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3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 CADEIA DO PEIXE

Figura 1 - Fluxo de produção de peixes em Abaetetuba

Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

A cadeia produtiva do peixe do mercado de Abaetetuba obedece à seguinte formatação: O primeiro elo são fornecedores de apetrechos de pesca e insumos, sendo comercializados em lojas na própria feira, onde é possível conseguir os instrumentos a serem utilizados na pesca. Os instrumentos adquiridos são anzóis, malhadeira, tarrafa, espinhel de quatro anzóis, caniço, linha, rede de bloqueio, rede de lancear, assim como alguns advindos da própria várzea, como cipó titica e tala de jupati, utilizadas para a confecção do matapi.

O segundo elo tem os ribeirinhos como segmento representante, são os pescadores que atuam nos rios da Amazônia em busca das espécies de peixe permitidas naquele momento. Nesse caso, a cadeia não se restringe apenas aos pescadores das ilhas de Abaetetuba e adjacências, mas também aos demais que atuam nas regiões já destacadas no artigo; nesse sentido, o território de atuação da cadeia da pesca ultrapassa os limites territoriais municipais, regionais e estaduais.

A gente vai buscar peixe do Marajó e do Xingu. Já temos o contato direto com os pescadores e quando a gente chega com eles, já pegamos o tipo e a quantidade certa de peixe, aí a gente logo tira a barriga do peixe e coloca no gelo, assim dá para aguentar chegar até aqui e a gente logo vende (Informação verbal)35.

O terceiro segmento é composto pelos intermediários, autoconsumo e como troca por outro produto ou alimento que tem di culdade de conseguir. Os intermediários são os responsáveis em trazer esse produto de diversas origens, onde há ribeirinhos que atuam como pescadores de peixes de água doce da Amazônia.

Atuam ao longo do rio Amazonas e seus a uentes, em busca de espécies de peixe com valor comercial, tais como: tamuatá, jeju, pirapitinga, lhote, dourada, tucunaré, tambaqui, mapará, pescada, entre outros. Cada um já tem os contatos com os ribeirinhos que estão dispostos a repassar a produção para que estes comercializem na feira de Abaetetuba.

Já os produtos destinados ao autoconsumo e a produto de troca pertencem à dimensão não econômica do ribeirinho, e são comuns na dinâmica pesqueira na Amazônia, e principalmente nas regiões onde a atividade pesqueira é mais comum no estado do Pará, pois há uma série de

35 Entrevista realizada com o intermediário Sebastião, em 02/02/2020.

CADEIAS PRODUTIVAS DO AÇAÍ E DO PEIXE EM ABAETETUBA, PARÁ

di culdades de locomoção ao longo dos meandros dos rios, di cultando a circulação de dinheiro. Esse fato contribui para a criação de estratégias visando à manutenção da unidade familiar.

Quando saio para pescar, sempre separo o peixe que vou passar para o marreteiro, e tento garantir o da nossa

“boia”. Minha família já espera que eu leve o peixe para casa sempre, a gente sempre come peixe, até porque já é menos uma despesa, a gente já não se preocupa com “pedaço”, passa a se preocupar com o café, açúcar, leite, arroz, feijão e com as outras despesas. Geralmente a farinha eu também não compro, tem um pessoal que mora para estrada que faz farinha, então, como é difícil peixe para eles lá, a gente combinou de trocar peixe por farinha, as vezes troco 40 kg de peixe, por um pacote de 30 kg de farinha (Informação verbal)36.

O quarto segmento é composto pelos balanceiros, considerando sua importância no abastecimento da feira com peixe, pois permanecem atuando nessa função ao longo do ano, mesmo no período do defeso. É como se fosse uma espécie de marreteiro xo e institucionalizado pela prefeitura, pois repassa 25% da produção que recebe de cada embarcação diariamente para a prefeitura, precisando de dinheiro em espécie para comprar e vender simultaneamente o pescado do intermediário ou mesmo do ribeirinho, e repassar aos demais segmentos da cadeia, que pode ser destinado ao consumidor, ao peixeiro do mercado de peixe, às agroindústrias ou aos intermediários responsáveis por abastecer outras feiras.

A minha função é a principal daqui porque sou responsável pela compra e venda, tudo passa por mim, por isso tenho que estar antes das 4h, para eu ter domínio do movimento. A gente chega a receber 10 toneladas de peixe quando a pesca tá fechada e cerca de 23 toneladas quando está aberta. Todo dia é esse movimento que a senhora tá vendo aqui (Informação verbal)37.

De acordo com os dados empíricos da pesquisa, o quinto elo é constituído pelo mercado de peixe, em que os peixeiros do mercado compram o peixe dos balanceiros, ainda de madrugada, para vender a varejo no mercado de peixe; pagam uma taxa de R$ 6,00 para a prefeitura para usar o talho e são responsáveis pela higienização dessa área; vendem o peixe para o consumidor nal diariamente.

36 Entrevista realizada com o ribeirinho José, em 04/02/2020.

37 Entrevista realizada com o balanceiro João, em: 20/01/2020.

O sexto elo é a agroindústria, que direciona o peixe in natura para o processo de letamento, para comercializar nas redes de supermercados, bem como para a exportação.

Os intermediários dos municípios vizinhos buscam o pescado em isopor contendo gelo em carros de pequeno e médio porte, para distribuí-lo nas feiras dos municípios vizinhos, como Barcarena, Moju, Acará, Mocajuba, entre outros.

Eu venho um dia sim e outro não buscar peixe, tenho meus clientes certos já. Tenho essa caminhonete que dá para eu levar uns 100 kg de peixe. É bom para mim, porque venho por aqui por dentro, pela estrada de Beja e chego rápido aqui, porque a estrada tá boa. Aí eu compro aqui e levo para vender lá em Barcarena (Informação verbal)38.

A atuação desse tipo de intermediário é muito comum na feira de Abaetetuba, pois são responsáveis pelo abastecimento de peixe nas feiras desses municípios vizinhos, que não possuem a dinâmica de comercialização de Abaetetuba.

O sétimo elo é composto pelos supermercados, exportação nacional e internacional, feiras livres de outros municípios, considerados os canais de comercialização que atenderão a demanda dos consumidores de peixe regional, nacional e internacional.

3.1.1 DEMANDA DO PEIXE

As variáveis independentes incluídas na demanda por peixe explicaram 82,54% das variações nas quantidades demandadas de peixe do mercado varejista do município de Abaetetuba em 2020 (Tabela 1). A estatística F foi signi cativa a 1%, indicando a presença de variáveis relevantes na regressão múltipla especi cada na forma linear, indicando que as variáveis incluídas no modelo são relevantes para representar o mercado.

Os resíduos apresentaram distribuição normal pelo teste de Jarque-Bera, isto dispensa o teste para heterocedasticidade, conforme Santana

38 Entrevista realizada com o intermediário Mário, em: 14/09/2019.

CADEIAS PRODUTIVAS DO AÇAÍ E DO PEIXE EM ABAETETUBA, PARÁ

(2003). A estatística de Durbin-Watson, como esperado, não indicou problema de autocorrelação serial de primeira ordem (SANTANA et al., 2012, 2017; SANTANA, 2020). O teste do Fator de Variância In acionária não indicou presença de multicolinearidade entre as variáveis explanatórias (Tabela 1). Estes resultados atestam que a demanda agregada de peixe está corretamente especi cada. As variáveis preço do camarão e preço da bacaba não apresentaram signi cância estatística, afastando a dependência na decisão de compra das famílias que consomem peixe.

Pelos resultados da Tabela 1, o consumo autônomo de peixe foi positivo e de 30,17 kg/família/mês, o que geraria um consumo per capita anual médio de 90,51 kg, caso as demais variáveis fossem iguais a zero.

Este é o limite máximo do consumo per capita de peixe das famílias entrevistadas na feira de Abaetetuba, Cet eris paribus. Por outro lado, o preço de estrangulamento do mercado, ou seja, o preço para além do qual não existe demanda, foi estimado em R$ 22,10/kg.

O coe ciente associado ao preço foi negativo e signi cativo a 1%, con rmando a lei da demanda de que as quantidades demandadas de peixe variaram inversamente aos preços. Assim, tem-se que, para cada aumento de R$ 1,00/kg no preço do peixe, a quantidade demandada por família do município de Abaetetuba ao mês tenderia a diminuir -1,37 kg por mês. O coe ciente da renda, por sua vez, foi positivo em relação ao consumo de peixe, mostrando que para aumentos de R$ 1.000,00 na renda das famílias, a demanda tenderia a aumentar de 1,7 kg por mês, Ceteris Paribus. Portanto, os resultados estão coerentes com a teoria da demanda.

Com relação à conexão horizontal dos produtos relacionados ao consumo de peixe, tem-se que os coe cientes associados aos preços do açaí e da farinha foram negativos e iguais a -0,177 e -1,875, indicando que uma mudança de R$ 1,00/L de açaí e de R$ 1,00 kg de farinha, o consumo de peixe tenderia a cair de 177g e 1,875 kg/família ao mês. O coe ciente associado à variável tamanho da família foi positivo, mostrando que, quanto maior o número de pessoas por família, maior tende a ser o consumo, o que está de acordo com a teoria da demanda dos produtos essenciais à dieta alimentar da população.

Tabela 1 - Resultados da demanda agregada de peixe da pesca artesanal

do município de Abaetetuba e as elasticidades da demanda, 2020.