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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-CONCEITUAL

EFEITOS DO SELO COMBUSTÍVEL SOCIAL NA GOVERNANÇA DA CADEIA DE VALOR DO DENDÊ NA AMAZÔNIA ORIENTAL

ALÍQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO/REGIÕES

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-CONCEITUAL

No contexto dos incentivos do governo federal em favor do cultivo da palma de óleo como uma fonte energética sustentável sob os aspectos ambiental, econômico e social, foi criado o Selo Combustível Social como componente de identi cação concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário aos produtores de biodiesel que promovam a inclusão social e o desenvolvimento regional por meio da geração de emprego e de renda para os agricultores familiares integrados. A compreensão de como são distribuídos os benefícios, custos e ricos entre os participantes da cadeia demanda que seja analisada a operacionalização desse tipo de sistema de parceria, tendo em foco o estabelecimento das relações de poder no interior da estrutura. Assim, recorreu-se aos conceitos de cadeia de valor global e relações de poder.

O acesso aos mercados globais tornou-se cada vez mais dependente da participação em redes de produção globais, lideradas por empresas com atuação em diferentes países. A compreensão da natureza mutável do comércio internacional e da organização industrial em escala global reside na noção de cadeia de valor. Esta refere-se ao processo pelo qual a tecnologia é combinada com insumos materiais, mão de obra e recursos naturais. Os insumos processados são montados, comercializados e distribuídos em uma estrutura de produção global “fragmentada”. A separação física das diferentes partes de um processo de produção permite a formação de redes de produção transnacionais (GEREFFI et al., 2005).

A estrutura de transação contratual caracteriza a governança das cadeias de valor modernas. A cadeia é visualizada como sistema econômico,

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institucional e social. Em tese, está comprometida com um conjunto de estratégias baseadas na complementaridade e especialização do trabalho e das funções entre seus integrantes, visando criar vantagens competitivas e benefícios mútuos para toda a cadeia, gerar maior valor agregado e obter uma distribuição mais equitativa dos custos, benefícios e riscos entre os participantes (COASE, 1960; WILLIAMSON, 1985). No meio rural brasileiro, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, esse tipo de parceria tem sido estimulada através dos benefícios do Selo Combustível Social, no âmbito do PNPB. Com esta medida, o governo busca agregar ao discurso político, além dos benefícios ao meio ambiente, um caráter de inclusão social, ao estimular agricultores familiares a integrarem-se à cadeia produtiva do biodiesel (BRASIL, 2010a).

Em trabalho seminal sobre o tema, Gereffiet al. (2005) identi caram cinco padrões de governança nas cadeias de valor globais (CVGs), de nidos a partir da interação entre três variáveis utilizadas como fatores de análise dos tipos de governança das CVGs, quais sejam: a complexidade das operações ‒ relacionada à transferência de informação e aos conhecimentos necessários para as especi cações de produto e processo; a capacidade de codi car informação ‒ referente ao ponto em que a informação e o conhecimento podem ser codi cados e transmitidos com e ciência e sem investimento entre as partes da transação; e os recursos na base de fornecimento ‒ capacidades reais e potenciais dos fornecedores em relação aos requisitos das operações. A combinação entre as variáveis internas ao modelo in uencia a forma e a governança das cadeias. Assim, a governança pode ser do tipo de mercado, modular, relacional, cativa e verticalmente integrada, as quais variam de altos a baixos níveis de coordenação explícita e assimetria de poder (GEREFFI et al., 2005). Dessa forma, cada tipo de governança fornece um trade-off diferente entre os benefícios e os riscos da terceirização.

Na abordagem deste estudo, será destacado o modelo de governança do tipo cativa. Nesse tipo de governança, os fornecedores dependem da transação de compradores muito maiores, que buscam controlar possível oportunismo através do domínio da estrutura de governança da cadeia. Ao mesmo tempo, fornecem recursos e acesso ao mercado para que a saída se torne uma opção pouco atraente para os fornecedores, que, enfrentando custos signi cativos de mudança, tornam-se “cativos”. Essa con guração

de governança ocorre quando: a parceria é estabelecida entre sujeitos desiguais; há a necessidade de que a informação e o conhecimento sejam codi cados e transmitidos com e ciência na forma de instruções detalhadas; e a complexidade das especi cações do produto são altas, mas as capacidades reais e potenciais de compreensão dos fornecedores são baixas. Dessa forma, a baixa competência do fornecedor requer grande investimento por parte da empresa líder, gerando acumulação de dependência transacional à medida que as empresas líderes tentam aprisionar os fornecedores, a m de excluir outros de colher os benefícios de seus esforços (GEREFFI et al., 2005). Neste modelo, o poder é exercido e controlado diretamente pela empresa líder sobre os fornecedores, cuja relação é análoga ao controle administrativo direto que a alta gerência de uma empresa matriz pode exercer sobre os subordinados em uma subsidiária ou a liada. Enfatiza-se o papel da competência do fornecedor na determinação do grau de sua subordinação aos compradores.

Por outro lado, conforme Gereffiet al., (2005), essas estruturas de governança são dinâmicas e evoluem com o tempo, na chamada dinâmica de “Upgrading”, resultante do aprendizado adquirido pelos produtores locais para se “elevarem na cadeia de valor”. Podendo ser efetivamente estimulada, a depender de como o conhecimento e a informação uem dentro das cadeias de valor de “empresas líderes” para seus fornecedores. Em uma trajetória de “Upgrading”, o modelo de governança cativo, frequentemente controlado de forma unilateral pelas empresas líderes, quando assume uma forma de maior valor agregado por meio da complexidade de coordenação, troca de conhecimento e autonomia de fornecedores, adquire modelagem da cadeia relacional. Nela, ocorre uma melhoria signi cativa de produto e processo para produtores locais e o equilíbrio de poder entre as empresas é mais simétrico, dado que contribuem com competências-chave. Havendo, portanto, uma expectativa normativa de que os fornecedores se movam para a produção de produtos de maior valor agregado ou assumam funções mais so sticadas ao longo de uma cadeia de valor global, tornando-se mais competitivos no mercado.

Contudo, Ferreira e Santana (2020) demonstraram que se o aumento da competência do fornecedor com o tempo é o principal fator impulsionador por trás da atualização, os processos de rebaixamento ou “downgrade” a que estão sujeitos os fornecedores nesse padrão de governança ocorrem

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por in uência das relações do poder, especialmente a partir da interação entre a segunda e terceira dimensões do poder, conforme apresentada por Lukes (2005) e que a perspectiva da CVG não lançou luz. A posição de comando e controle assumida pela Agropalma na governança da cadeia garante que o seu poder seja exercido diretamente sobre os fornecedores de forma mais e caz. As estratégias da manipulação, dominação e controle, como aspectos menos acessíveis à observação, asseguram à Agropalma a manutenção de uma relação hierárquica de autoridade e controle sobre os pequenos produtores, pois o poder é mais e caz quando menos observável. A posição de agir e a capacidade de decisão hegemônica são preponderantes para os processos de rebaixamento na estrutura de governança da cadeia.

Nesse ponto, a perspectiva do poder tridimensional, conforme Lukes (2005), torna-se central nas análises da distribuição dos custos, benefícios e riscos no interior da cadeia de valor, especialmente a partir da interação entre segunda e terceira dimensões do poder. Em Lukes (2005), o poder está associado à capacidade dos atores de reconhecer, articular, representar e atingir seus interesses nas atividades do mundo social. Pela segunda dimensão, certos interesses são ocultados pelos atores mais poderosos, que poderão ser afetados pelos atos de decisão. Buscam determinar a agenda de con itos, sendo capazes de afastar temas contrários aos seus interesses através do controle e determinação da agenda em detrimento das coletividades sociais prejudicadas. Através da terceira dimensão, o poder é mais re nado, con gura-se por meio da manipulação de vontades e desejos a ponto de os interesses reais ou objetivos dos atores serem encobertos pelos próprios atores e substituídos por interesses subjetivos produzidos pelas várias estruturas que os circundam. O poder busca obter a dependência, a cumplicidade, mesmo não precisando ser exercido, quando não existe con ito. Esta visão permite analisar, na desigual apropriação de poder e “hegemonia” do grupo mais poderoso sobre os demais, como o consentimento dos dominados é obtido. O poder é, antes de tudo, uma capacidade e não somente o exercício dessa capacidade; pode nunca ser e nunca precisar ser exercido, pois possui aspectos menos acessíveis à observação como a manipulação, a dominação e o controle. Neles reside a e cácia do poder. O ponto crucial da e cácia e astúcia do poder é impedir ou reprimir manifestações de interesses. Não havendo contestação, não

haverá con ito e a estrutura de poder jamais será afetada (LUKES, 2005).

Mas o poder é também compreendido neste estudo como a habilidade humana de agir em uníssono, em comum acordo, é inerente à existência de qualquer comunidade política para construir e impor visão de mundo legítima. O desenvolvimento da capacidade de agir pressupõe a percepção que os agentes têm do campo das posições socais (lugar de forças), da consciência política de sua contribuição para a construção da visão do mundo e do próprio mundo (BOURDIEU, 2010). Um contexto no qual a governança de mercado poderia ser melhor orientada a m de alcançar tais objetivos deveria ter por base a parceria fundada no dialogismo e na perspectiva pluralista entre as partes interessadas. No âmbito de uma macropolítica do dendê, onde atuam vários “players” da governança pública, a governança pode se tornar uma forma desejável de produção de políticas, desde que mecanismos regulatórios sejam criados para que as obrigações sejam cumpridas, a participação consciente seja garantida nesses espaços, num processo tendente a reduzir as assimetrias de poder nesse campo de forças desigual (PONTE; EWERT, 2009; BEVIR, 2011; FUKUYAMA, 2013).

3. MATERIAL E MÉTODOS