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Levando em conta os lugares em que meu campo me colocou e aquilo que eu pude ver a partir desses lugares, apresento a seguinte divisão textual:

Proponho, no primeiro capítulo, uma breve descrição do lugar que as medidas socioeducativas ocupam no projeto preventivo do padre Rosalvino e, simultaneamente, o lugar que ocupam no prédio do CFC. Acredito que o arranjo espacial das medidas diga muito sobre o seu funcionamento. Descrever o espaço permite que o leitor entenda os caminhos por onde os documentos circulam, essencial nos capítulos subsequentes. Além disso, descrevo a importância da localização do edifício do CFC nos discursos da equipe das medidas.

O segundo capítulo será dedicado à descrição das atividades cotidianas internas ao núcleo de atendimento ou, em outras palavras, à descrição e análise etnográfica do conceito de atendimento da equipe aos meninos e suas famílias. Nesse segundo capítulo serão descritas as formas como as famílias são chamadas a participar da medida e as atividades que, para os técnicos, são indispensáveis para que o encerramento seja garantido ao término do tempo da medida. Finalmente, descreverei também as funções que os próprios técnicos julgam ter nas relações que estabelecem com os adolescentes que atendem. Cabe a eles sensibilizar, orientar e

encaminhar os meninos, apresentando-os a medida socioeducativa como uma

segunda chance, uma oportunidade.

No terceiro capítulo tratarei da elaboração e circulação dos documentos na medida. Serão descritas as formas como os técnicos interpretam o Termo de Entrega e, a partir dele, constroem atendimento. Também tratarei do Plano Individual de Atendimento (PIA), documento central na condução das atividades com os adolescentes. O PIA, durante o período de meu trabalho de campo, passava por algumas modificações decorrentes, sobretudo, da instauração do SINASE em 2012. As reflexões da equipe sobre as formas de elaborarem um atendimento necessariamente individual e, ao mesmo tempo, lidarem com documentos padronizados, linguagem técnica e metas rígidas serão aqui apresentadas. O malabarismo perpétuo que os técnicos têm que realizar é o do equilíbrio entre os atendimentos específicos e o constante movimento de uniformização dos serviços. Um esforço descritivo desse tipo precisa levar a sério o fato de que a política é feita através dos documentos, relatórios, informes, ofícios, e-mails, apesar de sua aparência extremamente burocratizada e massificada (Vianna, 2010).

O quarto e último capítulo discorrerá sobre as incertezas que envolvem o conceito de ressocialização e sobre suas possibilidades de manejo. Cabe aos técnicos traçar os objetivos de cada um dos atendimentos levando em conta os limites e as possibilidades que encontram nos adolescentes e, ao término do tempo da medida,

ser capaz de demonstrar ao juiz que aqueles objetivos específicos foram alcançados ou que precisam ser mais bem trabalhados. A possibilidade de encerramento está sempre em aberto, e envolve o embate entre versões possivelmente divergentes do que é entendido como ressocialização.

No entanto, para que essa organização em capítulos faça sentido, é preciso que se tenha em mente uma ideia central de meus interlocutores de pesquisa: a equipe das medidas da Dom Bosco é considerada, por si mesma, uma ponte. Nesse sentido, toda a descrição de meus dois primeiros capítulos, embora muito importante, só poderá ser de fato entendida quando, nos capítulos subsequentes, eu demonstrar a impossibilidade de se encarar o núcleo de forma isolada. Como já apresentado, esta etnografia descreve um lugar atravessado por inúmeras relações com outras instituições, pessoas e lugares que, juntos, tornam possíveis os atendimentos socioeducativos. Como argumenta Gregori (2000: 165-166), uma trama institucional não pode desprezar a existência de uma série de conflitos, incapacidades de articulação, resistências. No caso das medidas não é diferente. Se falo a partir dos saberes e das práticas de poder construídas cotidianamente no núcleo, é importante perceber que esses saberes e poderes não se limitam ao corredor das medidas, e tampouco são formados ali de forma totalmente original.

O termo ponte, utilizado a todo o momento, parece ilustrar bem o caráter relacional da equipe do núcleo e de seu trabalho. Além de serem pontes entre os meninos e o Poder Judiciário, os técnicos são pontes entre duas lógicas diferentes: a da rigidez das legislações, dos modelos de documentos e das metas propostas por um lado, e da imprevisibilidade e constantes variações dos atendimentos de cada menino por outro.

Ter feito um trabalho de campo localizado em uma única instituição, enfim, não me permite descrever precisamente todos os emaranhados institucionais (Vianna, 2010) envolvidos no atendimento aos adolescentes infratores. Essa dissertação tampouco será sobre a maneira como os meninos e suas famílias veem o

atendimento, a ideia de ressocialização, de medida socioeducativa25, ou como o Judiciário trabalha na construção de suas diretrizes, legislações e decisões sobre os casos de cada menino.

Esse trabalho se propõe, finalmente, a descrever, a partir das atividades cotidianas de uma equipe de onze funcionários de uma Obra Social, a maneira como se constroem as medidas socioeducativas, em seu caráter generalizante e individualizante – discussão central que perpassa o trabalho de toda a equipe. Medidas estas que se constroem no núcleo apenas através de tantas outras conexões que se expandem por muitos lados – conexões com os meninos, com a rede, com a justiça, com os juízes, com as leis, com outros núcleos, com a Obra Social – e que aparecem às margens desta dissertação, como rastros, como outros caminhos possíveis de se percorrer.

25 Para pesquisas com este enfoque conferir, por exemplo, Feltran (2008), Malvasi (2012), Neri

CAPÍTULO 1

O ESPAÇO DAS MEDIDAS NA