Ator 02 não aparece indícios de sua pertença religiosa, o mesmo não acontece no grupo selecionado, onde várias fotos do tipo espelho e movimentos70 estão disponíveis. Em uma ele aparece vestido de roupas e com adereços de candomblé, dirigindo um carro; noutra está também com trajes de candomblé, abraçando outra pessoa manifestada no orixá.