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2.3 ASPECTOS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

2.3.3 Governança corporativa em empresas estatais

Segundo Secchi (2009, p. 357), “a definição de governança não é livre de contestações. Isso porque tal definição gera ambiguidades entre diferentes áreas do conhecimento”. As principais disciplinas que estudam fenômenos de governança são as relações internacionais, as ciências políticas e a administração pública e privada.

Estudos de relações internacionais concebem governança como mudanças nas relações de poder entre estados no presente cenário internacional. Teorias do desenvolvimento tratam a governança como um conjunto adequado de práticas democráticas e de gestão que ajudam os países a melhorar suas condições de desenvolvimento econômico e social.

Governança corporativa, na linguagem empresarial e contábil, significa um conjunto de princípios básicos para aumentar a efetividade de controle por parte de stakeholders e autoridades de mercado sobre organizações de capital aberto. (SECCHI, 2009).

Para Furlan (2006), não se pode deixar de considerar que a governança tem duas vertentes. Uma, com viés cultural, diz respeito à preocupação de fazer com que as regulamentações e normas sejam conhecidas e praticadas; a outra seria o que os americanos chamam de enforcement, ou a definição dos meios de aplicação para se fazer cumpri-las. É o que se convenciona chamar de governabilidade.

Não é simples fazer distinções precisas entre os dois conceitos – governabilidade e governança –, mas pode-se delimitar que a governabilidade refere-se mais à dimensão estatal do exercício do poder. Diz respeito às condições sistêmicas e institucionais sob as quais se dá o exercício do poder e a performance dos atores envolvidos (SANTOS, 1997).

Se observadas as três dimensões envolvidas no conceito de governabilidade apresentadas por Diniz (1995): capacidade do governo para identificar problemas críticos e formular políticas para o seu enfrentamento; capacidade governamental de mobilizar os meios e recursos necessários à execução dessas políticas; e capacidade de liderança do Estado, ficam claros dois aspectos: a) a governabilidade está situada no plano do Estado; b) representa um conjunto de atributos para o exercício do governo, sem os quais nenhum poder será exercido.

Já a governança, embora também esteja presente no Estado e em suas instituições, tem um caráter mais amplo. Pode englobar dimensões presentes na governabilidade, mas vai além. “O conceito (de governança) não se restringe, contudo, aos aspectos gerenciais e administrativos do Estado, tampouco ao funcionamento eficaz do aparelho de Estado”, como bem salienta Santos (1997, p. 341).

O conceito de governança, na visão da maioria dos autores, refere-se a padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais que coordenam e regulam transações dentro do sistema econômico, incluindo-se aí os partidos políticos e grupos de pressão, como também redes sociais informais (de fornecedores, famílias, gerentes), hierarquias e associações de diversos tipos.

Ou seja, enquanto a governabilidade tem uma dimensão predominantemente estatal, vinculada ao sistema político-institucional, a governança opera em plano mais amplo, englobando a sociedade como um todo. Como sintetizam Andrade e Rossetti (2014, p. 562):

A questão-chave do Estado não é de governabilidade, mas de governança. Enquanto a primeira é uma conquista circunstancial e geralmente efêmera do poder estabelecido, a segunda é uma conquista da sociedade, estrutural e duradoura. E que está alicerçada nos quatro princípios que definem a boa governança das corporações: fairness, disclosure, accountability e compliance (ANDRADE; ROSSETTI, 2014).

É exatamente essa versão eclética da governabilidade, segundo Fiori (1995), que, nos anos 90, passou a integrar a agenda do Banco Mundial e de outras instituições multilaterais, já agora na forma de uma preocupação com o que denominaram governance ou good governance, ou os fatores que contribuem para uma gestão ineficiente. O ponto de que parte sua preocupação, nesse sentido, é bem elucidativo: “Esses fatores incluem instituições pouco sólidas, a falta de uma adequada estrutura legal, a fragilidade dos sistemas e políticas incertas e variáveis” (WORLD BANK, 1992).

As instituições multilaterais tiveram um papel decisivo na construção do senso comum contemporâneo. No início dos anos 1990, na academia e nas agências multilaterais, o conceito de governabilidade e as reformas estruturais passaram a ser definidos, cada vez mais, de maneira circular: a governabilidade era uma condição para as reformas, assim como as reformas eram o caminho mais seguro para consolidar a própria governabilidade.

O conceito de governabilidade consiste em uma categoria estratégica destinada a assegurar a homogeneização internacional das políticas econômicas de consenso hegemônico do Fundo Monetário Internacional (FMI). Isso explica a aproximação da esfera pública e privada na institucionalização dos mercados e manutenção da ordem econômica.

Assim, os mesmos mecanismos de governabilidade que sustentam a conjuntura macroeconômica dos países também regem as regras de mercado e de propriedade das empresas. Estas, por sua vez, adotam cada vez mais as regras da boa governança corporativa, dentro de um contexto de governabilidade, que as diferenciam nos cenários globais.

No caso brasileiro, foi na segunda metade dos anos 80 que se colocou a questão da governabilidade como tema acadêmico e preocupação política. Não cabe aqui inferir na hipótese de que a governabilidade esteja associada estreitamente à evolução de um tipo particular de estratégia econômica, ou qual seja o “melhor modelo de governo” para alcançar uma economia de mercado; mas, como afirma Fiori (1995, p. 6), “sobre qual o impacto do funcionamento de um mercado desregulado, especulativo e internacionalizado na consolidação do governo democrático da sociedade brasileira”.

Na visão de Andrade e Rossetti (2014), seria ocioso relacionar as experiências históricas resultantes do conflito entre o interesse público e privado. Contudo, boas e rígidas regras de governança e governabilidade podem ser estabelecidas tanto para coibir o uso de mecanismos de anulação de forças de controle do Estado, quanto para limitar os fatores que favorecem o oportunismo e a expropriação dos recursos em favorecimento de interesses de determinados grupos, de ordem escusa ou não.

“A etiqueta governance denota pluralismo, no sentido de que diferentes atores têm, ou deveriam ter, o poder de influenciar a construção das políticas públicas” (SECCHI, 2009). Essa definição implica uma mudança e certo esvaziamento no papel do Estado na condução das questões públicas, para um modelo menos hierárquico e menos monopolista, de certo modo, de caráter neoliberal, como observa o autor, nas suas exigências quanto aos sistemas de governo e sua capacidade de lidar com os problemas coletivos.

Contudo, a governança pública, como observa Secchi (2009), também significa um resgate da política dentro da administração pública, reforçando os mecanismos participativos de deliberação na esfera pública e o papel de influência das organizações internacionais (blocos regionais, ONU, FMI e Banco Mundial), das organizações não estatais (mercado e organizações não governamentais) e organizações locais (governos e agências e outras).

Dois outros modelos organizacionais, segundo o autor, também têm composto o quadro global de reformas da administração pública nas últimas décadas: a administração pública gerencial (APG) e o governo empreendedor (GE), que resgata estruturas horizontais (comunidades, sociedades, redes) de cooperação para a construção de políticas públicas. Ambos os modelos compartilham os valores de produtividade, orientação para o serviço, descentralização e prestação de contas públicas (accountability).

O referencial legal e regulatório das estatais, segundo Fontes Filho e Picolin (2008), deve ser desenvolvido com vistas a assegurar um ambiente de atuação para essas empresas e o setor privado em áreas onde competem de forma a promover boas práticas de governança corporativa, segundo os princípios da OCDE (2004).

Atualmente há uma série de instrumentos legais e normativos voltados para o controle, melhoria da gestão e aprimoramento da governança corporativa das empresas públicas, como a carta diretriz para Sociedades de Economia Mista e o Caderno de Boas Práticas de Governança Corporativa em Sociedades de Economia Mista, ambos do IBGC.

A BM&FBovespa lançou, em 2015, o Programa Destaque em Governança de Estatais, que tem como objetivo incentivar as empresas estatais a aprimorar suas práticas e estruturas de governança, incluindo a prestação de informações, contribuindo para a restauração da confiança dos investidores e para a redução do custo de captação no mercado.

Entre os instrumentos legais que visam estabelecer regras de governança corporativa e ampliar a responsabilidade das estatais estão a Lei de Conflito de Interesses (Lei 12.813/2013); a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) e o Decreto 8.420/2015, que a regulamenta; as diretrizes da Controladoria Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU); além das iniciativas do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest).

A Lei 12.353/2010, objeto deste estudo, constitui outro importante marco para a ampliação dos mecanismos de governança das empresas estatais e sociedades de economia mista, com a participação de representantes dos empregados em conselhos de administração.

Também está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei no 555, que dispõe sobre a responsabilidade das sociedades de economia mista e empresas públicas e sobre seu estatuto jurídico. Por este projeto, é garantida a participação, no conselho de administração, de representante dos trabalhadores e dos acionistas minoritários.

A União, enquanto acionista majoritária das empresas estatais tem buscado incentivar a adoção de boas práticas de governança corporativa e investido nesse sentido nas empresas nas quais, direta ou indiretamente, detém a maioria do capital social com direito a voto; ou seja, as empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas.

As empresas estatais são regidas pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976) e, no caso das instituições financeiras federais, pelas leis aplicáveis ao sistema financeiro e ao Banco Central (Lei 4.595/1964). Ao mesmo tempo, são obrigadas a cumprir sua função social e a se submeter à fiscalização do Estado e da sociedade, no tocante a direito civil, comercial, trabalhista, investimentos, contratações, processos seletivos, entre outros deveres.

O grande desafio da governança das empresas estatais hoje, como observa Silveira (2014), é aumentar a credibilidade junto ao mercado e a atratividade dos investimentos, alinhar os interesses dos acionistas à administração e minimizar a interferência do majoritário e os conflitos entre principal-agente/acionista-gestor (JENSEN; MECKLING, 1976).