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A construção do poder e a disputa pelos arranjos locais de governança nos espaços das organizações são resultado de uma construção histórica, política e social, fruto dos diferentes tipos de capital, que atuam como um campo de forças e de lutas entre os diferentes atores (BOURDIEU, 1989).

Com o crescimento das organizações, como observam Cappelle et al. (2005), passa a haver cada vez mais estruturas e tarefas especializadas, posições funcionais diferenciadas e conhecimento compartimentado, exigindo a criação de estratégias para a sobrevivência da organização e para dirimir possíveis conflitos de interesses decorrentes da divisão do trabalho. Mintzberg (2000) enfoca o poder em sua forma hegemônica, que determina a obtenção e detenção do poder, do ponto de vista da estratégia. Entretanto, o poder, na visão de Foucault (1984), também pode ser encarado segundo o seu exercício e concebido como um conjunto de práticas sociais e discursos construídos historicamente, que disciplinam os indivíduos.

Foucault (1984) procura captar o poder em suas extremidades capilares e acredita que a arte de governar envolve uma pluralidade de formas de governo; e vai além à análise do poder, ao reconhecer o seu caráter relacional, contingencial e localizado, bem como a sua capacidade de estabelecer objetos do conhecimento e, nesse sentido, seria algo potencialmente criativo e não apenas negativo. Assim como não estaria somente ligado à hierarquia organizacional e à submissão funcional. O poder, segundo essa ótica, representa uma capacidade de agir sobre a ação do outro (CAPPELLE et al., 2005).

2.2.1 Formulação do campo de poder e análise de Bourdieu

Pierre Bourdieu (1930-2002) é um autor estruturalista francês do movimento pós- Segunda Guerra Mundial, que desafiava a explicação positivista universal da sociedade e do conhecimento, trazendo uma visão mais estrutural ou diferencial da realidade, que considera a análise dos agentes participantes e das estruturas sociais que a compõem.

O espaço social estruturado, onde as posições dos atores encontram-se fixadas e as formas de interações entre os agentes são determinadas pelas relações objetivas entre as posições que ocupam, é o que Bourdieu denomina “campo”. Os campos são relativamente autônomos (campo político, econômico, religioso, científico etc.), resultado de suas particularidades, regras de convivência, compromissos, alianças, concorrências e a natureza dos conflitos que permeiam as relações entre os seus agentes (BOURDIEU, 1989).

Desse contexto, nasce a ideia de que o mundo social pode ser entendido como um espaço de várias dimensões, constituído por diversos campos que possuem regras e propriedades que atuam para conferir força ou poder a este universo. O que constitui o espaço social mais amplo são os múltiplos campos, com a desigual distribuição dos diferentes tipos de capitais: econômico, social, cultural e simbólico (GOBBI et al., 2005).

Cabe ainda ressaltar que o campo social é também um espaço de luta pelo domínio do Estado e do capital estatal, que assegura o poder sobre os diferentes tipos de capital. Embora o campo de poder não deva ser confundido com o campo político (BORDIEU, 1999, 2011).

Em virtude da distribuição desigual do capital entre os agentes, o campo se particulariza como um lugar de manutenção das relações de poder, dividido em dois polos: dominantes – os que detêm o maior capital – e dominados – com menor volume de capital. Essa relação de assimetria passa a definir o campo como um espaço de luta concorrencial entre os agentes pela posse do capital que lhes garanta a dominação (BOURDIEU, 1989).

Na construção de uma teoria da prática, Bourdieu (1999, 2011) introduz o conceito de habitus para explicar a mediação entre agente social e sociedade. Nessa perspectiva, as práticas e representações são produto de um modus operandi do qual o agente social não é o produtor e o senso prático tende a desconhecer o significado de seus comportamentos.

O entendimento do objeto de estudo como um campo de poder pode ampliar suas perspectivas de análise, ao considerar a realidade com uma construção social envolvendo uma pluralidade de agentes num espaço social dinâmico, desigual e conflituoso, que faz emergir, a partir dessa complexidade, os mecanismos de governança (GOBBI et al., 2005).

Os críticos de Bourdieu, como aponta Thiry-Cherques (2006), não aceitam a sua concepção utilitarista da vida social, subordinada à lógica do interesse e da concorrência e apontam que a noção de “campo relativamente autônomo” não poderia ser generalizada, uma vez que compreenderia um amplo espectro indeterminado de possibilidades.

Por outro lado, a objetividade do seu método também é questionada; pois esta só seria possível mediante a neutralização dos interesses econômicos, sociais, culturais e simbólicos do pesquisador. Apesar de tais críticas, Bourdieu (1930-2002) constitui importante referência no pensamento social deste século.

Bordieu incomodou muita gente. Foi um pensador original, um crítico impiedoso. Tinha alguns dos defeitos comuns às inteligências privilegiadas: a vaidade não sendo o único. Mas teve o mérito de sacudir o marasmo político e intelectual da sua época (THIRY-CHERQUES, 2006).

2.2.2 A nova teoria organizacional

A teoria institucional emerge, nas ciências sociais, ao final do século XIX. Esta relativa antiguidade, entretanto, longe de estabelecer uma evolução linear e cumulativa, revela as disputas de campo pelo monopólio da competência científica e um movimento de evolução, ruptura e acomodação, que sofre uma retomada na década de 1970 (CARVALHO et al., 2012). A teoria institucional se divide entre o velho institucionalismo, de Selznick (1948) e o novo institucionalismo, que tem origem nos trabalhos de Berger e Luckman (1967), Meyer e Rowan (1977), DiMaggio e Powell (1991) e Scott e Meyer (1991).

A teoria instrumental de Bourdieu (1989) igualmente se insere em uma perspectiva neoinstitucional da teoria das organizações e permite identificar os mecanismos determinantes de dominação e reprodução das instituições e o funcionamento de outros fenômenos organizacionais, como a cultura organizacional, as estratégicas e as ferramentas de governança e gestão. Na mesma ótica, o espaço da empresa é considerado como um campo de dominação e um meio de relações de força e interações políticas.

Em contraponto à teoria de Bourdieu (1989), o neoinstitucionalismo vem iluminando importantes aspectos de dissociação e diálogo entre esses corpos teóricos, na medida em que a emergência e proliferação de novas formas organizacionais assumem um papel de destaque no mundo dos negócios. Esses novos arranjos seriam uma forma híbrida de governança, com base na dicotomia entre a racionalidade das transações e a hierarquia na qual se baseia o poder formal delegado aos agentes (GOBBI et al., 2005).

Misoczky (2003) traça um paralelo entre o neoinstitucionalismo e a teoria de Bourdieu (1989). Sua estratégia é a desagregação dos corpos teóricos. Assim, o neoinstitucionalismo estaria mais próximo da descrição do comportamento e da ação intencional, ao passo que a teoria de Bordieu seria mais adequada aos interesses construtivos da ação social.

A permanência das instituições decorre não somente do fato de que estas satisfazem necessidades humanas culturalmente definidas, como também de um conjunto de fatores contingenciais fruto das relações sociais e do ambiente. Em sociedades civilizadas, caracterizadas pela crescente mobilidade, a estrutura institucional torna-se cada vez mais complexa e especializada, sujeita a um número maior de contingências (PECI, 2005).

Uma vez estruturado o campo social, poderosas forças emergem e levam as organizações a se tornarem similares entre si. O campo organizacional se torna um espaço que inclui todas as organizações que oferecem produtos ou serviços e o conjunto de organizações associadas: fornecedores, consumidores, reguladores, entre outros. (AVELAR JR., 2012).

As novas arquiteturas organizacionais são moldadas pelos modelos de gestão atuais, comportamentos, tendências, entre outros aspectos que transparecem um período de transição face à imprevisibilidade e complexidade do ambiente das organizações. Desse modo, a teoria institucional ganha espaço nos estudos organizacionais por fornecer maneiras de compreender padrões implícitos e a diversidade dentro das organizações (PEREIRA, 2012).

A maioria dos atores nos sistemas econômicos e políticos modernos são organizações formais e as instituições legais e burocráticas ocupam um importante papel no contexto contemporâneo (MARCH; OLSEN, 2008).

Várias abordagens tentam explicar o fenômeno das grandes corporações modernas, assim como a sua relação com o mercado de capitais. A abordagem econômico-financeira parece ter papel de destaque em termos de volume de pesquisas e orientações para o mercado. Essa perspectiva conservadora dominou o cenário moderno e mostrou-se eficaz por anos, dando suporte aos elementos de controle e estratégia das organizações. Contudo, os escândalos de fraude e corrupção envolvendo grandes corporações norte-americanas, nos anos 2000, afetaram a credibilidade das organizações e do mercado, apontando para mudanças necessárias na governança corporativa (ROSSONI; MACHADO-DA-SILVA, 2010).

Diante da crise de legitimidade que tais escândalos geraram no mercado, estudiosos das organizações buscaram compreender o fenômeno da governança corporativa sob diferentes lógicas, entre elas a institucional. Nessa perspectiva, práticas organizacionais são ações sociais recorrentes, que constroem e reconstroem a organização, entre as quais estão as práticas de governança corporativa, na concepção de Blair (2005):

Todo um conjunto de meios jurídicos, culturais e arranjos institucionais que determina o que as empresas de capital aberto podem fazer, quem pode controlá-las, como o seu controle é exercido, e como os riscos e retornos das atividades das quais são responsáveis são alocados (BLAIR, 2005).

Tais práticas envolvem a esfera institucional das organizações, seus aspectos normativos e estratégicos, como o relacionamento com os stakeholders. A governança corporativa, do ponto de vista institucional, possui um papel legitimador frente à sociedade, base de sustentação da nova institucionalidade (ROSSONI; MACHADO-DA-SILVA, 2010).

O cruzamento da esfera da governança corporativa com a teoria das organizações, segundo Blair (2005), decorre da concepção analítica dos atores que operam no contexto das organizações, em busca de alinhamento dos seus objetivos e na administração de interesses conflitantes, sob um controle mais realista do “moral hazard” (risco moral) que resulta em mudanças de paradigma (BLAIR, 2005). Ao incorporar uma dimensão mais humana, como definida por Steinberg (2003), a governança corporativa abandona o individualismo puro da teoria neoclássica para buscar o equilíbrio de forças e o resgate dos valores das instituições.