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POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO E TURISMO: REFLEXÕES SOBRE MODELOS EXCLUDENTES

DESENVOLVIMENTO DO TURISMO

2. POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO E TURISMO: REFLEXÕES SOBRE MODELOS EXCLUDENTES

A globalização tem impulsionado o estabelecimento de processos de desenvolvimento erguidos sob a égide da ideologia neoliberal, na crença de que mercados autorreguláveis, dirigidos por si mesmos, podem gerar melhores resultados econômicos (POLANYI, 2000; HABERMAS, 2001). Nesse sentido, acrescenta Polanyi (2000, p. 91), “só terão validade as políticas e as medidas que contribuam para assegurar essa auto-regulação do mercado, possibilitando condições para fazer do mercado o único poder organizador na esfera econômica”.

Ainda nessa mesma obra, o autor revela como o Estado interventor liberal, a serviço de proprietários, empregadores etc., articulou-se, através de políticas e leis, para criar as condições em que a sociedade humana fosse submetida ao mercado, tornando-se acessório do sistema econômico.

Nessa linha de raciocínio, de acordo com o Habermas (2001), o enfraquecimento do Estado, paralelo ao fortalecimento do mercado, não obstante o dinamismo econômico gerado, aumentou as desigualdades sociais e econômicas, levando ao consequente aumento do abismo entre empregados e empregadores.

Baseada nessa premissa, segue-se a ideologia neoliberal, na qual muitas políticas de desenvolvimento estão assentadas na atualidade e que acabam por reforçar as desigualdades, pois muito do que foi previsto por essa ideologia não corresponde ao que se observa em várias partes do mundo. A economia globalizada embasada nessa ideologia acabou por ampliar sua capacidade de produzir desigualdades, de explorar a natureza à exaustão, de ampliar riscos e custos sociais e ambientais e elevar a exclusão social (HABERMAS, 2001). Na atualidade, salienta Fazito (2015), neoliberalismo, globalização e modernização formam o tripé dos discursos dominantes de desenvolvimento.

Condé (2009), ao discutir Estado, capitalismo e desenvolvimento, analisa as reformas econômicas de cunho liberal e o aprofundamento da simples regulação pelo mercado que, após os pródigos anos 90, gerou uma situação decepcionante, em particular, na América Latina, com o aumento da desigualdade e da pobreza, de crises nanceiras e de insegurança econômica.

Trazendo o debate para o campo do turismo, Bursztyn (2003), ao fazer uma análise da in uência do ideário neoliberal na formulação de políticas públicas de turismo no Brasil, conclui que

A globalização contemporânea se caracteriza pela crescente concentração de renda e exclusão social, face à subordinação dos Estados Nacionais a interesses meramente econômicos. As mazelas e desigualdades geradas por esse sistema são justi cadas como pré-condições de um ajuste que traria a nível planetário uma nova era de paz e um novo padrão de relações sociais, bem-estar e prosperidade (BURSZTYN, 2003, p. 3).

POLÍTICA PÚBLICA E TURISMO NA ILHA DO MARAJÓ: REFLEXÕES SOBRE NOVAS FORMAS NECESSÁRIA S E POSSÍVEIS DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO

Assim, os dados econômicos do turismo – crescimento de receita internacional de 4,4%, com ganhos totais nos destinos estimados em US$1.260 bilhão em todo o mundo (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE TURISMO, 2016) – justi cam a importância atribuída à atividade. No entanto, Fazito (2015) alerta que, seguindo de forma acrítica o discurso do desenvolvimento, da modernização, numa perspectiva global, o crescimento da atividade tem causado grandes impactos sociais e ambientais e as populações receptoras pouco têm se bene ciado de seu desenvolvimento.

Nesse contexto de desenvolvimento, acrescenta Fazito (2015), o turismo acaba por ser um agente que transforma em bens de consumo, ou seja, em mercadorias, lugares “distantes”, “exóticos” e “atrasados”, seguindo assim a lógica da economia de mercado, bem trabalhada por Polanyi (2000), através do conceito de “mercadoria”.

É com a ajuda do conceito de mercadoria que o mecanismo do mercado se engrena aos vários elementos da vida industrial. As mercadorias são aqui de nidas, empiricamente, como objetos produzidos para a venda no mercado; por outro lado, os mercados são de nidos empiricamente como contatos reais entre compradores e vendedores (POLANYI, 2000, p. 93).

Locais aprazíveis e atraentes, do ponto de vista do turismo, passam a ter destaque nas políticas públicas como locais com potencialidades de contribuir, ou mesmo alavancar economias, em uma dada região. Porém, em vários estudos sobre o turismo no Brasil, é unânime se concluir que as políticas públicas do turismo no país trabalham em favor dos interesses políticos de cada governo e das elites econômicas locais, baseados em modelos exógenos de desenvolvimento (CAVALCANTI, 1993; CORIOLANO et al., 2009; FERNANDES, 2013; FAZITO, 2015).

O que se constata é que o Estado cria condições legais e scais para que as elites locais se perpetuem, enquanto se observa a exclusão das populações locais nos processos decisórios e das áreas ocupadas por estas, mas consideradas como atrativas para o turismo, ou seja, áreas que possuem belezas naturais, “são novidades”, possibilitam o lazer, a aventura etc. (FERNANDES, 2013).

Sobre essa realidade, Fernandes (2013) trabalha o conceito de espaço de “inclusão excludente”, pois as localidades são incluídas nos roteiros turísticos internacionais, mas não as populações locais no mercado de trabalho, sem proporcionar melhoria da qualidade de vida dessas comunidades.

A verdade é que o turismo tem um enorme potencial, capaz de alavancar o desenvolvimento de uma região, porém, ao mesmo tempo, também pode promover degradação ambiental e o agravamento das desigualdades sociais se apenas os indicadores econômicos forem considerados nos processos de planejamento e promoção da atividade. Logo, como há regiões com potencialidades turísticas e comunidades interessadas em promover essa atividade, faz-se necessária e indispensável a construção de novas formas de planejamento, desenvolvimento e políticas públicas para o setor, alinhadas às demandas, realidades, modelos e exigências locais de desenvolvimento e aos movimentos e reinvindicações endógenas que estão acontecendo por todo o mundo e que considerem os fatores sociais, culturais, identitários e territoriais, tanto quanto os econômicos.

Considerando que as políticas públicas compreendem um conjunto de decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores, que envolve diversos atores, tomada de decisão e ações estratégicas para atender as preferências dos atores envolvidos (RUA, 1997), é fundamental que os interesses das populações locais, que residem em áreas com potencialidades turísticas, também sejam representados e alcançados pelas políticas públicas do turismo.

Faz-se necessário transformar as demandas das populações locais, quase sempre excluídas dos processos decisórios, em “problemas”

importantes para os governos. Entendendo aqui “problemas”, no sentido usado por Capella (1996), enquanto demanda a ser atendida, que chama a atenção dos que fazem parte dos processos decisórios, que desperta uma necessidade de ação, uma ideia que entre na pauta das Agendas de governo.

Só após transformar-se em um “problema”, determinadas demandas locais podem ver-se representadas nas políticas públicas, após passar por inúmeros processos decisórios de disputas, barganhas, negociações, entre vários atores.

POLÍTICA PÚBLICA E TURISMO NA ILHA DO MARAJÓ: REFLEXÕES SOBRE NOVAS FORMAS NECESSÁRIA S E POSSÍVEIS DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO

A abordagem de Capella (1996) é importante na medida em que ajuda na análise das políticas e atores envolvidos e na compreensão da importância de se fazer parte do “jogo das negociações”, para fazer com que as demandas locais chamem a atenção dos formuladores de políticas e sejam contempladas nas políticas públicas nacionais, estaduais e municipais.